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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

QUEM ÉS, JESUS DE NAZARÉ?

1. Resumo de sua vida

Foi no tempo de Tibério, imperador romano do 1º século de nossa era. Num lar insignificante do Império (Palestina) fez irrupção, na vida pública, um artesão sem importância. Durante toda a sua vida tinha sido um trabalhador e continuou com este mesmo aspecto nos poucos dias que ainda viveu. Semeou uma grande inquietude religiosa em todo o âmbito social do país, com palavras e com uma vida cheia de amor. “Quem é este homem?” perguntavam-se uns aos outros (Mc 4,41). As autoridades religiosas do país, no entanto, unidas à força dos ocupantes romanos, levaram-no à morte. A morte, no entanto, não foi o fim de sua história. Os discípulos começaram a falar dele e empenhavam-se em dizer que ele estava vivo. Mais do que isso: diziam que estava no meio deles. Que ele era o centro da vida de todos os homens.

O mais estranho, contudo, não foi que começassem a falar. O mais estranho foi que davam a sua vida pelo que pregavam. Melhor, por aquele que pregavam. Refletiam, sem suas vidas, da melhor forma possível, a vida do homem que seguiam. Isso ia ajuntando muita gente, não só judia, mas de todas as partes do Império. Geralmente eram pessoas simples nas quais se davam transformações que não deixavam de chamar a atenção. A vida daqueles homens e mulheres era uma continuação da vida do seu Mestre. Afirmavam que não se tratava somente de uma imitação, mas que Ele vivia e se reproduzia neles. Daí em diante o mundo não pôde mais prescindir daquele homem. Ou se era a favor ou contra... É um personagem com o qual se deve contar. Os cristãos diziam que a passagem daquele homem foi o momento decisivo na história da humanidade e que o segue sendo hoje porque Ele está vivo.

Nenhum homem, nenhum fundador de religião teve semelhante pretensão. Nós, os que nos dizemos seguidores seus, devemos voltar constantemente para Ele. Recordemos, pois, alguns dados fundamentais.

2. Contexto

a) Jesus nasceu num povo teocrático, que se formou e vive da esperança do Messias, o Salvador. Socialmente é um povo de agricultores, pastores e artesãos. É um povo fortemente nacionalista. Conserva seu caráter judeu, mesmo em meio aos sofrimentos da diáspora.

b) No momento em que Jesus aparece, o país constitui uma espécie de colônia romana. A ocupação é, em geral, inimiga. Contentam-se em cobrar o tributo, respeitando a identidade religiosa dos israelitas. O povo, contudo, não aceita estas condições e odeia os ocupantes.

c) Desde sempre, no povo de Israel, o religioso e o político estão unidos. Naquele momento (no tempo de Jesus) o país estava cheio de uma multidão de seitas, partidos e grupos de caráter político-religioso. Os saduceus constituíam o grupo aristocrático e rico do país (inclusive os sacerdotes). Os proprietários rurais estavam aí. Ocupavam os altos postos da administração judaica. Os fariseus eram os estritos cumpridores da lei, mas viviam uma moral formalista e legalista. Evitavam a todo custo as impurezas legais. Por sua fidelidade externa consideravam-se superiores e desprezavam os demais. Fixavam-se em seus méritos pessoais para obter a salvação. Os escribas eram os entendidos na lei. A maioria dos fariseus eram escribas ou doutores que se dedicavam à aplicação da lei nas sinagogas. Uns e outros eram ferozmente nacionalistas. Com relação aos ocupantes, no entanto, tomavam uma postura de gente educada. Eram conservadores. Era lógico, por isso, que, neste panorama, as esperanças messiânicas se centralizassem no político e no religioso. O Messias castigará os outros povos, pondo-os sob o poder de Israel. Como inimigos, terão destruídos seus ídolos .

d) Todo o contexto ambiental do Evangelho se apresenta cheio de uma vida típica do Oriente. Jesus aparece no meio deste mundo concreto e todos estranham a sua pessoa, as suas palavras e as suas ações. A vida de Jesus apresenta-se neste contexto, de uma intensidade especial.

3. Os dados fundamentais da atuação de Jesus e de sua personalidade

3.1 Porte exterior e estilo de vida

Jesus se apresenta como um “qualquer” de seus conterrâneos (Fl 2,7). Foi muito mais identificado com os de sua idade e região do que João Batista. Deve-se, por isso, pensar no seu porte simples e atraente considerando a exclamação de uma mulher no meio da multidão (Lc 11,27). Ao julgar pelos dados do Evangelho, devia ser robusto. As pessoas o procuravam tanto que não o deixavam comer (Mc 6,31). As discussões com os fariseus eram compridas (Jo 8,1s). Tinha a capacidade de estar em qualquer lugar, de dia ou de noite.

Após um período completamente oculto, sua vida se parece à vida do profeta, missionário itinerante, que vai de cidade em cidade. Anda errante pelos lugares de seu país, às vezes sem ter nem onde dormir, como Ele mesmo dirá (Mt 8,20). Tem, sim, amigos que o acolhem em sua casa. Acode a eles de vez em quando. Tem, também, pessoas que o atendem materialmente.

Jesus é um homem do povo, embora seja profeta e mais do que profeta. Já desde sua origem nasce numa pobreza extrema. Jesus nasce inserido num mundo pobre e nele se educa. Nunca desertará de tal condição. Operário, em seus anos de Nazaré, mantém-se, por toda a vida, num contexto sociológico popular.

A maior parte das vezes caminha rodeado de grande número de pessoas, quase todas pobres, enfermas, pecadoras, gente esquiva e desprezada pela sociedade. Jesus sente-se à vontade na companhia delas. Não foge do trato com eles. É um homem do povo, de todos e para todos (Lc 12,1). Não é, pois, um personagem lendário. É amigo da natureza. Suas comparações são quadros vivos, tomados da realidade (Mt 6,25s). Sua aparição em público produz o impacto de uma inesperada irrupção. Os próprios parentes se envergonham dele e afirmam que perdeu o juízo (Mc 3,21). O povo, contudo, segue-O com entusiasmo.

3.2 Condição de Mestre e Profeta

O estilo de vida de Cristo assemelha-se ao “Mestre”. Os “mestres” explicavam as Escrituras, os livros sagrados do povo de Israel. Ele também se serve, algumas vezes, das Escrituras como ponto de partida de suas explicações. Fala, porém, desde dentro, isto é, a partir do interior de si mesmo.

É um “profeta”. Os profetas anunciam o Reino de Deus por parte de Javé. Interpretam (encontram o sentido profundo) os fatos da história. Jesus é como eles, porém mais do que eles. Não precisava garantir sua missão dizendo “assim fala Javé”. Fala como quem tem autoridade e se coloca acima do próprio Moisés, de Abraão e, até, por cima da lei como tal. “Ouvistes o que foi dito aos antepassados: não matarás e aquele que matar será réu ante o tribunal. Pois bem: EU vos digo...” (Mt 5,21).

Sua forma de falar é um dos aspectos que mais chama a atenção desde o primeiro momento. Ao chegar em Cafarnaum, entrou na sinagoga e se pôs a ensinar e ficaram admirados de sua doutrina porque ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas (Mt 7, 28-29). Merece destacar-se o realismo de sua linguagem, próprias de um homem do povo. Fala do padeiro que remexe a massa; da mulher que não pára de varrer até encontrar a moeda perdida. Sua forma de falar é simples e pitoresca. Entende-o o mais rude camponês que o escuta. “Ninguém acende uma luz para po-la debaixo da mesa. Pois bem, vós sois a luz do mundo (Mt 5,13-16). “Não se pode pôr um vinho novo em odres velhos” (Mc 2,22).

É hábil, na sua simplicidade, para resolver as dificuldades. Basta recordar a pergunta sobre o tributo a César (Lc 20,20-26). Além de toda a sutileza, Ele foi claro, direto e simples. Soube falar sem enfeites e suas terríveis diatribes e recomendou a clareza, a simplicidade e a sinceridade. O que mais chama a atenção, em sua linguagem, é a energia e a penetração. Geralmente usa sentenças breves. Resume, numa pequena frase, o ensinamento da parábola. Muitas vezes estas sentenças são de conteúdo evidente e, até, desconcertante. São sentenças profundas e exigentes. “Não vim trazer a paz mas a espada” (Mt 10,34). “Não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9,13). É um linguajar ardente e poderoso. Não podemos, contudo, deixar de destacar a sua ternura, a sua poesia e a profundidade de seus discursos mais compridos. Basta evocar o Sermão da Montanha (Mt 5,1-7,27) ou a parábola do filho pródigo (Lc 15,11-32). Não é de estranhar que os guardas, encarregados de prendê-lo, voltem com as mãos vazias e se desculpem dizendo: “Nunca um homem falou como este”(Jo 7,46).

4. O mundo interior de Jesus

4.1 Liberdade absoluta

Jesus é um homem livre diante de todos e sobre todos. É livre frente às pessoas e livre frente às instituições e costumes de seu tempo. É livre diante de si mesmo. É o primeiro aspecto que chama a atenção quando se lança um olhar atento à sua vida e ao seu modo de agir.

A autoridade que sai de sua pessoa, sua decisão no cumprimento de sua tarefa, sua firmeza, sua atitude crítica frente a todo tipo de injustiça e de mal, tudo isso nos revela um interior soberanamente livre, dono de si. Seu linguajar cheio de autoridade saberá ir além das tradições e das preocupações dos chefes religiosos do povo. Essa liberdade manifesta-se, igualmente, perante sua mãe e seus parentes: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” (Mt 12, 48).

Jesus é um homem livre ante as riquezas. Não as despreza, porém toma cuidado. Sabe que podem ser um risco, impedindo o Reino de Deus que está no mais pessoal do homem. Exigirá de seus discípulos a superação de toda preocupação pelo dinheiro. Quer pobreza, de fato (Mt 5,3; Mt 6,19-21; Lc 12,22-34; Mt 6,24s; Lc 9,59).

Jesus é um homem livre ante a autoridade. Acata a autoridade, em princípio, porém sem os típicos servilismos daquele tempo e de todos os tempos. Ante os governantes conserva a consciência própria de sua dignidade. Ante Herodes, que tinha curiosidade em conhecê-lo, Jesus mantém uma atitude digna, inclusive de despeito. Em outra ocasião Jesus havia chamado a Herodes de raposa (Lc 13,32). Frente às autoridades religiosas Jesus mostra-se igualmente livre e as enfrenta na sua hipocrisia na interpretação da lei e na imposição de cargas pesadas ao povo (Mt 23, 1s).

Jesus é um homem livre ante a lei religiosa e civil de seu povo. Cumpre-a, porém, superando-a e pondo, por cima dela, o amor. É livre ante o jejum (Mc 2,18s); é livre ante o templo, centro da vida religiosa e política do povo; é livre ante a tradição de lavar as mãos para comer (uma lei quase sagrada...)(Mc 7,3; M 15,20).

É uma liberdade interior que o levará a passar por cima de sua própria vida. Não teme perdê-la. Supera o temor da morte e vai livremente ao encontro dela. Aceita a morte livremente quando descobre que tal é o seu caminho. João põe em sua boa estas palavras: “Ninguém me tira a vida; eu a dou voluntariamente” (Jo 10,18).

4.2 Consciência de sua missão

Se algo parece claro em Jesus, é a consciência clara e consciente de que tem uma missão a realizar e sua decisão de levá-la até o fim. Sua postura crítica frente às autoridades, sua liberdade diante da lei, seu desprezo do dinheiro - tudo isso não é mais do que conseqüência da decisão com que vive sua missão. Frente a esta missão nada conta: nem o comer nem o dormir nem a moradia nem o desvio dos parentes que o tomam por louco. Uma das passagens mais duras do Evangelho é a reprimenda que deu a Pedro, querendo dissuadi-lo de subir a Jerusalém. “Afasta-te, Satanás! És para mim a tentação, o mal e a pedra de escândalo” (Mt 16,21-23).

Veio para anunciar e pôr em marcha o Reino de Deus. O tempo se cumpriu e o Reino de Deus está próximo. O Reino de Deus realiza-se pela justiça, através de perseguições. Quem for perseguido por causa do Reino é feliz e deve alegrar-se. O Reino de Deus é o prêmio dos pequenos. Devemos buscá-lo acima de tudo. É fruto da doação e do serviço.

Jesus toma consciência, progressivamente, que está chamado a ser o último, o servidor, o escravo. Interpreta toda a sua vida sob esta perspectiva. Vê sua morte como o coroamento de sua vida de serviço. É um serviço vivido no sofrimento das massas populares que são conduzidas por guias cegos, como Ele dizia (Mt 15,14), e oprimidas por prescrições impossíveis. Sente como feito a Ele todo bem e todo o mal feito aos fracos. “A mim o fizestes” (Mt 25,40). Não se trata de um sentimento vazio. Remedeia os males que pode; descobre ao homem suas misérias e trata de educá-lo. É um homem que liberta e cria um impulso novo de vida.

4.3 Amor apaixonado à pessoa humana

Este é o motivo de seu trabalho, de sua liberdade e da consciência decidida de sua missão. Jesus é um homem próximo ao homem. Destacamo-lo como o fundo de seu ser e como a raiz de sua ação. A sua missão dirige-se aos homens e às mulheres; não é uma abstração. É uma chamada de serviço a todos e a cada um. É uma missão para os demais.

Antes de tudo, é um homem pronto ao perdão. “Amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos perseguem” (Mt 5,44). “Já que Deus faz nascer o sol sobre bons e maus, também vós deveis amar a todos” (Mt 5,45). No entanto, acima destes ensinamentos Ele mesmo será o perdão vivo de quantos se aproximarem dele. Na cruz perdoará e desculpará os que O matam: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

É, também, um coração carregado de compreensão e compaixão. Os evangelistas o dizem repetidamente: “Tinha compaixão do povo” (Mt 9,36) porque “eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). Seu amor faz-se próximo de todos, mas especialmente dos pequenos, dos pobres, dos fracos, dos oprimidos e dos marginalizados. Esta aproximação choca violentamente com as “pessoas de bem”. É contínuo motivo de escândalo.

Ama porque espera, e não só por altruísmo ou beneficência. De cada pessoa, do mais pobre, do mais miserável ou do mais explorador (Lc 19,2-10), Jesus espera uma mudança radical. Espera o imprevisível e o impossível. A cada pessoa que encontra o diz, de forma ou outra: “Tu podes dar muito mais de ti mesmo; tens de dá-lo...” Porque Jesus espera, também se torna violentamente crítico com os que estão instalados.

Jesus espera de Zaqueu e do jovem rico (Mt 19,16-26). Espera uma mudança radical da prostituta que se aproximou dele na casa de Simão, o fariseu, que pensava mal dele e dela (Lc 7,36-50). Jesus espera dos seus discípulos, lentos para entendê-lo e tardos para crerem. Espera da samaritana e da adúltera e do próprio Judas (Jo 18,4s). Em resumo, ama apaixonadamente a pessoa humana. Quando Jesus ama põe em jogo todo o seu ser, enérgico, inteiro e sem vacilações. Em cada passo e em cada situação. O amor leva-o às máximas delicadezas e aos maiores enfrentamentos.

4.4 Fé no Pai

Se não chegarmos até aqui não temos feito nem visto nada; não penetramos no fundo do ser de Jesus, por mais que tenhamos visto. Jesus é um homem que tem família. Ante seus contemporâneos aparece como “filho de José”, o carpinteiro (Lc 4,22) ou, então, como o filho de Maria. Ele, porém, fala de outro Pai e de outra Mãe. Continuamente nos está falando dEle. Quando pronuncia este nome fá-lo de maneira completamente particular.

É seu “Pai” ou, simplesmente, “o Pai” ou “o meu Pai”. “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”, dirá no momento supremo (Lc 23,46). Os escritores do Novo Testamento conservaram-nos na língua original o termo que Jesus empregava: “Abba”, termo equivalente ao que a criança usa para chamar seu pai.

Desde pequeno os evangelistas no-Lo apresentam com esta obsessão: “Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” (Lc 2,49). Esta obsessão seguí-lo-á por toda a vida. É uma atitude radical que faz pôr a vontade do Pai acima de tudo, literalmente. “Pai, se é possível, afaste de mim este cálice. Porém, que não seja como eu quero, mas como tu queres” (Mt 26,39). É na vontade do Pai que mora a realização. Somos mais livres quanto mais colocarmos Deus em nossa vida. Somos nós mesmos quando formos o que Deus sonhou conosco. Se Deus não fosse Pai, isso seria tremendamente questionável; mas já que Deus é Pai abandonar-se nas mãos dEle torna-se a liberdade mais bonita que podemos imaginar. É o que Jesus fez. Ele foi tanto do Pai que deu a sua vida pelo mundo. Ele foi tanto do Pai que não poupou nada para si: “Tomem e comam! Isso é meu corpo dado por vocês.” “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelo outro”. A fé no Pai orientou toda a vida de Jesus e se quisermos pensar em seguimento, não há outro caminho.

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