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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

HOMILIA DE D. JOSÉ GOMES


 1ª Concentração Diocesana da Juventude de Chapecó (SC)
22/9/2985 – Ano Internacional da Juventude

Faz 10 anos da páscoa do santo profeta da esperança, Dom José Gomes. A ele, nossas homenagens por toda a sua atuação na Igreja da Diocese de Chapecó, e as eternas gratidões por ter nos ensinado, através de seu testemunho, a estar na construção permanente do Reino.

“Quero dizer a vocês que o sermão já está feito. O Bispo pode calar... Então eu pergunto agora a quem ouviu este jovem falando se podemos ou não confiar no jovem? [Jovens: “Sim!”]. Se podemos ou não confiar nele por que ele é capaz de construir a nova sociedade?

Podemos confiar em vocês! Eu digo o porquê. Porque aqui está a realidade daquilo que o jovem é capaz: a organização toda dessa concentração, da celebração do dia 22 do ano Internacional da Juventude; a concentração da juventude foi obra exclusiva das comissões dos jovens que se organizaram e vinham se estruturando a longo tempo. Aqui está a prova de que o jovem é capaz, de que o jovem tem coragem, que o jovem tem organização.

Eu só queria perguntar como é que vocês conseguiram esses mais de 200 ônibus e caminhões que vieram aqui? Com que patrocínio? "Com dinheiro nosso", gritam o jovem. Aí está a força da juventude. Aí está aquilo que eu dizia no início diante de uma multidão de jovens ou diante de uma juventude que se levanta em todo o Brasil.
É claro que tem aqueles que vão dizer que esses jovens são subversivos, que esses jovens são comunistas, que esses jovens são “marolados” pela Igreja e pelos partidos extremistas. Eu pergunto: o que une vocês aqui: é Cristo ou é alguma coisa diferente? [“É Cristo!”]. É Cristo e seu Evangelho? [“É!”].

São essas palavras que vocês leram aqui que Cristo disse para vocês: “Ide e curai os doentes; ressuscitai os mortos, purificai os leprosos”. É isso que os une aqui? [“É!”].
Tá certo... Mas Ele também disse outra coisa muito séria: “Expulsai os demônios. Expulsai o mal”. Vocês têm coragem de descobrir o mal e os demônios dentro de nossa sociedade? [“Temos!”]. Então o evangelho vos dá força para procurar onde está o mal em nossa sociedade; onde estão as estruturas que roubam a liberdade do jovem, de saber, se organizar, de lutar por aquilo que é um direito sagrado para todo o homem e para todo aquele que é, e todos são, filhos de Deus.

 Então, meus caros jovens, prezados ouvintes, é preciso ter confiança nessa juventude; é preciso ter fé nela; é preciso dar-lhes o apoio porque eles têm o entusiasmo, eles têm a força, eles têm a capacidade de lutar para que se faça uma nova sociedade, capacidade de lutar por aquilo que o Evangelho disse: “Ide e anunciai em toda a parte que o Reino de Deus está no meio de vós”. O Reino de Deus está convosco, está em vossos corações pela graça do Espírito Santo, pela força de Jesus Cristo e pelo amor do Pai. O Reino de Deus deve ser construído, e nós sabemos que o mal, o inço, a cizânia, disse Cristo, é sempre semeada no meio do seu povo. Nós temos que ter essa força de descobrir essa cizânia, esse inço, essa maldade. E temos que ter força e olhos abertos, os ouvidos atentos e sermos capazes de descobrir aquelas estruturas injustas que marginalizam o homem, que faz o homem doente, que faz o homem morto, que faz o homem leproso.

Doente nem é preciso falar. É só perguntar a vocês: o que faz o FUNRURAL em favor dos doentes da colônia? [“Nada!”]. O que faz o INPES com os operários da cidade? [“Nada!”].
E os mortos pela fome, os mortos pela miséria, os desligados da sociedade e os marginalizados... Estes todos doentes, e os Sem-Terra, e os atingidos futuramente pelas barragens... Vocês aceitam que eu digo que vocês são futuramente atingidos por barragens? [“Não!”]. Vocês já disseram “barragens nunca”. Pois, meus amigos, se eles, com suas forças, com as suas tecnologias, com o mando dos imperialistas do Norte, quiserem construir barragens, então nós teríamos que o povo fosse esmagado, que o povo estivesse morto, que o povo não tivesse coragem! [...]

E eu tenho que bater no peito também, né, ao apelo que o jovem fez no final. Nós da Igreja que não acompanhamos o Evangelho, que não interpretamos o Evangelho, eu reflito nessas palavras, pediria que comigo, todos os sacerdotes pensassem nesse Evangelho e nesse compromisso que nos foi dado, nesta chamada que esse jovem nos deu. Bater no peito e estar com os Sem-Terra, com o negro, com o caboclo, com todos aqueles nossos irmãos, também, que de 1500 para cá foram destruídos e assassinados, e que hoje são os mais marginalizados da vida, e que apenas de 5 milhões são 220 mil, se hoje em todo o Brasil roubaram suas terras, a sua vida, a sua cultura, a sua religião. Pensamos em tudo isso, batamos no peito e estejamos com esse povo que sofre.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

DIA DE DOMINGO, DIA DE FANTÁSTICO, O SHOW DA VIDA! Elementos para uma critica à Jornada Mundial da Juventude (JMJ)



Antonio Frutuoso
            Rede Globo, programa Fantástico, dia 16 de setembro. Uma das notícias mostra a chacina de 6 jovens, moradores da favela da Chatuba, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, encontrados mortos na segunda, dia 10 de setembro. No mesmo programa é lançado o Clipe/Hino Oficial da Jornada Mundial da Juventude. Entre os dois fatos uma enorme e abissal diferença que nos faz lembrar o slogan do programa: isso é fantástico!

            Uma das acepções da palavra “fantástico” é a de que se trata de algo que foge da normalidade, fora do comum e, em certo sentido, é inverossímil.  De um lado, jovens de periferia, pobres, todos negros, que são mortos no Rio de Janeiro, estado onde acontecerá a JMJ. De outro lado, jovens brancos, turistas, comportadamente vestidos e bem nutridos, vem ao Rio para participar da JMJ. A música, como os melhores hits, feita para grudar, cantada pelos stars católicos, em nada faz lembrar o samba, o maracatu, o forró, sons genuinamente brasileiros, afinal tudo é fantástico, tudo soa falso, pois, como na música panis et circenses dos mutantes, “as pessoas na sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer”.

            As duas reportagens despertam para a seguinte questão: quem é o/a jovem para o qual a Jornada quer e deve falar. Seriam os/as brancos/as caucasianos/as ou pretos/as e pardos/as - maioria da população brasileira? Seriam os/as jovens confortavelmente instalados/as em pousadas ou escolas católicas ou os/as jovens moradores de casebres que se amontoam em favelas no entorno das cidades? Seriam os/as jovens bem nutridos/as e civilizados/as, ou os/as jovens que vivem com menos do suportável e se reúnem em gangs para reivindicar, de uma forma por vezes enviesada, maior condição de vida? Enfim, falar a quem, ao jovem que tem condições de ter uma vida relativamente segura, que pode pagar um Salário Minimo para participar de uma semana da Jornada, ou aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza, os  que vivem com menos de R$ 70,00 por mês, que no Brasil são em torno de 16 milhões de pessoas, ou ainda aqueles que vivem de Salário Minimo, que chegam a 60% da população brasileira?

            Uma resposta simplista à questão diria que deve-se falar aos dois grupos, pois ambos necessitam serem evangelizados. Uma resposta evangélica diria que devemos falar aos mais pobres e necessitados, estes que são os bem-aventurados, o sal e a luz do mundo (Mt 5,13) e deles virão a redenção e a conversão de todos nós. O caminho da Jornada é o caminho do Jesus pobre, humano e convicto que a vida é revelada aos mais humildes e simples (Lc 10, 21).

            Num dos primeiros dias de inscrição da Jornada houve 4.000 inscritos. Façamos uma conta simples, se cada inscrito pagar 600,00, chegaremos a quantia expressiva, em um único dia, de R$ 2.400.000,00. Alguém sabe me dizer qual é o orçamento anual da Pastoral da Juventude? Por certo não chega nem perto desse montante. E quem evangeliza mais: uma jornada, evento pontual, massivo ou a Pastoral da Juventude com seus milhares de grupos que sistematicamente se organizam e se encontram semana a semana, mês a mês? De novo não tenho dúvidas de dizer que é a Pastoral.

            O hino da JMJ inicia falando que somos marcados desde sempre com o sinal do Redentor. “Redentor” é uma palavra interessante, pois de imediato nos liga à ideia de um salvador, aquele que veio remir a humanidade, livrar a humanidade de qualquer forma de opressão, inclusive das formas religiosas alienantes, como eram a que se apresentava no tempo de Jesus. O hino termina falando da necessidade de nos tornarmos novos homens. A resposta de Jesus a Nicodemos é clara: tem que nascer do espírito (Jo 3, 5). Exige transformação profunda. Trata-se de um novo nascimento. O novo homem não nasce a partir de estruturas de opressão, acumulação, do ter muito e ter mais, do consumismo... É preciso outro mundo. Ao dizer a Nicodemos que se tem que nascer de novo, Ele faz ver que não há como construir o novo a partir de estruturas desiguais, que é necessário por o vinho novo em barris novos (Mc 2,22). O novo homem é processo e produto de uma nova sociedade, de uma nova Civilização – a Civilização do Amor, que é para nós tarefa e esperança.

Não se trata de um sonho adiável para o futuro, nem de um desafio que se pode realizar num só dia ou numa só geração. Não se trata, igualmente, de gestos heróicos nem de ações isoladas ou voluntariosas. É tarefa diária. É paciente construção de dinamismos que motivam opções, compromissos e projetos que vão transformando, lenta mas radicalmente, a realidade. É tempo de semeadura e de esperança permanente, em que os passos dados e as conquistas alcançadas convidam a prosseguir. (CELAM: Civilização do Amor: Tarefa e Esperança. Orientações para a pastoral da juventude latino-americana. Paulinas, SP, 1997, p. 152).
            Ao dizer que o seu Reino não é segundo este mundo (Jo 18,36), Jesus deixa claro que o seu Reino não pode ser o mesmo de Roma que subjugava a Palestina em seu tempo e que uma religião alienante produz sujeitos dóceis e conformistas que aceitam todos os sacrifícios como condição da vida eterna.

            O Dia Nacional da Juventude deste ano nos convida à reflexão de “que vida merece ser vivida?”. O apelo de Jesus presente em Jo 10,10 e Jo 14,6 evidencia que a vida em abundância é fundamento para se estar no caminho com Jesus. O termo “abundância” não deixa dúvidas; não é pouca vida, mas vida que sobra, como vazante em rio que se espalha e inunda as margens. A ordem de Cristo é clara: é a ordem da VIDA (Lc 7, 14). É firme o propósito da PJ ao afirmar que a vida é para ser vivida e não ser ceifada ou destruída antes de se cumprir o seu tempo. No Brasil de 2010, 8.600 jovens morreram vitimas de homicídios; morreram sem ter direito a viver a vida.

            No show da vida, numa noite de domingo, pudemos ver 6 jovens pobres não encontrando redenção; não havendo amanhecer nem esperança. No show da vida, vemos que uma Rio de Janeiro ensolarada, como a mostrada no clipe, esconde os noturnos de nossas desgraças e mazelas. No show da vida os star católicos estavam mais preocupados em cantar a vinda do Papa do que cantar a morte dos filhos e filhas das viúvas de Naim que partiram da vida sem ter vivido da vida.

            E nós queremos o show da vida, de uma jornada, ou a VIDA que é  caminho, em todas as suas dimensões, contradições, lutas, resistência e limites, mas que nos conduz ao verdadeiro show que é Jesus?


Curitiba, Setembro de 2012.