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segunda-feira, 11 de maio de 2009

A beleza e o mistério do Nascer de Novo

Hilário Henrique Dick

Há coisas muito bonitas escritas, cantadas, filmadas, choradas e um monte de outros verbos que celebram, recordam, agradecem e um monte de outros verbos que se referem ao aniversário das pessoas. Há, também, coisas horríveis que falam do nascimento. Olho, então, assustado, para Jó, amaldiçoando o dia de seu nascimento. “Morra o dia em que nasci e a noite em que se disse ´Um menino foi concebido´. Que esse dia se transforme em trevas; que Deus, do alto, não cuide dele e sobre ele não brilhe a luz” (Jó, 3, 34). Que dor mais profunda! Que desespero mais trágico!

Começando a viver meus 72 anos gostaria de dizer uma coisa simples: envelhecer é aprender a nascer! Afirmam que “nascer” não é fácil, não é agradável. É como uma flor linda com muitos espinhos... Não sei se é heresia, mas estou iniciando a navegar no aprendizado do nascer. Aliás, não é de agora; de agora é a consciência que nasce de um corpo que suspira por algo melhor porque fomos feitos para o melhor. Chamamos isso de utopia do Reino de Deus; chamamos isso de plenitude de vida. Quero dizer, com muita humildade, que a plenitude está mais próxima.


De vez em quando passeio pelas fotos de meus irmãos e irmãs. Todos mais próximos, visivelmente mais próximos da plenitude. E então fico pensando no que poderia significar aprender a nascer. Mesmo que não seja pai, consigo imaginar e perceber a alegria que traz uma nova vida. Tudo se resume em festa. Se há choro, é choro de alegria. Parece que todos, ao redor, estão nascendo também... Com o idoso que vai nascendo, contudo, a paisagem parece outra. Como se o por de sol não fosse também um nascer de novo. Ou, por acaso, a noite não faz parte do dia? Para falar de “tempo” não contamos as noites, contamos os dias... Estranho, por isso, que tenhamos que aprender a nascer de novo.

Parece que nos ensinaram a não nascer quando, de fato, todos os dias são um renascer. A gente se levanta, estica o corpo, toma um banho, faz a barba (ou aquilo que as mulheres fazem...) e tudo começa de novo. Na maioria das vezes com pressa porque a vida chama, isto é, o nascer de novo é uma ordem que todos esperam que seja de amor. Nem sempre a gente se dá conta da profundidade de um “bom dia”. Poderia ser, também, um bom renascer. Os jovens gostam da noite. É que a noite nos faz lembrar que nossa vocação é a vida. E as coisas bonitas se rodeiam de mistérios... Tatear na noite é tatear na vida. É que a vida precisa ser procurada; precisa ser descoberta, mesmo que ela esteja dentro de nós. As trevas escondem muita vida...

A criança dorme muito porque, no comecinho do nascer de novo, o nascer e o renascer se misturam. E a mãe e os irmãos e os adultos vão tentando transmitir o que é esse tal de renascer que se esconde no horizonte. E a criança pula de alegria porque adivinha que o caminho para lá não é longo. “É logo ali...” diz ela, com as mãozinhas sacudindo com a descoberta que vai tendo, sem os adultos entender nada. É que mora em nós a tentação de não querer chegar. Não querer chegar não faz bem para ninguém. Por isso a importância profunda do aprender a nascer. Mas aí me pergunto: a gente nasce ou a gente renasce? Estou querendo convencer-me que as duas são a mesma flor.

Fico olhando os adolescentes e jovens. Para eles o nascer é tão bom que afastam para bem longe a possibilidade de nascer de novo. Vivem como se o que estão vivendo e a forma como estão vivendo fosse eterno. Não gostam de cerimônia de nascer de novo, por isso Deus nos livre de velório, de cemitério e, até, de velho. Que beleza viver como se não houvesse amanhã... Enchem o mundo de sorriso e de festa porque é fantástico ter nascido. Quando um deles inventa de nascer de novo, eles ficam tristes porque não compreendem que o nascer possa ter fim. E choram... Mas choram – com muita razão - sem muita convicção. Quando olho para a juventude fico querendo me enganar porque é o diabo escondendo a bonita possibilidade do nascer de novo. Com muita verdade os jovens se enfeitam porque nascer é bom, mas correm o perigo de não se lembrar que a utopia que mora neles está apontando para o horizonte do nascer de novo. Por que seria necessário aproveitar a juventude? É que o nascer de novo – no pensamento deles – o nascer de novo não pode ser mais bonito que o nascer. É uma das lindas ilusões que Deus colocou no coração da vida: amar tão intensamente que o nascer de novo pareça não ser necessário. É o que chamamos de tesão pela vida.

O adulto já fica mais desconfiado porque, com muita resistência, começa a perceber que isso mais aquilo, aqui e acolá, tudo está ficando mais velho. Não se convence, contudo, que o horizonte esteja gritando que é preciso nascer sempre, de novo. E o adulto se amarra a si mesmo e às coisas. Fica um conservador. Não gosta mais do imprevisto e da novidade. Até começa a olhar os mais jovens com um disfarçado ciúme e começa a dizer que “sou jovem de espírito”... Puro engano! Pura inconsciência que somos feitos para sempre nascer de novo. E tratam de acumular coisas e convicções porque há um perigo rodeando a querência da vida. O corpo, sim, o corpo não pode ser abandonado à degenerescência. Quando alguém nasce de novo, o adulto já chora com mais convicção. O mistério do nascer de novo, isto é, o horizonte do nascer de novo, parece que se vai aproximando. Ele parece ver que o horizonte não se afasta mais. E isso o angustia, incomoda e até começa a rezar mais. É o medo do nascer de novo...

Fico, então, a contemplar o/a idoso/a. O/A idoso/a é alguém que quase pisa no horizonte. O/A idoso/a gosta de olhar para trás não porque o nascer foi feio, mas porque o nascer foi bonito. Resiste um pouco para olhar o horizonte porque ele está tão perto que ficou misterioso. É que no nascer de novo você tem que largar a placenta que o envolve e os olhos ficam cheios de nuvens. Aprender a nascer de novo é decifrar o mistério das nuvens. Parece, até, que o horizonte está entrando dentro dele... E ele fica desconfiado com esse novo inquilino. Alegra-se muito quando começa a achar que entende de ressurreição. Só bem devagarzinho vai descobrindo que ao nascer de novo não se pode racionalizar; o nascer de novo a gente vive. Dor aqui, dor acolá, dúvidas do tamanho de montanha e certezas da profundidade do mar. Uma mistura. O nascer de novo é uma mistura.

São algumas coisas que me dizem meus novos 72 anos. O mais bonito, no entanto, é que fui levado a pensar nestas coisas no Dia das Mães. Fiquei pensando, até, que o Dia das Mães poderia ser o padroeiro do nascer de novo porque a Mãe é o lugar onde o nascer começa e onde o nascer de novo fica no horizonte mais escondido. Por isso a beleza e o mistério do Dia das Mães. A mãe é o lugar onde começamos a perceber que existe horizonte e que o horizonte é coisa que não termina. Deus poderia ter-nos dito que no céu também tem horizontes, mas isso ele deixou para as nossas eternas descobertas.

10 de maio de 2009
Dia das Mães