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sexta-feira, 12 de março de 2010

PROTAGONISMO JUVENIL

Uma questão central
Hilário Dick
Lendo a história no viés juvenil e no viés da construção do protagonismo juvenil através do tempo, vamos encontrar coisas fantásticas no mundo hebreu (José do Egito), no mundo grego (Antígone), no mundo romano (Ministério da Juventude), nos primeiros séculos do cristianismo (jovens dando a vida pela “castidade”), no mundo da Idade Média (Francisco de Assis e Joana d´Arc), nos séculos XVI e XVII (pícaros), na revolução industrial (com a necessidade de inventarem a moratória social), nos tempos dos totalitarismos (nazismo, fascismo e tempo da psicologia dos adolescentes nos Estados Unidos), na revolução de maio de 1968 e na revolução européia de 2005. Entra em jogo, contudo, o paradigma que assumirmos para a leitura da realidade dos jovens, tanto como pais ou mães, como professores, agentes sociais, professores de universidade, atividades políticas etc.

Um dos princípios norteadores de quem deseja construir-se e de quem trabalha com jovens e que vai caracterizar nossa relação com o mundo juvenil é a postura que tivermos frente ao que entendemos e vivenciamos como protagonismo vivido como processo. Ser professor/a, ser educador/a é essencialmente um processo de relacionamento. Quando falamos de “protagonismo” falamos de um processo pedagógico no qual acreditamos (ou não), que incentivamos (ou não) e que pomos em prática (ou não), isto é um processo que decide nosso modo de ser. Este princípio vale para jovens e adultos e precisa ser vivido pelas duas “gerações”. É a raiz mais profunda do que se deveria entender quando falamos de “conflito de gerações”. Este “protagonismo”, isto é, este “processo pedagógico” pode ser mal interpretado, pode ser rejeitado ou pode ser posto em prática. No mundo educacional e eclesial é uma das realidades de fundo que decide a educação e a formação que se deseja cultivar. Quando falamos de “protagonismo juvenil” estamos falando de um processo pedagógico a ser vivido pela juventude e junto com a juventude; se falamos de “protagonismo dos leigos” estamos falando de um processo pedagógico-teológico a ser vivido pelas pessoas que se assumem como “leigos” etc. e de uma igreja que precisa posicionar-se ante “fiéis” que buscam a sua maturidade.

Se falamos de “protagonismo” ou, então, “protagonismo juvenil”, queremos referir-nos a dois aspectos importantes para o jovem: tanto a construção de sua identidade como a sua (a do jovem) inserção na sociedade como sujeito da história. Estudar ou, então, fomentar, por isso, o protagonismo significa, primeiramente, tratar da identidade em seus diferentes níveis (pessoal, grupal, institucional); significa falar, em segundo lugar, em inserção na história (fazendo do protagonista alguém que sabe intervir na marcha da história); significa falar em engajamento concreto, isto é, da identidade que vai inserir-se nalgum espaço definido para intervir nele. Estamos falando, fundamentalmente, de exercício de poder.

Alguém vai-se tornando protagonista quando vai construindo sua identidade, isto é, as diferentes dimensões que resultam no que podemos chamar de “personalidade integral”, construindo-se e fazendo construir a dimensão personalizante, a dimensão socializante, a dimensão teológico-teologal, a dimensão vocacional, a dimensão política e a dimensão de agente social tecnicamente preparado.

Uma entidade ou instituição vai-se tornando protagonista quando favorece a criação de personalidades cultivadas em todas as suas dimensões, como sujeito de sua caminhada e não se aceitando como mero objeto das decisões dos outros. Entra em questão, nesse caso, o exercício de poder porque tudo na vida se realiza na dimensão das relações. O poder é a vivência concreta de como encaramos as relações das pessoas e das instituições. Não podemos viver sem essas relações. Um adulto não pode viver sem relacionar-se com o jovem; o jovem não pode viver sem relacionar-se com o adulto. Uma relação sadia é a do respeito sadio do protagonismo de cada qual. Assim como o filho, o pai vive sua vocação de protagonista: protagonismo de filho e protagonismo de pai... O mesmo podemos dizer do relacionamento professor e aluno. Não se trata só de “ensinar”; trata-se de “aprender” junto.

Quando falamos de protagonismo juvenil, portanto, estamos falando do exercício de um processo pedagógico que leva o jovem a assumir a sua identidade e a inserir-se na história social como sujeito e não mero cumpridor de ordens de outros. É o segundo elemento importante com relação ao “protagonismo”. Precisamos ter presente, no entanto, que não somos sujeitos da história de forma genérica; somos sujeitos em lutas concretas e em espaços onde somos “autoridade”, isto é sujeitos de transformação, professor e aluno, fiel e clero, pai e filho/a, cidadão coletivo ou individualista. Ninguém pode ser sujeito de transformação em espaços indefinidos. Por isso, para o protagonismo não tornar sendo mera teoria, a importância,por exemplo, da “inserção nos organismos intermediários da sociedade civil” (organismos de organização do mundo estudantil, do mundo operário, do mundo universitário, do mundo rural, do mundo eclesial ou comunitário). Falamos, então, na inserção no movimento estudantil (com suas traduções), no movimento operário (com suas traduções), no movimento universitário (com suas traduções), no movimento rural (com suas traduções), no movimento sindical e no movimento eclesial (com suas traduções).

É na inserção dentro desses diferentes espaços onde se esconde a riqueza da “protagonismo” vivido como processo pedagógico porque o “protagonismo” só deixa de ser idéia quando houver compromisso com alguma organização. Fora dessa inserção não tem sentido debater “protagonismo” ou “empoderamento juvenil”.

A transformação da sociedade e a construção da personalidade não acontecem de outra forma. Afirmar o “protagonismo” juvenil significa carregar no bojo de nossa proposta a necessidade do compromisso com realidades concretas. Realidades que possibilitem a vivência do “protagonismo” como um processo educativo de afirmação das personalidades movendo-se em espaços diferenciados. Estamos afirmando, com isso, que toda a educação de jovens, se quiser colaborar na construção de personalidades que queiram ser sujeitos da história deve ter um compromisso muito definido com um espaço social que possibilite a vivência do processo pedagógico que batizamos de “protagonismo juvenil”.

quinta-feira, 11 de março de 2010

O lugar dos Jovens na história brasileira

Augusto Caccia-Bava
Dora Isabel Paiva da Costa

Introdução

O Brasil é um país cuja história foi escrita de fora, ao longo de séculos. Por quatrocentos anos foi interpretado aos olhos da Europa; no século XX, por meio de parâmetros teóricos europeus e outros originários dos Estados Unidos da América. Só nos momentos de rebeldia é possível notar-se a presença de uma intelectualidade jovem que buscava narrar a vida dos povos que constituíram a sociedade brasileira de um ponto de vista, não oficial, não convencional. Nesta ótica de contestação, o País pode ser conhecido como um território fértil de riquezas indescritíveis, de pontecialidades libertadoras que levaram os jovens à decisão de projetar um futuro libertário para as etnias negras, para as classes libertadoras, para as artes, para a vida estudantil, para as práticas religiosas, para a democracia.
É com base nas referencias históricas regionais que os jovens puderam ser identificados como protagonistas de distintos movimentos, permitindo que fossem reconhecidos como grupos singulares, no interior da sociedade brasileira. O estudo das experiências dos jovens abolicionistas brasileiros permite-nos identificar as primeiras manifestações do protagonismo que avançaram duas décadas do século XX, até se objetivarem em três grandes movimentos de expressão da consciência política jovem, na década de 1920. O primeiro, conhecido como o Movimento da Semana de Arte Moderna, uma experiência estética, das mais significativas. O segundo, como Movimento Tenentista. O terceiro, conhecido como movimento político-partidário do qual resultou a formação do Partido Comunista.
Os jovens se apresentaram à sociedade brasileira como grupos solidários a movimentos classistas, como protagonistas de projetos unificadores da nacionalidade até o final dos anos 60. Em distintos momentos da história, os grupos e movimentos juvenis tornaram-se referência de práticas de resistência. Resistiram ao escravismos, ao poder oligárquico, à aristocracia militar, ao processo de expropriação de trabalhadores, às agressões à humanidade presentes entre os deserdados, ao elitismo das políticas educacionais e à perda de princípios ético-politicos da ordem democrática constitucional.
No processo de resistência, os jovens puseram em movimento seu imaginário e construíram uma linguagem que representou a sua identidade. Essas referências permitem-nos afirmar a possibilidade de uma reflexão otimista e prospectiva da historia da juventude brasileira, no século XX, uma vez que os jovens se revelaram, a toda a sociedade brasileira, como grupo ou movimento, capaz de protagonizar processos de formação cultural e política, alternativos para as novas gerações.

1. Jovens abolicionistas abrem as portas do século XX

A sociedade brasileira passou por intensos debates políticos durante a segunda metade do século dezenove. O núcleo liberal dos grupos políticos propunha colocar a sociedade nos novos patamares da modernização política e institucional, seguindo os passos de alguns movimentos políticos da Europa Ocidental. Destacam-se, nisso, os jovens abolicionistas que protagonizaram as ações mais extremistas.
A população escrava constituía a grande maioria da força de trabalho usada nas plantações açucareiras e cafeeiras que destinavam seu produto as mercado europeu, constituindo a principal fonte de renda do Estado Imperial e das classes que o apoiavam. Grupos e facções das camadas dominantes, cujos interesses eram por vezes conflitantes, levaram alguns pensadores a entender que o protagonismo abolicionista foi um assunto eminente de brancos (IANNI,1978). Outros pensadores argumentaram que esse assunto seria algo independente e autônomo de negros rebeldes, que teria contribuído com o desmoronamento da instituição escravista (MOURA,1981).
O debate aglutinou dois pólos de ação política: a juventude de linha moderada, chamada emancipacionista, e a juventude de linha mais radical, chamada abolicionista, denunciavam a propriedade escrava como roubo e só aceitava a abolição total e imediata. Essas duas linhas de atuação foram conduzidas por inúmeros jovens brilhantes que se destacaram no movimento: Joaquim Nabuco, Luís Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, Antonio Bento de Souza e Castro, Hipólito José da Costa, José Bonifácio, padre Feijó e tantos outros. Destacou-se, também, por sua atuação radical com táticas extremistas muitas vezes denunciadas nos jornais conservadores da época, uma organização clandestina de agitadores denominada caifazes.

2. Jovens intelectuais no alvorecer do século XX

Os jovens brasileiros que desencadearam movimentos culturais e políticos no século XX necessitaram de duas décadas para se apresentarem à sociedade. Um dos que mais se destacou na produção de uma política cultural brasileira foi Astrogildo Pereira, que se tornou referência nacional e internacional pelo papel que desempenhou na formação do Partido Comunista Brasileiro. Dois outros jovens que produziram outro movimento cultural fantástico foram: Mário de Andrade e Oswald de Andrade, protagonistas da Semana de Arte Moderna. Um terceiro jovem intelectual que protagonizou um movimento político e doutrinário, próximo ao fascismo europeu, foi Plínio Salgado. Sob sua liderança o país assistiu à emergência do movimento juvenil dos Camisas Verdes, que surgiu nos anos de 1930, e que esteve em cena até o final da segunda Guerra Mundial.

3. Os Jovens da Semana de Arte Moderna de 1922

Paralelamente ao processo de lutas anarcossindicalistas que evoluiria para a formação do Partido Comunista do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, através da militância de Astrojildo Pereira, erguia-se um movimento de jovens literatos, artistas plásticos e músicos em defesa da contemporaneidade estética, do qual emergiria um significativo grupo de intelectuais, jovens e adultos, no estado de São Paulo.
È assim que uma jovem mulher, de nome Anita Malfati, despontou nas artes plásticas brasileiras, no ano de 1917. Com 23 anos, nascida em São Paulo, realiza sua primeira exposição. Muitos foram os jovens presentes na Semana de Arte Moderna, segundo Mário de Andrade que, com 29 anos, esteve presente e apresenta os que estavam lá. São eles: Guilherme de Almeida, “aristocrata maravilhoso, admirador de Oscar Wilde”; Menotti Del Picchia, “poeta como os que mais sejam”, participando da Semana nos seus 30 anos de idade; Oswaldo de Andrade, “quebra-louça”; Luis Aranha, que “leu e relê todos os clássicos da língua”. “Varou no original os grandes poetas ingleses”, como dizia Mário de Andrade. Sergio Milliet, “outro aristocrata, educado na Suíça”. Anita Mafalti, “Pintora. Estudou na Alemanha e nos Estados Unidos”. Victor Brecheret, “em Roma, filiou-se a Mestrovic (escultor croata, fundador da academia de Zagreb, viveu entre 1883 e 1962) para aperfeiçoar-se escolheu Paris”; DI Cavalcanti, “arlequim menino de roupa multicolor”; Vila Lobos, que vem do Rio (Rio de Janeiro, então capital do Brasil), seguiu Debussy.
Para os jovens intelectuais, artistas rebeldes da Semana de Arte Moderna de 22, havia ainda que se conceituar arte e movimentos, para construírem marcos históricos das transformações futuras, que ocorreram ao longo da produção literária e pictórica de suas obras de juventude e maturidade.

4. Os jovens do movimento tenentista de 1922 e seu programa
revolucionário

No interior do exército brasileiro surgiria um movimento de jovens oficiais que propugnavam por uma forma de ação política contrária aos padrões republicanos e oligárquicos dominantes até a década de trinta, do século passado. Assim caracteriza o historiador e general Nelson Werneck Sodré este movimento: “ a essência do movimento constituiu no seu papel ligado ao processo de ascensão da burguesia brasileira, em luta contra o absoluto domínio exercido pela classe latifundiária... grupos cada vez mais numerosos de jovens oficiais empreenderam sucessivas tentativas para quebrar, com a rebelião militar, a situação dominante”. E esse movimento político ganha corpo até o ano de 1929, quando se une a outras forças para a derrubada do governo federal oligárquico.
Um jovem escritor que esbarra no movimento da Semana de Arte Moderna, refletia sobre o movimento tenentista. Tratava-se de Plínio Salgado, futuro dirigente de movimento jovem de caráter nacionalista, antiamericanista, na década de 1930.
Quando historiadores apresentam os protagonistas do Movimento Tenentista de 1922, iniciam por um de seus integrantes que se destacou na política brasileira por mais de meio século. Seu nome é Luis Carlos Prestes, jovem militar de 24 anos de idade, no ano de 1922. Outro jovem era o Dinarco Reis, hoje conhecido como o Tenente Vermelho. Um terceiro jovem tenente foi Siqueira Campos, cujo perfil intelectual era invejado. Entre outros tenentes se destacaram: Miguel Costa ,Juarez Távora, Hercolino Cascardo e Trifino Correa, natural do Rio Grande do Sul.

5. A reação juvenil dos anos 1920 a 1950

Os movimentos de rebeldia juvenil da década de vinte do século XX, deixaram seus marcos na cultura, na estética e na política brasileira. Alguns deles formaram o movimento integralista, cujo maior líder foi Plínio Salgado. Os principais militantes que deram corpo ao movimento integralista brasileiro foram Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale. Plínio Salgado sistematizou a teoria do Estado Integral, e criou os uniformes, símbolos, costumes, hábitos e rituais dos participantes do movimento integralista, e criou a Ação Integralista Brasileira em 7 de outubro de 1932, com o lançamento do Manifesto de Outubro de 1932.
O líder integralista seria mais tarde candidato à presidência da República em 1955 e, não eleito, foi deputado federal, por São Paulo, em 1964,1969,1970 e 1974. Morreu em 1975. Para sintetizar, o jovem integralista defendia a existência de um Estado forte, como o caráter que deveria assumir o Estado Integral, proposto pelo movimento integralista. O movimento da juventude integralista não parou, como ocorreu com o movimento de jovens da Semana de arte Moderna e o movimento juvenil comunista, liderado por Astrojildo Pereira e posteriormente por Luìs Carlos Prestes. Atualizado em página na internet, afirma ainda estar voltado a “convencer o jovem com uma forte propaganda que a nossa cultura tem valor sendo importante defender o Brasil. (Defender o que realmente somos, por exemplo: Não podemos defender o nazismo, por que não somos alemães arianos)”.

6. Os jovens, a União Nacional dos Estudantes - UNE e as campanhas
nacionais, desde 1937

No dia 11 de agosto de 1937, na Casa do Estudante do Brasil no Rio de Janeiro, o então Conselho Nacional de Estudantes conseguiu consolidar o que já havia sido tentado diversas vezes sem sucesso: a unificação dos estudantes na criação de uma entidade máxima e legítima. Desde então, a UNE começou a se organizar em congressos anuais e a buscar articulação com outras forças progressistas da sociedade.
Com o fim da ditadura getulista, a UNE assume bandeiras diretamente relacionadas com as questões nacionais, como a campanha pela criação da empresa estatal de exploração do Petróleo. a Petrobras. Com essa iniciativa, entre outras, tornou-se a primeira organização juvenil brasileira que imprimiu dimensão nacional aos seus movimentos de resistência e luta. A entidade era marcadamente nacionalista até os anos 60, quando, sobre impacto da revolução cubana, assume bandeiras antiamericanistas. O Jovem Aldo Arantes fora presidente da UNE entre agosto de 1961 e julho de 1962. O ex-lider estudantil destacou momentos significativos da década de 196, da crise da uiniversidades brasileira, da necessidade de transformação estrutural da própria sociedade.
A partir do golpe de 1964, tem início o regime militar e a história da UNE se confunde ainda de forma mais dramática com a do Brasil. A ditadura perseguiu, prendeu, torturou e executou centenas de brasileiros, muitos deles estudantes. A sede da UNE, na praia do Flamengo, foi invadida, saqueada e queimada no dia 1º de Abril. O regime militar retirou a representatividade da UNE por meio da Lei Suplicy de Lacerda e a entidade passou a atuar na ilegalidade. As universidades eram vigiadas, os intelectuais e artistas reprimidos, o Brasil escurecia.

7. A Juventude Universitária Católica sua militância na AP

A Igreja Católica esteve presente na vida política brasileira. Podemos dizer, quase com exclusividade, até a década de sessenta do século XX. Após uma guinada à esquerda, em decorrência da atuação do Papa João XXIII, no ano de 1958, a juventude católica viveu um processo de absorção dos dogmas do Vaticano, que fundamentariam reflexões em torno das questões sociais, dos pobres, dos miseráveis, dos excluídos. Assim, seus integrantes passam a debater as questões relativas ao processo político brasileiro, associadas a fenômenos internacionais com a Revolução Cubana, vitoriosa em 1959. E, como todo o movimento popular e de massas no Brasil, a JUC se estrutura regionalmente em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e no estado da Bahia. Os jovens de esquerda que mais viriam a se destacar foram: Hebert José de Souza – Betinho_, Vinicius Caldeira Brand, Henrique Novais e Wilmar Faria. Os narradores desse tempo consideraram que, “em 1960, a JUC já era a força mais atuante do movimento universitário baiano”.
A AP surgiu dos quadros da Juventude Universitária Católica (JUC) em 1963. Após o golpe de 64, parte de seus membros defenderam a aproximação com o PC do B, Partido Comunista do Brasil, num processo de fusão que só se completaria em 1973 (CAMPOS FILHO, 1997). A aproximação entre as duas organizações era muito forte, com base na atuação do movimento estudantil, consolidando-se com a adoção de uma linha revolucionária semelhante: a defesa das concepções maoístas e, sobretudo, dos princípios leninistas acerca da revolução e da forma de organização partidária.
"O programa básico da AP afirmava a existência de uma nova época histórica, a época em que o imperialismo caminha para a ruína completa e o socialismo avança para a vitória em escala mundial. O maoísmo, ou o pensamento de Mao Tsé-Tung, afirmava, é a terceira etapa do marxismo, o marxismo-leninismo de nossa época, o marxismo levado a uma etapa completamente nova."6
Com o AI-5, instaurado em 13 de dezembro de 1968, alguns dirigentes da AP passaram a defender idéias mais radicais e o caminho da luta armada (que originalmente era pensada apenas no campo) tornava-se cada vez mais próximo. A partir de 1971 passam a defender a união de todas as correntes marxistas-leninistas (1999, MIRANDA). Como a fusão com o PC do B não era consenso dentro da Ação Popular, o grupo dissidente passou a denominar-se AP-ML Ação Popular Marxista Leninista.7 (fonte: http://destaquein.sacrahome.net/node/54 acesso em 04 de janeiro ás 23:07h ).

8. A reconstrução do protagonismo juvenil

A década de 1980 caracterizou-se como a afirmação da personalidade pastoral, transformando o que era Pastoral de Juventude em Pastoral da Juventude.
A Pastoral da Juventude é herdeira de uma história que vem sendo construída em nosso país desde 1930 com a chamada Ação Católica. Por volta de 1930, o Papa Pio XI, preocupado com a missão da Igreja diante dos desafios e das grandes mudanças na realidade mundial (processo de urbanização e industrialização), estimulou a chamada Ação Católica que era o espaço de participação dos leigos católicos no apostolado hierárquico da Igreja, para o difusão e a atuação dos princípios católicos na vida pessoal, familiar e social.
O IV Encontro Nacional da Pastoral da Juventude realizou-se em Brasília, em novembro de 1983, caracterizando-se como um marcou histórico, pois lá “ começava, na própria pratica do Encontro, o protagonismos dos Jovens” (DICK,1999,P.48). Três prioridades foram votadas em assembléia: fortalecimento por classe social da Pastoral da Juventude; a ênfase na formação integral e a metodologia; e o empenho nas atividades de articulação, organização e coordenação. Elegeu-se também a primeira Comissão Nacional da Pastoral da Juventude.
No V encontro, realizado em Goiânia, em dezembro de 1984, um documento intitulado “Aspecto da Pastoral da Juventude no Brasil” destacava-se o tema da militância fora e dento da igreja. No VI encontro Nacional, de 1985, o tema foi o processo de iniciação e a militância na Pastoral da Juventude a criação de Caderno de Estudos. No Ano Internacional da Juventude (1985), criou-se o Dia Nacional da Juventude (DNJ). Desde então, o DNJ é celebrado todos os anos, reunindo milhares de jovens em todo o país.Estes eventos mostraram indícios de que a consciência social e política da juventude organizada estava aflorando e solidificando cada vez mais no interior da Igreja.
Em 1989, a coordenação nacional da Pastoral da Juventude do Brasil, decidiu criar uma Secretaria Nacional, com um (a) jovem eleito em Assembléia. Organiza, também, o jornal "Juventude" destinado aos grupos de jovens. A grande força da Pastoral da Juventude se dá no Brasil em 1992, marcada pelo tema da Campanha da Fraternidade com o tema: Fraternidade e Juventude, e com o Lema: Juventude Caminho Aberto. Momento critico que ameaçava a autonomia das pastorais juvenis.
No ano de 1993, é realizada a 10° assembléia Nacional da PJ, e foram aprovados cinco importantes moções de apoio aos movimentos populares do Brasil. Primeiro: Solidariedades aos professores da rede estadual de ensinos em greve havia 80 dias; segundo representava adesão à campanha nacional de ação e cidadania contra fome e a miséria, pela vida; a terceira diirigida ao presidente da Republica, pela ética nas policias civis e militar; a quarta em apoio à demarcação das terras dos povos indígenas do Brasil; e a ultima, ao presidente da CNBB, em razão das expulsões de coordenadores e de jovens.
Outro aspecto que merece destaque é a atuação dos setores progressistas da Igreja em momentos de refluxo dos movimentos sociais. Tais setores foram capazes de realizar uma releitura da sua teologia e doutrina e buscaram articular fé com política. Desse modo, ao se falar em protagonismo juvenil católico, é necessário também em falar do protagonismo dos setores mais avançados da Igreja.
Aqui um destaque para o jovem católico chamado José Serra, com 21 anos de idade. Assumiria a Presidência da UNE em julho de 1963 e lá permanecerá até junho de 1964, tornado-se o primeiro líder estudantil a viver os preâmbulos da ditadura militar. Na época do XXVI congresso da UNE, no inicio da década de 1970, o Brasil possuía perto de quinhentas faculdades. Os jovens, por vezes, se apaixonam de tal forma no interior de movimento que constituem uma subjetividade própria, como a da visualização, sem muitas mediações históricas, das possibilidades de a UNE organizar movimentos internacionais. Outros líderes estudantis tiveram vida mais sofrida durante a ditadura. Podemos destacar Altino Dantas, que presidiu a UNE de 1965 a julho de 1966; José Luis Guedes, eleito em Julho de 1966 até julho de 1967, com 23 anos de idade. Entre eles, os que foram perseguidos e presos pela ditadura, se destacam: Luís Raul Machado, com 21 anos de idade; Dora Rodrigues de Carvalho, com 22 anos de idade, se torna a primeira mulher vice-presidente da UNE; José Genuíno Neto, estudante de filosofia da Faculdade do Ceará, ainda adolescente, partiria da roça para integrar à Juventude Agrária Católica (JAC), abraçando, depois, a Juventude Estudantil Católica (JEC) até que, em 1967 ingressa no Partido Comunista do Brasil, o PC do B.
Um dos presos, vítima de tortura, foi Jean Marc Von de Weid, nascido no Rio de Janeiro, e que, com 23 anos de idade, se tornaria presidente da UNE. Preso em setembro de 1969, foi banido do Brasil em 15 de janeiro de 1971, mas retorna ao Brasil no processo de anistia aos envolvidos em atividades políticas, em 1979, vinculando-se, no inicio dos anos de 1980, ao Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro.
José Dirceu, outro líder do movimento estudantil, foi presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, aos 20 anos de idade, uma das organizações mais atuantes do país. Ensaiou uma síntese do significado político da UNE, nesse período, trazendo uma primeira visão impressionista da juventude brasileira.

9. Os jovens movimentos negros dos jovens negros

O estudo dos movimentos negros juvenis é um dos trabalhos mais árduos, a partir de um ponto de vista metódico. Os grupos de jovens negros que poderíamos ter como referências encontram-se em toda a parte. As suas manifestações são vigorosas, enraizadas, porém locais. As manifestações dos jovens negros estão no ar, sob a forma de música, de dança, de poesia, de programas radiofônicos. Pelas suas manifestações dispersas, eles são referência imediata dos adolescentes e até das crianças que vivem à margem da cultura dominante, nas favelas, nas esquinas, nos bairros periféricos das cidades, nas escolas publicas dessas periferias, nas esquinas, nas praças, nos pontos de ônibus. E são referência, ainda maiores, quando se aglutinam em galerias de comércio manifestando-se através do hip-hop, da grafitagem e do rap..
Os jovens negros vinculados aos movimentos culturais por eles estruturados, sabem que as favelas, os morros das periferias das grandes capitais brasileiras, as praças, as esquinas, próximas as escolas, poderiam ser lugares de convivência pacifica, porque nesses espaços eles sabem que dançando, cantando, declamando poemas eles mantêm sua identidade negra e sua integridade frágil.
No final da década de 1980, o movimento hip-hop apresentou-se politicamente organizado formando “o Sindicato Negro”, que “teve inicio quando os integrantes do movimento resolveram se organizar politicamente”, com vistas a “discutir e apontar alternativas para a condição social do negro historicamente marginalizado pela sociedade”. Posteriormente, uma organização não-governamental de mulheres negras criou, em 1991, um projeto denominado Rapper Geledé, descentralizando as manifestações dos jovens adeptos do movimento.
Grafiteiros, rappers, jovens do hip-hop, os jovens negros que mais se organizam, o fazem a partir de projetos que lhes permitam expressar artística e culturalmente seus sentimentos, não sendo tão certo encontrá-los no movimento estudantil, nos grupos de jovens religiosos, atuando nas bases dos partidos políticos.

10. Os carapintadas

Aproximamo-nos, assim da última década do século XX, para encontrar movimentos juvenis que indicam a permanência de conteúdos políticos e culturais tanto do passado como do presente. Através da incorporação de aspectos da cultura e da política contemporânea, eles caracterizam as atuais práticas de contestação ou de campanha de massa, com presença da mídia.
Com relação ao nome dado aos jovens estudantes foi um movimento estudantil brasileiro realizado no decorrer do ano de 1992 tendo como objetivo principal o impedimento do Presidente do Brasil e sua retirada do posto. O movimento baseou-se nas denúncias de corrupção que pesaram contra o presidente e, ainda, em suas medidas econômicas, e contou com milhares de jovens em todo o país. O nome "carapintadas" referiu-se à principal forma de expressão, símbolo do movimento: as cores verde e amarelo pintadas no rosto.
Como os demais movimentos juvenis brasileiros os carapintadas também foram antecedidos por uma mobilização de forças políticas institucionalizadas, que lutavam pela defesa republicana. O congresso brasileiro formara uma Comissão Parlamentar de Inquérito, CPI, para apurar os conteúdos das denúncias do irmão do então presidente da Republica, Pedro Collor, que apontara o tesoureiro de campanha daquele presidente como agente formador de quadrilha, na constituição de fundos ilícitos para a sua campanha eleitoral. Paralelamente, no dia 11 de agosto de 1992, oficialmente Dia do Estudante, as entidades nacionais estudantis realizaram uma passeata na capital do estado de São Paulo, reivindicando o impeachment do presidente Fernando Color de Mello.
Os carapintadas podem ser considerados, assim, como os integrantes do último movimento ético político juvenil de massa, brasileiro, do século XX. Eles trouxeram a possibilidade de afirmação cultural da juventude estudantil através de expressões lúdicas, folclóricas, populares e carnavalescas.

Conclusão
A sociedade brasileira, cuja estrutura oligárquica de poder não permite aos grupos de origem popular e subalterna emergirem como interlocutores íntegros perante toda a sociedade, não possibilitou que se revelasse a força dos movimentos juvenis, na comunidade dos processos dos quais participaram. Neste contexto, de meados da década de 1960 em diante, até meados de 1980, os jovens integram movimentos voltados a restabelecer um ordem constitucional, que desaparecera do Pais por 21 anos de ditadura militar. O estudo das relações dos partidos políticos democráticos, suas organizações juvenis e os movimentos estudantis, dos jovens do MST e dos jovens que integraram o Fórum Social Mundial permitirá maio compreensão dos projetos políticos presentes, uma vez que as lideranças juvenis estudantis da década de sessenta encontram-se, no final do século XX, preparadas pras novas disputas, dentre elas até a Presidência da Republica, por parte de ex-dirigentes da UNE.
Nesta síntese sobre o lugar do jovem na historia brasileira podemos dizer que identificamos em vários momentos da história e das conjunturas políticas o protagonismo do jovem, manifestando-se nas conquistas políticas, através de suas organizações, de dimensão social. A mais significativa foi a UNE. Os jovens integrantes de todos os movimentos culturais e políticos democráticos incorporaram como princípio fundamental de suas práticas, a definição de democracia cultural, que Astrojildo Pereira expusera, pela primeira vez em 1944. Ela deve realizar-se através da liquidação do analfabetismo, da implantação da instrução gratuita, até o nível superior universitária em todo o País.

Síntese de Silon José Ferreira.
Veja CACCIA-BAVA,Augusto, PAMPÒLS,Carles Feixa, GONZÁLES CANGAS, Yanko (org.) Jovens na América Latina. São Paulo: Escrituras Editora, 2004.P. 63-114.

Moratória vital...

Ela nos acompanha em quase tudo

Hilário Dick
Mario Margulis, um dos coordenadores de “La juventud es más que una palabra” começa a introdução do livro dizendo que “a temática vinculada com a juventude tem sido sempre complexa e inquietante”. Embora possa ser mais do que verdadeiro, não deixa de irritar por que, afinal, qual a razão dessa dita complexidade? O jovem é surpreendente e, por isso, é complexo? Não deixa de ser verdade que a juventude é vanguarda, portadora de transformações (conhecidas ou imperceptíveis) nos códigos da cultura (sensibilidade, sistema perceptivo, visão das coisas, atitudes frente ao mundo, sentidos estéticos, concepção de tempo, valores, velocidades e ritmos) e incorpora com naturalidade as mudanças cada vez mais rápidas. Isso é inquietude ou complexidade? Qual é o problema em distinguir “adolescente” (12 a 17 anos UNICEF) e “jovens” (l5 a 30 anos)? São os jovens, em geral, os encarregados para tornar evidente a novidade da vida para gerações anteriores. Isso incomoda?

É no plano da “cultura” (mais do que da política e da economia) que se evidenciam as novas modalidades que a juventude vai assumindo perante a sociedade. Diz Margulis, com razão , que “vivemos num mundo em que caducam as antigas garantias no plano do trabalho e na reprodução da vida, que se apoiavam nos saberes, experiência, qualificação e direitos sociais” e aparecem questões que põe tudo em xeque. É isso que complexifica? Os jovens não acreditam mais nas formas em que a “política”, tradicionalmente, propunha oportunidades de participação e transformação. O fato de ser um “desafio”, será que isso toca na conceitualização mais decidida de juventude?

Contudo, somos levados a perguntar-nos mais do que uma vez: afinal, quem é esse jovem ou essa “juventude”? Uma construção histórica e social e não mera condição de idade? Significa algo, enfim, dizer que pode haver vários modos de “experimentar” a juventude? Olhar a “juventude” numa perspectiva cronológica ou biológica, é uma maneira. Contudo, ela, a juventude, não depende só da idade, da classe ou de uma geração. Pode ser é vista, até, como um “sinal” (signo) condicionando uma quantidade de atividades produtivas, ligadas com o corpo e a imagem, comercializando a “juvenilização”. A juventude é mais do que uma palavra... Ela vai-se tornando, igualmente um produto que se vende.

Encarar a juventude na perspectiva cultural, antropológica ou sociológica poderia ser “outra” saída. Fica claro, contudo, que ela é mais do que isso. E se tentássemos ver a juventude como um segmento que se manifesta na história? Não encontraríamos por aí elementos capazes de iluminar o conceito “juventude”? Parece que estamos frente a uma novidade inexplorada. Além do mais, os bispos do Brasil, num belo documento sobre “evangelização da juventude” falam dela como de uma “realidade teológica”. Por detrás disso não poderiam esconder-se revelações que nos façam compreender o que seria, por exemplo, “cultura juvenil”?

Reafirmamos, apesar de tudo, que a idade – com todas as restrições e todos os cuidados que isso exige – aparece, em todas as sociedades, como um dos eixos ordenadores da atividade social. Poder-se-ia dizer que a idade é um “parâmetro” concreto e que precisamos de parâmetros para estudar os fenômenos sociais, também a realidade juvenil. A categoria “juventude” é significativa, seu uso conduz a um marco de sentidos, mas o conceito “juventude” parece localizar-nos – de repente - num marco que – quando menos esperamos – se torna ambíguo, amplo e impreciso com todos e todas querendo ser “jovens”. As coisas pioram quando esta “juventude” se torna, além de tudo, um produto, um valor simbólico associado a características apreciadas, especialmente no campo da estética. A “juventude” tornou-se, de repente, “um modo de ser”...

A situação torna-se, novamente, nebulosa, quando se acrescenta que a “juventude” depende de uma “moratória”, isto é, de um espaço de possibilidades aberto a certos setores sociais e limitado a determinados períodos históricos. Postergam-se exigências (trabalho, estudo, família...) e a sociedade permite que essa “categoria” goze de “certo” período durante o qual ela (a sociedade) lhe brinda uma especial “tolerância”. Essa tolerância é tal que a juventude corre o risco de ser somente um sinal. Uma “estética da vida cotidiana”... Desmaterializa-se o conceito “juventude”. Corre-se o risco de esquecer que a juventude, além de possuir uma dimensão simbólica, também tem que ser analisada desde outras dimensões (aspectos fáticos, materiais, históricos e políticos...) nas quais se desenvolve toda produção social. A juventude-sinal transforma-se em mercadoria (se compra e se vende) e intervém no mercado do desejo como veículo de distinção e de legitimidade. Esta moratória, contudo, seria de uma minoria, não entrando em seu recinto os setores populares.

A juventude é, sim, uma condição constituída pela cultura, mas tem uma base material vinculada com a idade. A condição etária não alude somente a fenômenos de origem biológica (saúde, energia...). Também se refere a fenômenos culturais, antropológicos, sociológicos, históricos etc. Da “idade”, como categoria estatística ou vinculada com a biologia, passamos à idade processada pela história e pela cultura: o tema das gerações. Pode-se dizer que cada “geração” tem ou pode ser considerada como uma “cultura”. Ser de uma “geração” diferente significa ser diferente nas memórias e nas experiências. Percebe-se, de modo diferenciado, por exemplo, a morte, a velhice e a doença. Além de tudo, o papel social e familiar do jovem é ratificado cotidianamente pelo olhar dos outros. Surge, por isso, uma realidade que não pode ser esquecida e que é conhecida como moratória “vital”, complementar à moratória “social”.

Pode-se pensar a juventude – segundo essa nova leitura - como um período da vida em que se está de posse de um excedente temporal, de um crédito, de um “plus” como se tratasse de algo que está de “reserva”, algo que se tem a mais e do qual se pode dispor; um “algo” que nos menos jovens é mais reduzido, se vai gastando e vai terminando irreversivelmente, apesar de todos os esforços para evitá-lo. Essa “moratória vital” é crescente, na pessoa, até a idade dos 30 anos; depois ela, irreversivelmente, vai decrescendo. Dir-se-ia que a juventude tem um espectro de opções que vai, aos poucos, diminuindo... Este “plus”, típico do jovem, é que se chama de “moratória vital”. Em conseqüência, a definição de juventude incorpora também esta faceta “dura”, vinculada com o aspecto energético do corpo, com sua cronologia. Mas é algo mais do que pura biologia. Se tomarmos o corpo como suscetível de ser tratado como uma função-signo, a juventude, seria a dimensão funcional e a cronologia o suporte concreto sobre o qual se articulariam os sinais e sua expressão social. A juventude, contudo, como função, estaria exposta a um desgaste diferencial na materialidade como tal do corpo segundo o gênero e o setor social, deixando de ser mera cronologia para entrar a jogar no plano da durabilidade, linear e mais complexa. A matéria da juventude é sua cronologia enquanto moratória vital, objetiva, pré-social e, até, pré-biológica.

Graças a este critério (ou a este conceito) pode-se distinguir – sem confundir – os jovens dos não-jovens (pela moratória vital) e os social e culturalmente juvenis dos não juvenis (pela moratória social). Tomando a noção de moratória vital como uma característica da juventude, pode-se falar de algo que não muda por classe social ou por cor etc., mas que depende do conjunto de suas forças disponíveis, de sua capacidade produtiva, de suas possibilidades de deslocamento e de sua resistência ao esforço. A juventude, enfim, como “plus” de energia e como moratória “vital”, e não só “social”, como um crédito temporal, é algo que depende da idade. Resultante disso é, também, o que se pode chamar de “memória social incorporada”, diferente em quem tem 20 ou 54 anos. Não é possível deshistorizar nem as estruturas sociais nem pessoais. Ela se vai constituindo no plano da temporalidade. A marca histórica da “época” é determinante, mesmo com suas expressões diferenciadas. A “geração” é uma estrutura transversal, de memória histórica e acumulada; ela não é só questão de “data de nascimento”.

Além disso, a juventude depende, igualmente, do “gênero” e do corpo processado pela sociedade e pela cultura. O “relógio biológico” da mulher, por exemplo, é diferente do “relógio biológico” homem. Ela (a mulher) tem um tempo vinculado com a sedução e a beleza, a maternidade, o sexo, os filhos e a energia, o desejo, a vocação e a paciência para te-los, criá-los e cuidar deles. Afirmamos com isso que a juventude não é somente um “sinal” nem somente “função” nem se reduz aos atributos “juvenis” de uma classe. As modalidades sociais do “ser jovem” dependem da idade, da geração, do crédito vital, da classe social, do marco institucional e do gênero. A juventude é uma condição que se articula, social e culturalmente, em função da idade (como crédito energético e “moratória vital”) ou como distância, frente à morte enquanto memória social incorporada, experiência de vida diferencial e como “moratória social” e período de retardamento, com o gênero, segundo as urgências temporais que pesam sobre o homem ou sobre a mulher e com a localização da família (marco institucional com o qual todas as outras variações se articulam). Tudo isso faz recuperar certa “materialidade” e “historicidade” no uso sociológico da categoria juventude.

O que é fundamental, nessa visão, é que se encontram, neste debate, duas “realidades” que atravessam toda a história da juventude, como tal, e da juventude dentro da realidade social como um todo. Por um lado, a consciência que foi aflorando, no caminhar da história do segmento juvenil, do que seja “moratória social”, principalmente com a Revolução Industrial do século XVIII. Esta “moratória social” é uma expressão dos “adultos” visando a educação dos jovens. Mesmo que tome aspectos jurídicos, normativos e, até, policialescos, é uma atitude pedagógica frente à realidade juvenil. A moratória social foi criada “para” o mundo juvenil, fruto do esforço dos “adultos” para transmitirem aos “jovens” os valores da “tradição”, com um discurso que diz que o mundo não está começando agora e que ele deve ter esta ou aquela dimensão. A “moratória social” é, ao mesmo tempo, um “dom” que se dá ao mundo juvenil, mas um “dom” condicionado. Ela é uma expressão da sociedade para a juventude. A “moratória vital”, por outro lado, é uma realidade que nasce de dentro de todo jovem, “independente” de condicionamentos externos (classe, gênero, cor...). A moratória vital é da “natureza” do jovem. Um dom que lhe foi dado por ninguém “de fora” e se mostra na maneira efervescente, explosiva, indefinida, “incontrolável”, mas “algo” a ser “construído”, “direcionado”.

Estas duas “realidades” não são de ontem nem de hoje. Elas existiram e conflitaram, de formas “infinitas”, em toda a história humana, em todas as culturas (mundo judaico, grego, romano, idade média, idade moderna etc.). Uma das provas é a antigüidade que há no conceito do que é ser criança, púbere, adolescente e adulto. Diríamos que é um conflito visceral que acompanha a humanidade: jovem x adulto do qual não há como escapar. Poderíamos exemplificar isso com os paradigmas que funcionaram e funcionam no “trabalho” junto à juventude. Tomemos dois casos “extremos”: por um lado, tudo que aconteceu no mundo totalitarista do tempo de Hitler, Mussolini e outros e, por outro lado, tudo que sucedeu no que todos conhecemos como “maio de 1968”. A convivência da “moratória social” e da “moratória vital” nunca foi pacífica. O conflito pode estar mais ou menos “mascarado” ou “sob aparente controle”, mas ele existiu e existe, também hoje. Uma forma onde isso aparece é na forma com que se encara, no “trabalho com a juventude” a questão do empoderamento (emancipação) ou do protagonismo juvenil. Não é uma “questão pequena”. Está-se frente a uma questão pedagógica que repercute em todo trabalho com a juventude nas igrejas, nas instâncias governamentais, nos partidos, associações, movimentos juvenis etc. Está em jogo, realmente, o que se quer da juventude e com a juventude. Ir ao encontro, de fato, com a “moratória vital” favorecendo e incentivando o caminho da autonomia ou, tomar uma posição de “controle”, fazendo os jovens sonharem, somente ou em grande parte, com os sonhos dos adultos, dificultando o surgimento da novidade que toda sociedade precisa, embora seja uma “espera” revestida de temor ao imprevisível é uma dualidade que é preciso enfrentar. O “novo” assusta em todos os campos; a emergência da novidade nunca foi nem nunca será tranqüila. Esta é a razão da necessidade de amadurecermos mais a dialética entre “moratória vital” e “moratória social.

JUVENTUDE, HISTÓRIA E AMÉRICA LATINA

Hilário Dick

Muitas coisas de juventude nunca vamos saber... No mundo e na América Latina. Não é exagerado dizer que a juventude, na história, é um assunto pouco explorado porque é um assunto que está, ainda, debaixo do tapete. As razões podem ser as mais variadas, com mais e menos preconceito, com mais e menos argumentação científica. Funcionam paradigmas; funcionam modos de olhar o segmento que chamamos “juventude”, diferente de “infância” e de “adolescência”; funcionam culturas; funcionam adultocentrismos históricos As razões de nossos esquecimentos ou de nossos escondimentos até são misteriosos. Por isso, apesar de tudo, dizer que, na história, a juventude é um grito silenciado, mas real, torna-se dia por dia uma convicção mais sedimentada. Ontem como hoje, não só na história “oficial”, a juventude - que tanto precisa dizer que está aí - é obrigada a viver na invisibilidade.

Se nos atrevermos a perguntar pelo que foram os jovens, na América Latina, certamente teríamos uma resposta semelhante à pergunta pelo motivo porque foram esquecidas, por exemplo, as mulheres na mesma América Latina. Por que essas perguntas teriam, ou não, sentido? Para quem trabalha com jovens, esta pergunta tem, ou não, razão de ser? O que pode significar para um jovem ou, então, para um pedagogo, um questionamento com esse teor? Se a consciência histórica é importante para a construção de uma personalidade, o que significa olhar a juventude acontecendo na história? O fato de a história ser adultocêntrica não deixaria de lado um aspecto que faz falta para ela ser mais objetiva? As decisões que influem na caminhada de um povo, de uma nação, de uma região, não teria nada a ver com a ausência das manifestações juvenis naquela época, naquele local, naquela cultura, naquela política, naquela economia? O que faz que algo seja “importante”, fonte de leitura e compreensão? Se acreditamos que, na construção da personalidade, o fenômeno do empoderamento juvenil é importante, o que teria isso a ver com uma leitura da juventude acontecendo na história? Por outro lado, isso seria somente uma preocupação pedagógica para agentes que trabalham com o segmento juvenil, no campo da educação?

Houve um tempo em que se ouvia, com freqüência, a frase de Che Guevara afirmando que um povo sem memória é um povo sem coluna vertebral. Além de isso ser verdade, é um fato que a Bíblia dos cristãos, por exemplo, é formada por livros onde a memória é fundamental. Todos reconhecem que ter consciência da caminhada feita faz parte da personalidade de alguém e sabemos que a consciência crítica descrita por Paulo Freire e outros pensadores tem muito a ver com a história, seja pessoal, seja social. Refletir sobre o vivido é parte integrante de qualquer pessoa e não só para chorar sobre o leite derramado. Como se relacionam o passado, o presente e o futuro? Para um jovem que vai assumindo ou é convidado a abraçar a vida que lhe pertence e que lhe toca construir, que sentido teria uma consciência histórica? A história de uma outra geração não teria nada a nos “ensinar” na geração que vivemos?

Enfim, são muitas as perguntas e não é por mera veleidade que nos atrevemos a iniciar um estudo sobre a juventude acontecendo na história de alguns países da América Latina. Após termos navegado por séculos , atrevemo-nos a navegar por geografias. Tudo tem seu limite, mas tudo pode ter seu sentido. As histórias se encontrariam? Haveria um “todo” que poderia valer para todos ou ficaríamos em pequenas mônades, tendo cada uma delas suas caminhadas, ficando em sua particularidade? O universo que pretendemos abranger, nesta primeira experiência, são nove países: Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Brasil, México e Guatemala. A escolha foi, de certa forma, aleatória, orientando-nos culturas que provocam especial curiosidade, como é o caso dos guaranis, dos incas, dos charruas, dos aimaras e dos astecas, “civilizações” que, na perspectiva juvenil, sempre despertam perguntas. A distância temporal e as próprias “culturas” das quais falamos, oferecem barreiras e somente um estudo bem mais detalhado poderia trazer respostas mais satisfatórias. Contudo, é preciso começar.

Civilidade e barbárie

Começaremos com algumas observações que poderiam servir de conclusão, mas ajudam a situar as reflexões que seguem. Luis Alexandre Cerveira, através da análise de um aspecto bem específico no relacionamento com o mundo indígena, especialmente no Sul da América do Sul , aponta para uma dimensão que é preciso ter em conta estudando a juventude em países como Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, por um lado, e Peru, Bolívia, Guatemala e México, de outro. O que fica evidente é que uns estão mais próximos daquilo que chamamos de cidade, isto é, da “civilidade”, e que os outros se movimentam, claramente, no campo, nas enormes planícies que abrangem Uruguai, Argentina, Paraguai e o Sul do Brasil, considerados como espaços daquilo que se apelida de “rudeza” e barbárie. Falando, por exemplo, de “paixão”, Cerveira diz que “a vivência das paixões, no campo, traz em si uma característica que a singulariza. O ambiente rural parece ter sido o espaço por excelência do viver sem amarras, de um viver espontâneo e sem grandes contenções, facilitado por uma ocupação humana esparsa e pelas longas distâncias dos centros urbanos” (189). Que repercussões teria isso junto à juventude nos dois espaços e no tratamento que a juventude receberia por parte dos adultos?

Parece que fica evidente que há duas situações que mereceriam ser aprofundadas, também na perspectiva histórica: os jovens mais próximos ou mais afastados da realidade “urbana”, “citadina” ou, então, mais próximos do “campo” ou, como diz Cerveira, da “barbárie”. Diz este autor, por isso, que “o antagonismo entre barbárie/campo e civilização/cidade não mais saiu da pauta daqueles que se propuseram a pensar a formação do estado, da sociedade e, por conseqüência, do agir destes grupos humanos” (189). Faz menção, logo em seguida, à clássica relação feita por Hobbes em sua obra “Leviatã”, em que o estado de “natureza” é uma situação de barbárie, na qual os homens estão sob o controle de suas paixões, sem nenhum limitador externo. Logo, “sua proposta de implantação de um Estado passa pela supressão das paixões através da mão forte do Leviatã” (189).

Pensamento semelhante é defendido pelo argentino Domingo Sarmiento em Facundo: civilização e barbárie (1939) e retomado por José Carlos Barran em Historia de la sensibilidad en el Uruguay” (1991). Para este “la historia de la sensibilidad en ese Uruguay del siglo XIX es la de la lenta desaparición del pathos e la también lenta aparición del freno de las ´pasiones interiores´” (191). O relacionamento do mundo espanhol com o mundo aborígine, encarnando orgulhosamente uma visão “civilizatória”, não deixaria de ter suas conseqüências. Também os jesuítas das reduções não escaparam disso e, por isso, o discurso deles da “reforma dos costumes”... Estava em jogo, portanto, uma questão radical de choque de civilizações e que não deixava de repercutir, de forma muito especial, no mundo juvenil.

Se podemos dizer que o/a jovem é o ser humano onde a paixão tem suas primeiras manifestações, a situação se torna mais complexa, ainda, quando temos que concordar com Cerveira dizendo que “a sensibilidade bárbara tem como característica a predominância de um comportamento pautado por excessos, um comportamento que, no geral, não se dobra às ordenanças clericais, estatais ou judiciais” (193). São enormes as conseqüências dessa situação, diferenciadas, se pensamos, por um lado, em mundos como o dos charruas e dos guaranis e, por outro, no mundo dos aimaras, dos incas, dos maias e dos astecas. Isso porque devemos considerar que “o excesso e o descontrole são características fundamentais da paixão, e que é possível afirmar que a sensibilidade bárbara predominante no campo é uma sensibilidade em que a paixão é a protagonista” (193). Teria isso algo a ver, por exemplo, com a forma com que os charruas e os mapuches lutaram contra o invasor espanhol? Por um lado temos o envolvimento do mundo dos “civilizados” e, por outro, o mundo dos “brutos”, como falavam os jesuítas, dando ao termo um significado muito especial. “A idéia que fica é que estas populações estariam em um estado de ´barbárie´, de selvageria, já que ´se retiran ellos a lugares apartados y a la espesa selva, como si fuesen fieras” (194).

O tempo da invasão

Essa é a primeira reflexão no início desse estudo sobre a realidade juvenil nos nove países que vamos encontrar. A segunda relaciona-se com o tempo da “invasão” espanhola. Tudo parece ter acontecido ao mesmo tempo... em extensões imensas. No Uruguai os espanhóis chegaram em 1516 com feroz resistência dos índios charruas; no Chile Pedro de Valdívia chegava em 1541, defrontando-se com os mapuches; no México, quando Cortés invadia aquelas terras, a capital dos astecas se chamava Tenochtitlan que rondava pelos 300 mil habitantes; no Paraguai Domingos Martinez de Irala se encontrava com os guaranis pelos anos de 1536; no Peru, Pizarro encontrou-se com os incas em 1531; na Bolívia chegava, em 1535, Diego de Almagro e 29 anos depois a cidade de Potosi já tinha 120 mil habitantes; e na Argentina (no mesmo ano que Uruguai), Juan Dias de Sólis, com oposição de culturas variadas, oficializava a conquista do território em 1516. Era o mundo espanhol destacando-se em seus avanços por um continente onde os aborígines nunca foram respeitados. Como diria Darcy Ribeiro, tentava-se formar nações através de um povo europeu transplantado, onde os aborígines não puderam ter sua voz.

Silêncio intrigante

A terceira reflexão também se refere a épocas. É intrigante, por exemplo, o silêncio – no viés juvenil – dos séculos 17 e 18, o tempo em que as colônias se separavam dos seus poderes de dominação. Contudo, a localização da afirmação dos países aqui considerados através da independência, é impressionante. A Argentina celebra sua independência em 1816; o Chile faz o mesmo em 1818; a Bolívia em 1825; o Peru em 1821; o Paraguai em 1811; o México em 1821; o Brasil em 1822 e o Uruguai em 1828. Estávamos, portanto, no século 19. Movimentações que são conhecidas, antes do início do século 19, são a Inconfidência Mineira, no Brasil; a maior rebelião indígena das história das Américas liderada por Tupac Amaru entre 1780 e 1781, no Peru; de alguma forma a revolta dos guaranis resultando na morte de Sepé Tiaraju na região do Paraguai, nas décadas de 1760; as brigas dos autonomistas na Argentina; as sublevações de Chuquisaca em Sucre (Bolívia) e nada de especial no Chile. Quem teria preparado, no entanto, os gritos de independência que explodiriam no século 19? A juventude teria algo a dizer nesta história?

Manifestações da gritaria

Um outro dado refere-se à outra coincidência: a inquietude política e cultural do começo do século 20, na mesma época em que, na Europa, floresceriam as realidades do fascismo (Itália), do nazismo (Alemanha) e do falangismo (Espanha). No Uruguai aparece a figura de Enrique Rodo que, aos 28 anos, lança uma obra intitulada Ariel e que repercutiria muito além das fronteiras, como foi o caso do Chile. No Chile aparece, igualmente, a figura do poeta Vicente Huidobro, com grande influência na Federação dos Estudantes do Chile que, em 1918, fundam a Universidade Popular Lastarria. Por outro lado, impressiona a presença do nazismo entre a juventude chilena que, além de se tornarem conhecidos pelo massacre do Seguro Obrero, mais tarde fundariam o que seria, o Partido Democrata Cristão. Na Argentina, uma obra influente é El hombre medíocre, de José Ingenieros (1917), apelidado pelos universitários como Maestro de la Juventud de América Latina. Um fato que marca a América Latina é a revolta dos universitários de Córdoba, em 1918. No Uruguai, quem toma o comando da caminhada é o battlismo, isto é, de José Battle y Ordoñez, fazendo reformas substanciais na política e na vida social, sendo presidente de 1903 a 1915. No México, na mesma época, acontece o que é conhecido como Revolução Mexicana, aparecendo as figuras de Emiliano Zapata, de Pancho Villa e, um pouco depois, uma guerra civil de caráter religioso conhecida como Guerra Cristera; no Brasil, além da Semana de Arte Moderna, temos manifestações do movimento tenentista de 1922 e a reação juvenil integralista com a figura de Plínio Salgado; no Peru aparecem figuras influentes como Victor Haya de la Torre, fundador do aprismo, em 1923, assim como José Carlos Mariátegui, fundador do Partido Comunista Peruano que, aos 25 anos, se tornara tão conhecido que teve que ser exilado.

O fato é que Silêncios Juvenis Latino-Americanos não deixa de ser um atrevimento. Trata-se de desbastar um campo complicado. Mesmo não tendo condições de adonar-nos de documentos históricos, até essenciais, temos consciência que é um primeiro passo. A pretensão é lançar pistas, talvez primárias, mas pistas.

ARTICULAÇÕES JUVENIS, CATÓLICAS, DA AMÉRICA LATINA

INTRODUÇÃO

Falar da religiosidade juvenil articulada e institucionalizada na América Latina apresenta limites, especialmente pela extensão e pela variedade. Há realidades, contudo, que merecem e precisam sair para fora dos muros das igrejas. O objetivo é socializar “articulações juvenis”, católicas, no continente latino-americano. Embora as pesquisas mostrem que a participação dos jovens, nestas “articulações”, de diferentes igrejas, é a mais representativa em nível de “participação”, são poucos os estudos que aprofundam o assunto. Usamos a palavra “articulação” querendo expressar diversas formas sistemáticas de relacionamento das instituições na geografia da “organização”.

Uma das características destas “articulações juvenis religiosas” é que tratam de uma vivência que sai da pertença “formal” para se tornar algo do cotidiano da vida do jovem, resultando nalguma “organização”. Não se quer falar, somente, da presença ou realização de “assembléias” ou de eventos que decidem ou preparam outros eventos maiores: trata-se de falar de um “modo de ser” que marca o fazer diário de milhares de jovens com reuniões semanais e participação de atividades que atingem milhares de grupos de jovens dispostos a intervirem na sociedade através de momentos específicos de “formação” e formas de “organização”, amadurecendo um “estilo de vida” abraçado espontaneamente e de conseqüências concretas no todo da vida do jovem participante.

São muitas estas “articulações de jovens” na perspectiva religiosa, dentro das igrejas. Restringir-nos-emos a algumas destas, consideradas mais significativas, dentro da Igreja Católica. Um dos critérios de escolha das articulações é sua “extensão”, isto é, o espaço geográfico que elas abarcam. Não vamos ater-nos em “articulações” que se limitam a um município, a uma “paróquia”, a uma “diocese” ou, até, a um espaço maior, como pode ser um Estado, embora sejam muitas. Além disso, com vontade de ser um olhar latino-americano, vai ficar evidente que não deixa de ser um olhar nascido em realidade brasileira.

Outro critério relaciona-se com o caráter da organização, isto é, sua “pedagogia” ou sua “filosofia” de conceber a intervenção no campo juvenil. Priorizamos as “articulações” onde o jovem (e não o adulto nem o carisma nem agentes “adultos”) é o protagonista, cabendo-lhe “direção” ou “coordenação”. Trata-se de articulações que são “de” e não “para” jovens. A opção é por experiências em que o jovem seja o protagonista ou auxiliado para assumir este protagonismo. É a razão que nos leva, em nossa visão, a considerarmos “estruturas” que apóiem, respeitem e promovam o protagonismo juvenil.

Um outro critério é a “significação” destas articulações. O fato de uma “Pastoral da Juventude” poder contar com cerca de 120 mil grupos que se reúnem, semanalmente, em diferentes países é considerado “significativo” . Outro “fato significativo” é podermos encontrar esta “articulação” em nível continental e intercontinental, espalhada pela maioria dos países da América Latina com seus grupos, seus estudos, sua formação, sua produção “científica” e suas “estruturas” espalhadas em locais estratégicos .

Dentro destas delimitações, visualizamos, primeiramente, as “articulações” que se denominam “Movimentos” ou “Pastorais”. Pelo termo “Movimento” entende-se o que o “Código de Direito Canônico” da Igreja Católica define como “Associações de Fiéis” nos cânones 298 a 329. Quando se fala em “Pastorais” tomamos como objeto as “Pastorais de Juventude” ou “Pastorais Juvenis”. Falamos no plural porque pode haver “Pastorais de Juventude” em níveis geográficos e hierárquicos diferentes, articulando-se como tais. O termo “Pastoral” significa a ação organizada da Igreja em geral e das Igrejas Particulares (dioceses), de forma participada, em espírito de “comunhão e participação”, tendo como ponto de referência o pastor (bispo da diocese) ou um conjunto de bispos agindo em “colegialidade” definida na Constituição Apostólica “Lumen Gentium”, do Concílio Vaticano II nº 51 a 56. A “Pastoral da Juventude” ou, então, as “Pastorais da Juventude” são a ação organizada (vivência comunitária da fé inserida na realidade social, e não só vivência dos sacramentos) dos jovens sendo igreja, tanto em caráter particular (diocese) como em caráter mais amplo, envolvendo diversas dioceses da mesma jurisdição (Estado, país e diferentes países) ativando uma articulação com objetivos, propostas, planejamentos e estruturas de apoio comuns.

Vislumbramos, com isso, experiências que congregam uma caminhada conjunta seja como “Movimento Juvenil” seja como “Pastoral de Juventude”. Como “Movimentos Juvenis”, na América Latina, entendem-se, aqui, as articulações que têm seu nascedouro na Ação Católica Especializada, a partir da década de 1950. São movimentos de jovens coordenados por jovens – o que os diferencia de outros que não serão objeto desta apresentação. Destaca-se o Secretariado Latino-Americano do Movimento Internacional de Estudantes Católicos (MIEC) e da Juventude Estudantil Católica Internacional (JECI) com sede em Quito, no Equador . Por outro lado, por seguirem o carisma de Congregações, sem terem os jovens como “protagonistas” em suas articulações, não se considerarão experiências de diversas Congregações (Maristas, Lassalistas, Salesianos e Salesianas e muitas outras denominações). Não é um juízo de valor; é delimitação do campo a pesquisar. Pode-se dizer até, que o “Secretariado” a ser apresentado toma a dimensão de “sacramento” de experiências semelhantes.

Assumimos como “Pastorais de Juventude” as articulações das ações evangelizadoras destas “Pastorais” em nível latino-americano, destacando experiências consideradas significativas, em nível de organização, de modelos, de história ou de caminhada em suas estruturas de acompanhamento, de organização, de formação e espiritualidade. Estaremos, novamente, frente à necessidade de outra limitação porque, embora procuremos acentuar a caminhada do conjunto, há países que se destacam, por diferentes razões: maturidade da caminhada, significação numérica, gravação da memória, serviços de apoio, produção teórica. É uma caminhada semelhante em diferentes estágios, variada e igual.

Entre as experiências a serem apresentadas selecionamos três: 1) o Secretariado Latino-Americano do Movimento Internacional de Estudantes Católicos e da Juventude Estudantil Católica Internacional (MIEC-JECI) com sua história, seus objetivos, publicações, momentos de formação; 2) a articulação das “Pastorais de Juventude” encabeçadas pela Seção Juventude da Conferência Episcopal Latino-Americana (CELAM), especialmente através dos Encontros de Responsáveis das Pastorais de Juventude das diferentes Conferências Episcopais Nacionais (latino-americanas) com suas publicações, encontros, diretrizes, espaços de formação e articulação e Congressos; 3) a Rede Latino-Americana de Centros e Institutos de Juventude que acompanha essas “Pastorais” como “rede”, considerando seus objetivos, atividades, publicações, espaços de formação, ajuda mútua e aprofundamento, encontrando-se num marco teórico comum.

1. O Secretariado Latino-Americano do Movimento Internacional de Estudantes Católicos (MIEC) e da Juventude Estudantil Católica Internacional (JECI)

É um “movimento” provindo de movimentos distintos que consagram tradições, também distintas, embora com momentos, especialmente na América Latina, de incorporação mútua de elementos de identidade que ajudam sua consolidação e crescimento. Merece ser conhecido por sua extensão e por suas atividades através da articulação sistemática de grupos na maioria dos países da América Latina, por sua estrutura de acompanhamento e pela formação que suscitou e suscita através de publicações, banco de dados da realidade juvenil e eclesial, encontros e cursos.

O Movimento Internacional de Estudantes Católicos (MIEC) era conhecido com o nome de “Pax Romana”, fundado em 1921, antes de mobilizações como a juventude hitlerista (Alemanha), a juventude fascista (Itália) e a Juventude falangista (Espanha). Ao longo de sua história foi adotando diversas denominações. No início constituiu-se como “Oficina de Coordenação”; logo depois como “Confederação Católica de Estudantes de todo mundo”. Pretende agrupar e representar as formas de organizações católicas no mundo universitário, servindo como instrumento de coordenação e animação. Reúne uma grande diversidade de experiências: Centros de Reflexão Cristã, Paróquias Universitárias, Federações Nacionais, Grupos de Ação Católica etc. Seu principal objetivo é “agrupar os estudantes católicos para permitir-lhes participar, como estudantes, nos debates sociais e culturais da sociedade em que vivem”. Somente após 25 anos assumiram-se como “movimento”, segundo as normas do “Direito Canônico” da Igreja Católica, com sede em Friburgo, em 1946. O Secretariado Latino-Americano (SLA) é, neste momento, um dos secretariados continentais do movimento.

A Juventude Estudantil Católica Internacional (JECI) tem sua origem na Ação Católica Especializada, impulsionada por influência de Joseph Cardijn (Bélgica), incentivando o cultivo da presença juvenil da Igreja, no mundo, em diversos espaços (o mundo operário, universitário, camponês e estudantil). Buenaventura Pellegri, ex-assessor latino-americano e internacional, diz que a JECI nascia como uma experiência pastoral no meio estudantil, secundário e/ou universitário, com objetivos claros, assumindo uma visão teológica, pedagógica e eclesial definida, o uso sistemático do método Ver-Julgar-Agir, com um slogan que resumia suas perspectivas: “todo o cristianismo em toda a vida”. Na América Latina a JECI teve desenvolvimento decidido nos anos posteriores à II Guerra Mundial, destacando-se o Peru, a Argentina, o Chile, a Bolívia, o Haiti, o Brasil e o México.

O primeiro encontro internacional da JECI se realizou em 1946, oficializando sua identidade com o meio estudantil. A JEC, embora internacional, encarnava-se em cada país, com formas específicas de organizar-se, produção de subsídios pedagógicos, semanas de estudo e assembléias em comunhão com o todo. No Brasil, em 1960, havia seis mil grupos da JEC localizados, espalhados e articulados pelas diferentes regiões do país através de uma equipe escolhida de estudantes, com sede no Rio de Janeiro.

Se o MIEC era uma experiência que articulava vários tipos de experiências de “Pastoral Universitária”, encontrando-se com experiências de Juventude Universitária Católica e outras, de forma semelhante, a JEC articulava grupos de estudantes do “ensino secundário”, com suas diversas terminologias continentais. A JEC é um “movimento” com uma pedagogia que se traduz num instrumento pedagógico conhecido como “Revisão de Vida”. É conhecida a afirmação de Mons. Proaño, bispo de Riobamba (Equador), dizendo que “nunca deixei de usá-la (a Revisão de Vida) em todos os campos da vida. É uma das coisas mais importantes que aprendi na minha vida. Tenho-a diante de mim. Penetrou em mim como a medula de meus ossos” . É uma maneira de “construir Igreja” a partir do protagonismo dos estudantes, encarnando o compromisso de fé no mundo através da transformação da educação, vinculando fé e vida. Mesmo que o episcopado brasileiro, em 1968, declarasse extinta a JEC, ela prosseguia ativa através do Secretariado Latino-Americano. No Brasil, ela havia-se desenvolvido, principalmente, a partir de 1954, inserindo-se progressivamente no movimento estudantil e na problemática “social”, o que a levou a ser questionada por uma parte da hierarquia eclesiástica . Ao mesmo tempo em que era expressão de temor, manifestava um cenário de Igreja para o qual não era pacífica a relação íntima entre fé e realidade social, fé e política etc. É um movimento que educa como um todo, educa como organização, educa pelo método e por uma mística adaptada à vida estudantil, onde a palavra-chave é “engajamento”.

No continente latino-americano os dois movimentos funcionavam “articulados”, mas independentes um do outro. No início do século XXI ela (a JEC) prossegue atuante no Chile, na Bolívia, na República Dominicana, no Peru (traduzida pela JEC, como tal, e pela UNEC – União Nacional de Estudantes Católicos) e no Haiti (sem considerar os países de outros continentes). Por muitos anos o SLA do MIEC-JECI podia contar com seis a sete estudantes (em geral universitários) representando diferentes experiências nacionais, formando a equipe do Secretariado. .

Embora houvesse uma caminhada em conjunto, as relações do MIEC e da JECI não foram e não são “pacíficas” em todos os aspectos. No princípio, era uma simples “aproximação”, havendo momentos em que as tensões relacionadas com o espaço a partir do qual realizavam seu compromisso específico, eram fortes. Tanto o MIEC como a JECI tiveram, até o final da década de 60, um secretariado latino-americano próprio, funcionando independentemente, em diferentes lugares: o MIEC tinha sua sede em Medellín (Colômbia) e a JECI no Rio de Janeiro (Brasil).

O fato de que existissem dois movimentos com interesses comuns, procurando evangelizar o mundo estudantil na América Latina, eram vistos pela Igreja do continente como um fator que poderia ser enriquecido como espaço de colaboração. Foi por isso que o CELAM promoveu uma aproximação, numa perspectiva de comunhão entre o MIEC e a JECI – o que foi aceito pelas duas experiências.

Numa primeira instância partilharam uma sede comum dos dois secretariados, em Montevidéu (Uruguai), a partir de 1967. Em julho desse mesmo ano, realizou-se, no México, o III Seminário Latino-americano de Pastoral Universitária, organizado conjuntamente pelos dois movimentos resultando um avanço no processo de unificação dos movimentos. Logo depois o trabalho no Centro de Documentação, as publicações e as reflexões comuns fizeram que se fosse dando uma aproximação maior entre eles, até chegar à conformação de um só Secretariado Latino-Americano no Comitê de Cali (Colômbia), em 1970.

A expressão institucional máxima das duas experiências são os “comitês”. Os Comitês Latino-Americanos provinham da estrutura da JEC e foram tendo importância como reunião dos dirigentes nacionais dos distintos movimentos de “PAX ROMANA MIEC-JECI”. Dada a transparência do evento, a reunião de Cali (1970), pode ser considerada como a primeira reunião conjunta, com caráter de Comitê Latino-Americano do MIEC e da JECI, decidindo que o Secretariado comum funcionasse em Montevidéu.

Em 1972, no entanto, vítima da repressão da ditadura militar que governava o país, o Secretariado teve que sair de Montevidéu, transferindo-se para Lima (Peru), onde ficou durante 20 anos. A difícil realidade peruana, no final da década de 80 e inícios de 90, marcada pela violência política (especialmente pela atuação do grupo guerrilheiro “Sendero Luminoso” e pela situação crítica da economia) fizeram que o compromisso peregrino e missionário do SLA buscasse novo lugar de acolhida. Por isso, desde janeiro de 1993, Quito (Equador) é a nova sede do SLA. São dados que comprovam que o movimento ia além de seus muros, mesclando-se na realidade social e política.

A vida, tanto da JEC como do MIEC, manifesta-se nos grupos com sua vida particular, e de movimento como tal. O lugar por excelência de atuação são os colégios e as Universidades, defendendo a necessidade da inserção dos grupos e seus participantes nos organismos intermediários da sociedade civil. O que caracteriza o movimento, de modo especial, é sua pedagogia de inserção, incentivando uma fé comprometida com a realidade social, especialmente estudantil, com todas as conseqüências que daí poderiam provir. Para tal, um “instrumento” pedagógico importante foram assessoras e assessoras teológica e sociologicamente preparadas.

2. As Pastorais de Juventude na América Latina

Um diagnóstico de uma Pastoral Juvenil articulada em todos os países da América Latina é uma tarefa difícil. Cada país carrega e abraça a sua realidade que exige respeito e consideração. Por isso, é necessário falar de “Pastorais de Juventude”. É um “todo” que caminha “unido” por diferentes trilhas. Suas diretrizes e sua proposta encontram-se expressas em “Civilização do Amor – Tarefa e Esperança” retomada, de alguma forma, pelo episcopado brasileiro em “Evangelização da Juventude: Desafios e Perspectivas Pastorais” (2007) .


2.1 Uma visão histórica na perspectiva “estudantil”

É difícil imaginar, contudo, esta articulação das Pastorais se não olharmos para alguns dados históricos. Queremos referir-nos, de modo especial, à JEC dos anos 60, dentro do conjunto da Ação Católica Especializada. O final da década de 60 e a década de 70 foram anos de muita efervescência em toda a América Latina, especialmente no campo da evangelização juvenil católica. Países que merecem destaque são Uruguai, Argentina, Paraguai, Brasil, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, El Salvador, Haiti e México. A revolução socialista parecia estar em todas as esquinas e em muitos corações de jovens. Além dos fatos tipicamente juvenis, é hora de rememorar, por exemplo, o significado que teria também para os estudantes o movimento dos Cristãos para o Socialismo e o movimento dos Sacerdotes para o Terceiro Mundo. Olhando para três grandes “Regiões” da América Latina, podemos apontar fatos e pessoas, expressões de uma realidade mais ampla.

Cone Sul
Na ARGENTINA a JEC e a JUC deslancharam, especialmente, depois de 1954. Um evento efervescente, envolvendo tanto a JEC como a JUC, se deu em 1968, através do “Cordobazo”. Não deixava de recordar o “Bogotazo” de Bogotá, em 1948 . Em 1974 era assassinado, no dia 11 de maio de 1974, frente à sua paróquia, o P. Carlos Mujica, assessor da Juventude Estudantil Católica (JEC) de Buenos Aires. Ele conhecera Gustavo Ramus, Fernando Abal Medina e Mario E. Firmenich, fundadores da organização "Montoneros", com participação significativa de militantes da JEC. Em quatro de julho de 1976 eram massacrados, também em Buenos Aires, cinco sacerdotes palotinos. Uma das acusações que aparecia nos muros é que estragavam as mentes dos jovens.
Do BRASIL, em meio a expressivas manifestações culturais e políticas, extraímos o que significaram as mobilizações por ocasião do assassinato de Edson Luis Nascimento (1969), uma morte que a JEC do Brasil assumiu como uma espécie de “exemplo”, e de Alexandre Vanucchi. O mais dramático foi que, no meio desta efervescência de muitos rostos, quando muitos estudantes tiveram que recorrer ao exílio, para não serem presos, a Ação Católica Especializada era desautorizada (morta) pela hierarquia, apesar da resistência de D. Helder Câmara, de D. Cândido Padim e outros bispos próximos à Ação Católica Especializada. O encaminhamento de outra proposta pedagógica de ação evangelizadora junto à juventude veio ligeiro porque, ainda em 1969, em São Paulo, começaria a experiência dos encontros de EMAÚS através de Mons. Calazans, batendo de frente contra a pedagogia assumida pela JEC. Outra experiência bem sucedida – também sob o influxo da pedagogia do impacto dos Cursilhos de Cristandade - foram os encontros de jovens através do TLC (Treinamento de Liderança Cristã). O método que começou a vigorar era o da pedagogia do impacto, onde o central era o mundo dos afetos e o incentivo a uma prática eclesial voltada prioritariamente para a prática sacramental. Os mais visados, por estes tipos de encontros, eram os universitários e os grupos paroquiais (não mais da Ação Católica Especializada) . A memória da Ação Católica Especializada seria retomada através da articulação da Pastoral Juvenil, em 1984.

No CHILE a JEC estava viva e a presença de D.Manuel Larrain (1900-1966) e do Padre Alberto Hurtado - sacerdotes católicos expressivos em nível nacional – servia de incentivo a esta mobilização juvenil. D. Larrain foi um dos fundadores do Conselho Episcopal Latino-Americano, encarnando nítida visão libertadora. Entre os muitos desaparecidos do golpe militar de Pinochet fala-se, de modo especial, de Patrício Leon, pertencente à equipe do Secretariado Latino-Americano da JEC internacional. Assim como os estudantes tomavam a catedral de Santiago, reclamando contra os gastos da viagem do Papa para um Congresso Eucarístico em Bogotá, em sinal de protesto também invadiam a Universidade Católica. Foi em 1971 que surge, em Santiago, o Instituto Superior de Pastoral Juvenil.

No PARAGUAI os anos mais violentos foram 1969 e 1970. Era escancarado o conflito entre Igreja e Estado. Comprometido com a JEC, o P. Uberfil Monzón (uruguaio) em visita aos grupos da JEC, foi seqüestrado e torturado. Destacou-se, como fonte de resistência, a paróquia Cristo Rei, dos jesuítas, em Assunção, localizada ao lado de um colégio importante da cidade, apoiando a mobilização dos estudantes. Além de estudantes, vários religiosos (jesuítas) foram expulsos do país ou aprisionados.

O URUGUAI não ficou fora destas “agitações” da JEC de 1960. Não ficaria sem conseqüência o fato de o SLA da JECI estar em Montevidéu. Além disso, os anos de 1968 a 1972 foram de intensa politização dentro do movimento da JEC, não ficando longe da articulação do Movimento Nacional de Libertação conhecido como “Tupamaros”. Acompanhavam os grupos da JEC assessores preparados e comprometidos com a Teologia da Libertação. O Secretariado Latino-Americano do MIEC-JECI foi, por isso, um dos espaços onde a repressão encontrou motivos de intervenção. É suficiente recordar que 30 a 40% dos militantes da JEC tiveram que deixar o país. Anos depois, por uma estratégia frente à conjuntura política do país, foi através da JEC que se articulou a Pastoral Juvenil uruguaia. Uma das razões referia-se ao fato de as paróquias serem, ainda, os lugares menos visados pela repressão.

Região Bolivariana

Na BOLIVIA, o fato de Che Guevara ter sido assassinado aí em 1967, não passava ignorado pelos estudantes católicos. Mesmo que não fosse uma realidade única, por um tempo a JEC foi identificada com o Movimento de Esquerda Revolucionário. Entre os vários assistentes, destacou-se, a partir de 1962, o P. Francisco Dubert. Na guerrilha de Teoponte (1970) era morto o estudante da JEC Nestor Paz Zamora. Os centros de manifestações estudantis que mais se destacaram nas expressões de descontentamento localizaram-se em Sucre, Cochabamba, Oruro e Potosi. É em Potosi que encontramos, ainda hoje, um dos centros mais significativos da JEC da Bolívia.
Na COLOMBIA exerceu, nos anos 60, um papel importante a Central Católica de Juventudes . O que mexeu mais com os estudantes da JEC e da JUC, iniciando a viver um contexto de guerrilha e de socialismo, foi o exemplo do Padre Camilo Torres abandonando o ministério sacerdotal e a cadeira de Sociologia na Universidade para inscrever-se na guerrilha. Ele era capelão da Universidade Nacional e, juntamente com outros participantes, fundou a Faculdade de Sociologia. Deixando o ministério sacerdotal Camilo intensificou a sua participação política, criando a "Frente Unida do Povo" espalhando suas reivindicações através de mensagens aos cristãos, aos militares e aos camponeses. Em 15 de fevereiro de 1966 morria em combate. Até hoje não se sabe onde o exército colombiano enterrou seu corpo. É em Bogotá que surge, nesta época, o Instituto de Pastoral Latinoamericano de Juventud (IPLAJ), substituído, anos depois, em seus objetivos, pela “Casa da Juventude” que formou agentes junto aos jovens de toda a América Latina.
No EQUADOR, como fruto de uma politização dos grupos de estudantes católicos, se dá – como sinal de descontentamento pela postura política assumida pelo núncio do Vaticano - o apedrejamento da nunciatura apostólica. A politização excessiva – segundo a versão dos que acompanham este movimento no Equador - foi uma das causas do enfraquecimento dos grupos da JEC. A militância se dava especialmente nos bairros e nos sindicatos, deixando de lado o movimento estudantil. Apesar disso, Quito tornar-se-ia, a partir de 1978, sede do SLA da JECI.

PERU, pela presença do P. Gustavo Gutierrez – o primeiro sistematizador da Teologia da Libertação e assessor da UNEC - e outros assessores, como Luis Fernando Crespo, foi sempre um país onde a UNEC (o que correspondia à JUC) e a JEC sempre foram significativos celeiros de políticos e intelectuais destacados em medidas tidas como revolucionárias. Foi para lá que se transferiu (de Montevidéu, 1967), o SLA da JECI. No tempo do movimento político “Sendero Luminoso” (1972), por motivos de segurança, o movimento julgou melhor transferir seu Secretariado para Quito. É um dos países onde, na atualidade, os grupos da JEC têm mais vitalidade.

América Central

Na COSTA RICA, em proporções menores que em outros países, não faltaram os conflitos na década de 60. Participantes da JEC e da JUC colaboraram no seqüestro de um rico da cidade de San José e não muito mais. Vale destacar que, com bastante apoio da hierarquia, o P. José Maria Pujadas começaria aí, assim como em outros lugares, especialmente da América Central, os “Encuentros de Promoción Juvenil”, com influência dos padres salesianos adotando, também, a metodologia do Cursilho de Cristandade.

EL SALVADOR foi, nos anos de 1970, o pulmão dos grupos da JEC de toda a América Central através de lideranças fortes apoiadas pelo Secretariado Latino-Americano do MIEC-JECI. Em 1975 houve matanças de estudantes em várias cidades. Uma das lideranças mais reconhecidas era Juan Deplanke que, em 1977, foi expulso do país. Entre as muitas mortes, fala-se da estudante Ana Maria Castillo, mas havia muitas outras. A guerrilha de vários anos impossibilitou uma articulação mais significativa de grupos da JEC porque a situação política não permitia.

Na GUATEMALA é impossível saber o número de mortos por causa da libertação. Basta dizer que, em dois anos (1979 a 1981), foram mortos 12 sacerdotes e milhares de outros cidadãos, homens, mulheres e jovens. Davam-se verdadeiros massacres, especialmente na região de El Quiche onde as “comunidades eclesiais de base” eram incentivadas por evangelizadores assumindo a mística da opção pelos pobres. Isso mexia com os jovens desejosos de viver a fé cristã e assumiram esta bandeira. Entre os jovens assassinados recordam-se os nomes de Dora Azmitia, Ligia Martinez, Rosário Godoy de Cuevas, mas eles/as eram muito mais. Vivia-se um cristianismo de catacumba.

Em HONDURAS a repressão era tanta que se sabe pouco do que sucedia por causa do controle norte-americano. O maior aeroporto do país era, por muitos anos, dos militares dos Estados Unidos. Em 1972 a Frente Estudiantil Social Cristiana que procurava solidificar-se, morria assustada vendo o massacre de Olancho (grande extensão no centro do país), matando religiosos e religiosas comprometidas/os com a realidade do povo campesino do país. Uma cidade que se destacava, na mobilização estudantil, era Choluteca, graças à assistência de vários sacerdotes, especialmente do Padre Ivan Bouffard.
Indo para o MÉXICO, um destaque especial merece o que sucedeu com a juventude na Praça das Três Culturas, em Tatlelolco. Os estudantes mexicanos pretendiam explorar a atenção do mundo, focada na Cidade do México por ocasião dos Jogos Olímpicos de 1968. Para reprimir esta mobilização não bastou a ocupação do campus da Universidade Nacional Autónoma do México. As manifestações aumentaram até que, no dia 2 de Outubro de 1968, 15 mil estudantes de várias universidades e de vários colégios invadiram as ruas da Cidade, ostentando cravos vermelhos como sinal de protesto contra a ocupação militar da UNAM. Ao cair da noite, cerca de 5 mil estudantes e trabalhadores, muitos deles acompanhados das mulheres e filhos, haviam-se reunido na Plaza de las Tres Culturas em Tlatelolco para uma manifestação pacífica. O massacre teve início ao pôr-do-sol quando forças do exército e da polícia cercaram a praça e começaram a abrir fogo contra a multidão. Em outubro de 2003 vieram à luz informações sobre o papel do governo dos Estados Unidos neste massacre. Em junho de 2006 o presidente de então, Echeverría, foi acusado de genocídio, colocado sob prisão domiciliária, mas em julho do mesmo ano foi inocentado porque o juíz decidiu que ele não poderia ser julgado devido ao estatuto mexicano de limitações. O México, na Pastoral da Juventude, sempre se destacou por suas lideranças e trabalhos junto à juventude mais pobre através de um trabalho específico que denominaram de “Pastoral de Situações Críticas”. Foi a partir do México, também, que apareceram grandes articuladores/as da evangelização juvenil na América Latina. Entre outros cita-se Tere Lanzagorta, Paco Merino e Teresa Sanchez Calderón.
Na NICARÁGUA a articulação existente dos estudantes era dificultada, nos 60 e 70, pela repressão política e eclesial e, na década de 80, pelo serviço militar obrigatório. Em 1972, após muitas discussões, a JEC se unira à Frente da Juventude Sandinista. Os anos de guerrilha (antes de 1979) contaram com a morte de muitos jovens, também da Igreja. A luta dos cenários de Igreja, depois da vitória, impediu ou dificultou a formação de grupos. Sintoma desse conflito de cenários foi a maneira como Roma tratou cristãos e sacerdotes comprometidos com o governo revolucionário e a dificuldade em se articular com a Pastoral da Juventude latino-americana.


2.2 Acentos gerais da Pastoral Juvenil Latino-Americana

Considerando o conjunto das Pastorais de Juventude na América Latina, lendo e ouvindo o que se diz nos encontros anuais, há realidades que se tornam evidentes. Destacamos seis aspectos.

1. A Pastoral Juvenil Latino-Americana começou a articular-se, a partir de 1983, em todos os países da América Latina. Em todos eles começaram a existir e a organizar-se em grupos, coordenações, assembléias, instâncias de formação, não importando o tamanho do país. Nos Encontros Latino-Americanos de Responsáveis Nacionais dessa Pastoral, é raro que falte algum país que não saiba falar de sua experiência . Estes “Encontros” começaram em 1983 e se realizam tendo, sempre, algum tema específico considerado importante para a Pastoral no momento, escolhido pelas lideranças: “processo de educação na fé”, “militância”, “espiritualidade”, “cultura”, “assessoria” etc. Além destes encontros “gerais” a Pastoral Juvenil encontrou uma forma de articular-se, conforme espaços menores, dividindo o “continente” em quatro grandes “regiões”: a região do cone sul, a região bolivariana, a região caribenha e a região Centro-Americana, incluindo o México. Cada região tem seu coordenador e seus delegados.

2. É uma Pastoral que realiza inúmeros cursos em diferentes níveis e extensões. Há um Curso em nível latino-americano, de três meses, para assessores, animado pela Sessão Juventude do CELAM, em Bogotá; Cursos oferecidos por instituições como o Instituto Superior de Pastoral Juvenil (Chile) ; Cursos para Assessores oferecidos pelo Instituto de Pastoral de Juventude (Porto Alegre), em três etapas, de 8 semanas, e outros. A grande novidade, suscitada pela Rede de Centros e Institutos de Juventude do Brasil, é o Curso de Pós-Graduação em Juventude, começado em 1999 e, atualmente, funcionando em Goiânia . Além disso, em Florianópolis, no Instituto Teológico de Santa Catarina, iniciou, em 2007, um Curso de Pós-Graduação para agentes que trabalham com jovens, dirigido mais especificamente para o cultivo de um trabalho na dimensão da fé. Pode-se dizer que a formação é o campo onde mais se investe e o campo que sempre pede mais.

3. É uma Pastoral que tem como base milhares de grupos de jovens espalhados por todos os cantos. No Brasil estes grupos eram (2007) mais de 54 mil, articulados de diferentes formas, inseridos numa organização que se enraíza nas pequenas comunidades até a articulação das dioceses e espaços regionais mais amplos. Sem grupos que se reúnem sistematicamente, a Pastoral Juvenil não existe. Mesmo que o investimento “oficial” na articulação não seja significativo e mesmo que faltem apoios em várias partes ou apareçam atitudes eclesiásticas que procuram desarticular essa “movimentação”, essa Pastoral prossegue caminhando na perspectiva de uma legítima “autonomia pastoral”. No Brasil, a partir de 1986, celebra-se anualmente, no final de outubro, o “Dia Nacional da Juventude” onde os grupos convidam a juventude, em geral, para encontros massivos preparados com larga antecedência, tendo um tema e um lema relacionados com a realidade social . São encontros de um dia, chegando a reunir, em muitos lugares, em clima festivo e de celebração, milhares de jovens.

4. É uma Pastoral que tem um referencial teórico comum, servindo de orientação, inspiração e animação. “Civilização do Amor – Tarefa e Esperança” é uma das mais completas descrições de como deve ser uma evangelização juvenil, com seus diversos “marcos”, com dois deles dificilmente encontrados em outras instituições: referimo-nos ao marco histórico e ao marco celebrativo . Um, retomando a memória histórica dessa Pastoral, e o outro, descrevendo a “espiritualidade” na qual se acredita e que se deseja implementar. É uma Pastoral que tem como princípio pedagógico a “formação na ação”. Procura-se partir da prática ou da experiência, ajudando a juventude a crescer numa prática refletida. Os escritos dessa Pastoral nascem do chão da experiência. É uma Pastoral que tem lideranças juvenis escolhidas, sacerdotes e bispos responsáveis em nível de regiões e países que, com suas características, se encontram, planejam e animam a caminhada dos grupos.

5. É uma Pastoral que, pelo fato de assumir o protagonismo juvenil como princípio orientador, experimenta dificuldades de relacionamento, tanto com hierarquias como com tipos de movimentos juvenis onde este “protagonismo” não é nem assumido nem respeitado e onde a vivência equilibrada de fé e vida, de fé e política não é compreendida. As mobilizações se dão em cenários diferentes de Igreja, com leituras diferentes da realidade, com pedagogias diferentes e com espiritualidades diferentes, mas – apesar disso – realizando uma caminhada em comum.

6. Além disso, é uma Pastoral que, nos últimos anos, se enriqueceu com significativas “estruturas de apoio” . Referimo-nos aos Centros e Institutos de Pastoral de Juventude espalhados por mais de 10 países – todos a serviço da Pastoral Juvenil - e que, de dois em dois anos, se encontram para atualizarem a missão que lhes cabe na evangelização dos jovens e nos estudos do fenômeno juvenil.

2.3 Apanhado histórico

a) Não tendo havido movimentação juvenil significativa na Igreja Católica antes de 1950, na década de 60 chamam a atenção dois fatos importantes: a fase da ascensão católica, dentro e fora do Movimento Estudantil, e os Golpes Militares (especialmente no Cone Sul da América Latina). A fase da “ascensão católica” deveu-se ao surgimento, na Igreja Católica, principalmente da Ação Católica Especializada, fruto da reflexão e da prática do Cardeal Cardijn, bem como de movimentos como “cristãos para o socialismo” e “sacerdotes para o Terceiro Mundo”. Por influência de Cardijn surgiram, em muitos países, a Juventude Operária Católica (JOC), a Juventude Agrária Católica (JAC) , a Juventude Estudantil Católica (JEC) e a Juventude Universitária Católica (JUC). Isso se deu a partir de 1947, a começar com os jovens operários e, depois, com os estudantes universitários e secundaristas. Um dos filósofos que mais influenciou a juventude dessas diferentes articulações foi Jacques Maritain. A experiência mais estudada e pesquisada é a JUC . Foi com os universitários da JUC que se deu, na UNE do Brasil, a colaboração dos católicos no Movimento Estudantil, através da aliança de Aldo Arantes com os “comunistas”. A JUC (assim como as outras “especificidades”) tinha uma organização nacional, marcando presença no campo, na fábrica, nos colégios e em muitas Universidades, principalmente não confessionais. Todas estas “especificidades” têm sua história particular.

b) Algumas heranças que ficaram da experiência da Ação Católica Especializada, declarada extinta (no Brasil) em 1967, e reprimida por Golpes Militares, são a utilização sistemática do método Ver-Julgar-Agir, a busca de uma prática a partir da realidade concreta (considerando questões sociais e políticas), a formação na ação, a convicção da necessidade de se lutar pela transformação das estruturas sociais, o uso - pelos grupos - de espaços de revisão de vida e de prática, a compreensão da vivência da fé engajada no social, a utilização e a opção pedagógica pelos pequenos grupos e o despertar para o protagonismo juvenil. Foi essa carga pedagógica e filosófica que fez os universitários serem presença atuante não só junto à UNE (Brasil), mas junto à Igreja e à sociedade, inclusive na sistematização da Teologia da Libertação. Foi a partir desses estudantes que surgiu o movimento “Ação Popular” que tomaria, como partido, uma perspectiva marxista-leninista. Entre as muitas personalidades que trabalharam e/ou se formaram nesta organização ressalta-se o papel que exerceu – com seu carisma e sua coragem – D. Helder Câmara, futuro arcebispo de Olinda e Recife .

c) Essas “especializações” estavam organizadas em nível nacional, com equipes articuladoras e “assistentes”. Ao mesmo tempo em que existiam estas articulações, explodiam diversas tentativas de “guerrilha” no Brasil e o “Maio de 1968”; os hippies protestavam contra a guerra do Vietnam; era morto (na Bolívia) o guerrilheiro Che Guevara, dava-se o assassinato de Luther King e se realizava, em Medellín, a Conferência Episcopal Latino-Americana procurando traduzir, para a América Latina, os resultados do Concílio Vaticano II, chamando a juventude como “força de pressão social”. No nordeste brasileiro o educador Paulo Freire valia-se da contribuição de jovens provindos da JUC e da JEC.

d) Os jovens católicos movidos por uma pedagogia que incentivava o compromisso social acompanhavam as realidades e os debates políticos do momento. Os universitários católicos chegaram a sistematizar uma “forma de governo” chamado por eles de “solidarismo”.

e) Na dimensão religiosa é importante acentuar que foi nesse contexto dramático e politicamente opressor (não só no Brasil) que surgiram, em substituição à Ação Católica, diferentes “movimentos” ou “encontros” de jovens católicos, a maioria ligada a algumas Congregações Religiosas ou, então, a algumas lideranças eclesiásticas. O primeiro deles foi o EMAÚS, seguindo a metodologia do Cursilho de Cristandade, sistematizado pelo Padre Calazans, em São Paulo. Outro tipo de encontro de fim-de-semana, foi o TLC (Treinamento de Liderança Cristã), criação de Haroldo Rahm e que se difundiu por muitos cantos do Brasil . Além deles, surgiram, em muitos lugares, experiências semelhantes, analisados teológica e pastoralmente por João Batista Libânio . Na sua quase totalidade distinguiam-se, estes “movimentos”, por fazerem encontros de impacto de final de semana.

Surgiram nesta época, igualmente, figuras como a do Padre José Fernandes de Oliveira, falando e cantando para os jovens como antes não se cantava . Muitos jovens redescobriram a Igreja e o cristianismo através dele e dos “movimentos de encontro” coordenados por adultos, visando problemas pessoais e respostas às aspirações de libertação interior do jovem, acentuando a dimensão sacramental, trabalhando com grupos grandes, apresentando uma Igreja atraente e acolhedora, trabalhando o sentido de pertença à Igreja e evitando falar de política ou de problemas sociais. Um dos resultados destas e de outras iniciativas semelhantes foi o surgimento, em muitas paróquias, de milhares de “grupos de jovens”. Apesar de, na Conferência Episcopal Latino-Americana e na Conferência dos Bispos do Brasil, ter surgido o “Setor Juventude”, procurando acompanhar essa realidade e ajudar estes grupos a viver um processo de formação na fé com uma pedagogia reconhecida, não se conseguia, até 1983, articular essas experiências.

Ao mesmo tempo, principalmente a partir de 1970, se espalharam pela América Latina movimentos internacionais como o Movimento dos Focolares, o Movimento Carismático, o movimento Comunhão e Libertação e outros que trabalhavam e trabalham com jovens. Pela proibição que vigorava de os jovens se encontrarem e se organizarem nos Grêmios e nos Diretórios, um local de encontro deles eram as paróquias. Impulsionada pela urgência de um trabalho mais coordenado junto aos jovens, 1979 foi o ano, em que se deu, na Conferência Episcopal de Puebla (México), por parte da Igreja Católica, num contexto onde era muito forte a pressão por um trabalho com os oprimidos, a opção preferencial pelos pobres e pelos jovens.

f) Quem foi à luta, por um trabalho mais articulado dos jovens católicos foram diversas Conferências Nacionais de Bispos Católicos. . Sentindo a falta de alguém que os assessorasse neste campo de evangelização, a Conferência dos Bispos do Brasil foi pedir, por exemplo, a ajuda do Instituto de Pastoral de Juventude de Porto Alegre, há pouco fundado (1980) e que tinha como finalidade a formação, a assessoria e a pesquisa no campo desta evangelização, trabalhando com jovens e adultos empenhados no acompanhamento a grupos de jovens.

Esta Pastoral passou por diversas fases: a fase da busca de uma articulação e de uma identidade comum, tendo em vista os milhares de grupos que foram aparecendo (1974-1983); a fase da sistematização e implementação de uma proposta de ação evangelizadora junto à juventude (1984-1989), a fase do amadurecimento e, ao mesmo tempo, da crise interna da proposta (1990-1993), a fase da missão conjunta (1994-1998); e a fase tanto da retomada da proposta inicial como caminho de resistência como de uma sistemática tentativa de desarticulação da experiência por parte da estrutura (1999 aos nossos dias).

g) Contribuíram, no surgimento da fase da “sistematização e implementação da proposta de uma ação evangelizadora junto à juventude” cinco fatores importantes: a) a opção preferencial pelos jovens e pelos pobres, assumida pelos bispos da América Latina em Puebla em 1979; b) a escolha (por parte das Conferências Episcopais) de um assessor nacional; c) a escolha dos jovens como “destaque” nas atividades das Conferências Episcopais; d) a visitação à realidade dos países visando a evangelização da juventude; e) além do nascimento dos milhares de grupos paroquiais, o surgimento de várias articulações específicas de jovens, sejam eles universitárias, do ensino médio, do meio popular ou dos jovens da roça. No Brasil, por exemplo, começara, em 1978, a articulação da Pastoral da Juventude do Meio Popular (principalmente no Nordeste) e, em 1979, a articulação da Pastoral Universitária, acompanhada de perto pelo MIEC-JECI. Em 1982 seguiam o mesmo passo os estudantes “secundaristas”, também alimentados pela memória da JEC. Os jovens da roça começariam sua articulação expressando seu vigor num Encontrão de Jovens realizado em Passo Fundo (RS), em 1985. Junto com o México, o Chile, o Uruguai e o Brasil ia-se amadurecendo uma articulação mais ampla movida por uma proposta comum, segundo o processo que a Igreja Latino-Americana estava vivenciando. É uma fase essencialmente pedagógica, acentuando uma formação integral, e metodológica, pautada no Ver-Julgar-Agir, enriquecido aos poucos com o Revisar e o Celebrar.

Após visitas a diferentes países, o ambiente se tornava propício para a realização de um primeiro encontro de responsáveis nacionais da Pastoral da Juventude (1984). Havia grupos e articulações nacionais, mas não se sabia o que os unia nem para onde desejavam caminhar como um todo. O grande tema dos primeiros encontros foi, por isso, a pedagogia a ser usada pelos grupos e a forma de organização. Um dos temas preferidos foi o esclarecimento e o aprofundamento da inserção da Pastoral da Juventude nos organismos intermediários da sociedade civil, típica herança dos tempos da Ação Católica Especializada.

Ao lado de muitas atividades, em diferentes níveis, aconteciam, principalmente no Brasil e no México, Seminários Nacionais de Assessores e Militantes, girando em torno de algum tema atual para a Igreja, a juventude e a sociedade. Destacam-se as análises de conjuntura, a vivência eclesial adaptada à realidade juvenil, as dimensões da formação (principalmente afetiva e litúrgica), bem como o estudo mais específico dos marxismos e do planejamento. Referenciais para esta iniciativa foram o P. Jorge Boran (Brasil), o P. Horácio Penengo (Uruguai), Tere Lanzagorta (México) e César González (Chile), animados por uma proposta comum de articulação e evangelização.

h) A Pastoral da Juventude, com sua elaboração teórica bastante avançada , iniciaria, em 1989, outro conjunto de temáticas. Começou a manifestar-se uma crise interna revestida de luta pelo poder hegemônico, ocasionada pela compreensão discordante do que seria, de fato, uma articulação e uma organização de jovens no plano da fé. 1989 tornou-se um ano emblemático onde a queda do socialismo real visualizado pela queda do muro de Berlim, teria repercussões profundas, também no campo da evangelização juvenil, principalmente pelas conseqüências que teria a mudança de uma visão de mundo “apolínea” para um modo de ser “dionisíaco”, aflorando pujante a questão da sexualidade e o cultivo do corpo e do prazer .

Fala-se, por isso, de outra fase desta Pastoral: a fase do amadurecimento e da crise interna. Isso se evidenciou na realização do 1° Congresso Latino-Americano da Pastoral da Juventude em Cochabamba (1991/1992), com 800 delegados jovens. Nem todos, na organização desta Pastoral, pensavam a mesma coisa e ficavam claras duas propostas que não encontravam um jeito de caminhar em harmonia . O equilíbrio da vivência entre fé e política era criticada dizendo-se que lhe faltava a dimensão da “mística” quando, de fato, o que estava em jogo era a vivência de um cenário de igreja. De uma leitura sócio-econômica, fundada nas estruturas da realidade, passava-se para uma leitura onde os aspectos conjunturais eram apresentados numa dimensão mais “cultural”, insistindo – como aconteceu na Conferência Episcopal de Santo Domingo (1992) – na questão da inculturação. Uma “inculturação” servindo, de alguma forma, de desculpa para deixar de lado, na vivência da fé, a força do econômico. Isso se verificava – na prática - nos mais variados níveis, mas não era absorvido pelas lideranças. No campo da evangelização da juventude pressionava-se para que houvesse mudanças pedagógicas. Recorde-se que o tema do Encontro Latino-Americano de Responsáveis, de 1990, foi “Pastoral da Juventude e Cultura”. Não estava em jogo somente a questão da “cultura”; queria-se questionar, especialmente, a questão do método que partia da realidade. A Igreja Latino-Americana, no seu todo, era pressionada, por Roma, em abandonar o método do Ver-Julgar-Agir para dar mais importância à questão da cultura e à centralidade a Jesus, retirando aspectos como do “Reino de Deus” e a tradição de partir da realidade do povo. Tornava-se, processualmente, mais importante a aparência, inclusive o corpo, e não o compromisso com a realidade sócio-econômica e, em nossa perspectiva, o contexto do jovem.

Continuavam, no entanto, embora com menos vibração, a realização de Seminários Nacionais, especialmente de assessores/as e “militantes”. Os tempos prosseguiam sendo de crise (interna e externa), em vários lugares e de diversas formas. Uma realidade comum eram as discussões teóricas distanciadas das necessidades dos grupos de jovens, clamando por apoio. Repercutiu, por isso, entre a juventude católica latino-americana, o fato de a Igreja Católica do Brasil, na realização da Campanha da Fraternidade de 1992, ter escolhido a juventude como tema a ser rezado e discutido pelas comunidades. Foi uma época (1991 e 1992) em que apareceram muitos escritos expressando a sua avaliação com relação à caminhada da Pastoral, principalmente com relação a sua melhor organicidade, sabendo-se que era uma questão séria, mas não a mais radical. No Brasil, por exemplo, esse espírito desembocou na Assembléia desta Pastoral, em Vitória (ES) festejando 10 anos de luta e esperança. Assim como significou a expressão da beleza da proposta, reclamava a necessidade de uma “renovação”. Ao mesmo tempo em que era uma crise “interna”, a crise era provocada por forças “externas”, insatisfeitas pela caminhada autônoma dessa Pastoral.

i) É muito estranho perceber, por isso que, em 1994, o ambiente, na Pastoral da Juventude era de “missão”, isto é, de ir ao encontro da realidade juvenil. O tema do encontro latino-americano de responsáveis, em São Paulo, foi espiritualidade e missão da Pastoral da Juventude. O que seria, contudo, este “ir ao encontro da realidade” quando tantas forças convidavam a fazer o movimento oposto, insistindo numa caminhada mais “espiritual”? Pela primeira vez lançou-se, no Brasil, um “Projeto de Missão” da Pastoral da Juventude, destacando-se a preocupação com a cidadania. No campo da espiritualidade a proposta era a realização de Escolas de Liturgia e de Bíblia para jovens. Os jovens da Pastoral da Juventude do Cone Sul amadureceram, inclusive, um “gesto comum” com a mesma temática. 1995 foi o ano em que se discutiu, através da Rede dos Centros e Institutos de Pastoral da Juventude, a realização de um Curso de Pós-Graduação sobre Juventude, voltado para um amadurecimento de agentes que trabalham com jovens.

j) Muitas realizações aconteceram nessa época. Destacaríamos quatro: 1) em nível latino-americano, uma nova sistematização da proposta da Pastoral da Juventude com “Civilização do Amor: Tarefa e Esperança”; 2) em nível de Brasil, os jovens da roça assumindo, com convicção, seu envolvimento com a terra; 3) os estudantes secundaristas, organizados na Pastoral da Juventude Estudantil, lançando a descrição de sua utopia através do seu Marco Referencial intitulado “Quem somos? A que viemos?”; 4) a articulação latino-americana dos militantes da Pastoral da Juventude através da “Rede Minka”, reunindo, de modo especial, pessoas que passaram nessa Pastoral, envolvidas em atividades políticas.

Verificou-se, no geral, uma retomada em todas as frentes. Além do Dia Nacional, outro dia que se instituiu oficialmente foi a “Semana da Cidadania”. Além da amplitude do tema cabe recordar a escolha e a nomeação, por indicação das bases, no México, na Venezuela e no Brasil de mulheres leigas, para assumirem o ministério da assessoria nacional, reconhecidas pelas respectivas Conferências Nacionais dos Bispos. Estes fatos não deixavam de ser um sintoma do tipo de caminhada que a Pastoral da Juventude fazia, assumindo atitudes novas na estrutura eclesial. Foi em 1998 que se realizou, igualmente, o 2º Congresso Latino-Americano da Pastoral da Juventude, em Punta de Tralca (Chile), com delegações das Pastorais de Juventude de todos os países da América Latina. É importante recordar, contudo, que nos mesmos dias acontecia, em Santiago do Chile, organizado com o apoio de Roma, o Encontro Continental de Jovens reunindo mais de 1 milhão de jovens . Ao mesmo tempo em que poderia significar um “reforço” do que sucedia no Congresso, significava igualmente a oposição visível de duas visões na pedagogia da evangelização da juventude: uma, que acredita numa “pastoral de eventos massivos” (Encontro Continental de Jovens de Santiago) e a outra, que aposta numa “pastoral de processo”, investindo sistematicamente na formação de pequenos grupos (Congresso de Punta de Tralca), assumindo a bandeira do protagonismo juvenil.

A caminhada, depois disso, prossegue dentro de uma conjuntura eclesial hegemônica que não prioriza a necessidade de partir da realidade, mas aposta na força evangelizadora dos eventos massivos, tomando como ponto central a figura de Jesus encarada como o Cristo da fé, deixando de lado o Cristo da história. Uma manifestação significativa e que, de alguma forma, contrastava com o vento eclesial que se vivia, foram os Encontros Latino-Americanos de Buenos Aires e Quito, onde a juventude insistia na retomada dos Processos de Educação na Fé, na importância das opções pedagógicas e na importância pedagógica da elaboração do Projeto de Vida. O resultado foi a publicação de “Projeto de Vida: Caminho Vocacional da Pastoral da Juventude” (2003).


3. Rede de Centros e Institutos de Juventude

Para se ter uma visão conjunta das articulações religiosas juvenis da América Latina é indispensável ter ciência, igualmente, das “estruturas de apoio” com as quais estas Pastorais da Juventude contam, principalmente, no campo da assessoria e da produção de subsídios para os milhares de grupos. Embora se assegure, como princípio orientador, o protagonismo juvenil, a Pastoral da Juventude sempre foi uma caminhada conjunta de adultos e jovens. Assim como os jovens fazem e decidem sua caminhada, eles desejam a companhia de estruturas que caminhem com eles. Por isso, para uma compreensão mais integral da caminhada destas Pastorais, é preciso falar dos Centros e Institutos de Juventude. Eles estão espalhados por diversos países e, a partir de 1991, começaram a encontrar-se, considerando que a “missão” de todos era a mesma: acompanhar as Pastorais de Juventude. Formaram-se, assim, duas “Redes”: a Rede Latino-Americana de Centros e Institutos de Juventude (à qual o Brasil também pertence) e a Rede Brasileira de Centros e Institutos de Juventude com seus encontros específicos. Em 2007 estiveram presentes, no encontro desta Rede, 23 Centros, espalhados pelo Brasil (14), Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Colômbia (2), Venezuela, México, República Dominicana, Estados Unidos (participa um Instituto que trabalha com jovens hispanos), Paraguai e El Salvador.

3.1 Os “pioneiros”

Entre os diversos “Centros” – reunidos em “Rede” - destacamos os que podem ser chamados de “pioneiros”: o Instituto de Pastoral Juvenil da América Latina (Bogotá, Colômbia), o Instituto Superior de Pastoral Juvenil (Santiago, Chile) e o Instituto de Pastoral de Juventude (Porto Alegre, Brasil). Os Centros posteriores, cada qual com suas características, serão apresentados de forma mais sintética, considerando a caminhada conjunta.

a) O Instituto de Pastoral Juvenil Latino-Americano e a “Casa da Juventude” (Bogotá)

O Instituto de Pastoral Juvenil Latino-Americano (IPLAJ) é o Instituto mais antigo na América Latina dedicado à evangelização da juventude. Seu idealizador foi o P. Jesús Andrés Vela S.J. que o situava como resultado do impulso nascido da Conferência Episcopal Latino-Americana de Medellin (1968). Havia, na época, na Igreja Latino-Americana, instigados pelo espírito do Concílio Vaticano II, vários “Institutos” que aprofundavam temas específicos. O IPLAJ (dirigido para a Pastoral da Juventude) iniciou como uma organização autônoma, dependendo de três Congregações (salesianos, jesuítas e irmãs dominicanas da apresentação) e o decano da Faculdade de Educação da Universidade Javeriana (Bogotá).

O objetivo era formar educadores para a educação da fé. Funcionou de 1970 a 1977, com três preocupações básicas: definir o que seria “Pastoral da Juventude”, definir o tipo de formação que se queria proporcionar e as características que deveria ter o IPLAJ. Optou-se por uma pedagogia personalizante, comunitária, de mudança e compromisso social e vocacional. Um campo onde se investiu foi na formação de assessores/as, orientadores em educação na fé que pudessem assumir este trabalho em nível de estrutura eclesial. Propunha-se ter uma linha pastoral onde os participantes fossem sujeitos de sua própria personalização, tendo como pressupostos a opção pelos pobres e jovens, a linha libertadora, a educação para a transformação e a capacitação para trabalhar nos diferentes espaços da juventude.

Depois da Conferência de Puebla (1979) o IPLAJ partiu para a forma de “Seminários de Planejamento Pastoral”, tentando superar certo “cursismo”, como se expressa o P. Vela. O Seminário tinha e tem como base o aprofundamento da práxis pastoral dos participantes, a organização e a percepção da experiência pastoral, o aprofundamento das bases teóricas da ação e a elaboração de um Marco Teórico da Ação. Era e é um Seminário “experiencial”. Quem assumiu esta nova proposta, a partir de 1979, foi a “Casa de la Juventud” que já funcionava desde 1973 e se especializara na linha da prática pastoral (Pastoral Juvenil, Semanas da Juventude, Páscoas Jovens, Encontros de Acampamento-Missão, Cursos para Animadores Juvenis, centrando-se no acompanhamento às Comunidades de Vida Cristã). As linhas de ação assumidas pela “Casa” eram o Planejamento, a Formação, o Acompanhamento, os Grupos de Jovens, a pesquisa e a publicação , a Espiritualidade e a Pastoral Vocacional. Em proporções mais modestas, mas influenciada por esta iniciativa, surgiram, na época, em diversos países, várias “Casas da Juventude”.

b) O Instituto Superior de Pastoral Juvenil (Chile)

O segundo centro mais antigo dos Centros e Institutos de Juventude, na América Latina, foi o Instituto Superior de Pastoral Juvenil (ISPAJ), do Chile – patrocinado primeiramente pela Conferência dos Religiosos do Chile. Ao longo de sua história, manteve-se fiel ao que o presidente da Conferência dos Religiosos do Chile, Padre Egidio Vigañó, dizia na inauguração do Instituto, no dia 21 de maio de 1971: “Vivimos una hora exigente de la historia, de la patria y del continente. En ella la juventud está llamada a desempeñar un papel de especial importancia. A su servicio y para su orientación y formación ha dado el Señor una misión a la Iglesia y ha suscitado en ella carismas de especialización.

O objetivo do Instituto era um serviço técnico e formativo dos agentes que têm vocação para trabalhar com a juventude. Além de preparar agentes estudava a realidade juvenil com outras instituições de pesquisa. A história do ISPAJ pode ser vista em quatro momentos:

a) de 1970 – 1980, como um momento fundacional e de afirmação de seu caráter institucional. Entre as atividades deste “momento” destaca-se o Seminário Interamericano sobre a problemática juvenil e o curso, de um ano, para assessores/as de jovens. Desde a criação o Instituto colaborava com a Comissão Nacional da Pastoral da Juventude passando a ser uma iniciativa da Conferência Episcopal Chilena.

b) de 1981 a 1990 como um “momento” de aprofundamento da Pastoral Juvenil. Um esforço importante desta década de ditadura militar de Pinochet foi o estudo de como os jovens enfrentavam a questão afetiva e a participação social e política, ajudando o episcopado a elaborar as orientações para uma Pastoral Juvenil Orgânica.

c) de 1991- 2000 como um momento “novo” e de uma “nova evangelização”, como então se falava. Tratou-se de aprofundar cada etapa da vida juvenil e os diversos ambientes específicos Destacou-se o surgimento do “Talita Kum”, um curso direcionado ao trabalho com adolescentes e ao amadurecimento de uma Pastoral Juvenil em chave vocacional.

d) de 2001 até 2008 o ISPAJ investiu fortemente na preparação de agentes, com intercâmbio especial com a Universidade Salesiana de Roma e cultivando um relacionamento mais significativo com o Instituto Nacional da Juventude, tomando mais a peito estudos sobre os jovens em risco social.

Movidos por várias dificuldades e alguns questionamentos, o episcopado chileno decidiu encerrar os trabalhos deste Instituto em março de 2008, no dia do assassinato de Dom Romero, em El Salvador (1980). A medida não deixava de mostrar uma postura por outro modelo de atuação junto aos jovens, não acreditando no valor de “partir da realidade”. Agradecimentos especiais, expressados pelos responsáveis no encerramento do Instituto, foram dirigidos ao Padre Derry, ao Padre Francisco O´Leary (ex-diretor do Instituto, falecido em 1992) e a Dom Fernando Ariztía, falecido em 2006. Foi, evidentemente, um acontecimento que ecoou, com estranheza, não somente no Chile.

c) O Instituto de Pastoral da Juventude (Porto Alegre)

Por iniciativa de cinco Congregações Religiosas (Maristas, Jesuítas, Salesianos, Irmãs da Divina Providência e Filhas do Coração de Jesus) fundava-se, em 18 de janeiro de 1980, outro Centro de Juventude: o Instituto de Pastoral de Juventude, em Porto Alegre. Os objetivos eram a Formação (de Assessores/as e Jovens), a Assessoria e a Pesquisa. Numa análise desse Instituto com um espaço invejável, uma biblioteca especializada sobre juventude, um banco de dados sobre juventude e uma infinidade de iniciativas de formação e articulação e outras características, apresentamos conclusões que uma monografia sobre esta obra apresenta . Raquel Pulita, em sua análise, se refere aos avanços e desconstruções. Quanto aos trunfos da caminhada, Pulita desenvolve cinco itens :

a) A Intercongregacionalidade. Considerando a importância do desafio, algumas Congregações (cinco, no início) uniram-se em torno da evangelização da juventude, expressa na Pastoral da Juventude. Discutiram o assunto, ofereceram seu projeto aos Bispos do Regional Sul 3 (Rio Grande do Sul), liberaram pessoas envolvidas nesse ministério, confiaram na criatividade dessas pessoas e iniciaram sua caminhada. Formou-se, até, uma comunidade de religiosos/as envolvidas nessa causa e formaram o que se tornou conhecido como “Equipe Executiva” do IPJ.

b) A proposta. O IPJ encarnou, desde o início, uma proposta pedagógica, teológica e pastoral de fronteira com relação ao trabalho de evangelização da juventude. Nem tudo era válido e não se aceitavam críticas sem fundamento. A proposta se expressava no “Marco Referencial” do Instituto e em muitas outras atividades. Dentre elas podem ser citadas: os Cursos de Assessores de Jovens, a efetivação anual do Plano de Atividades do Instituto, a montagem de um banco de dados sobre juventude e pastoral da juventude, a realização habitual da Revisão de Vida da “Equipe Executiva”, a coordenação democrática e rotativa da própria “Equipe”, a inserção na pastoral orgânica, o acompanhamento aos movimentos sociais, o espírito de acolhida da Casa etc. A proposta sofreu influências da Casa da Juventude (Bogotá); de teólogos como J.Batista Libânio e Leonardo Boff; sociólogos como Ricardo Antoncich, José Ivo Follmann, Alberto Atalíbio e José Odelso Schneider; pedagogos como Paulo Freire, Jorge Boran, Cláudio Rockenbach, Hugo Bersch, Enedina Pierdoná e Florisvaldo Saurim; psicólogos como José Hess, Antônio Baldan, e muitos outros . A própria sistematização da proposta pedagógica da Pastoral da Juventude brasileira e latino-americana era acompanhada de modo envolvente . O IPJ não era somente uma proposta que se hospedava na Casa Padre Jorge; a própria Casa era uma proposta.

c) A vida da Equipe, isto é, a forma como a Equipe Executiva do IPJ conseguiu viver, existencial e pedagogicamente. A casa era procurada por jovens e assessores porque tinham certeza que encontrariam aí pessoas para conversar sobre o trabalho com a juventude e a vida. O que se viveu foi um intenso trabalho de equipe, com funções definidas, “trabalhos especializados” para todos, realizados em espírito de complementaridade.

d) Ser referência. Impressionante como essa estrutura de apoio ao trabalho de evangelização da juventude foi adquirindo projeção. Uma realidade pensada a serviço de um “Regional”, teve que dobrar-se aos apelos de outros. Era referente porque marcava presença. Muitas vezes não era ele (o Instituto) que fazia, mas estava presente. Entre alguns eventos podem ser citados os 45.000 jovens reunidos em Passo Fundo, em 1985; o encontro de 60.000 jovens em Santa Cruz do Sul, em 1998; o “encontrão” de mais de 40 mil jovens em Santa Maria, em 2001.

e) A pedagogia. Outro trunfo que garantiu a caminhada do IPJ refere-se à pedagogia que o orientou. Tratava-se de uma pedagogia participativa, envolvendo a obra no seu todo, não somente nos Cursos que oferecia. A pedagogia estava na forma como se usava a casa, na forma como se tratavam os funcionários, na forma como se recebiam as pessoas que procuravam a Casa, no modo de ser da Equipe, na maneira como se trabalhava com os “cursistas”, no envolvimento que o IPJ demonstrava na sua vivência social e eclesial. Não é por acaso que o IPJ se envolveu com os movimentos sociais, transformando-se em refúgio de perseguidos políticos e sendo apoio para as Comunidades Eclesiais de Base. Um cenário mais conservador da Igreja sempre tinha suas reservas ao IPJ. As organizações políticas de esquerda encontravam, no IPJ um lugar para fazer seus planejamentos etc. Estava em jogo uma postura teológica, pastoral e política. É o caso de recordar, também, as parcerias com o “Mundo Jovem” e a produção de subsídios.

Esta instituição sofreu, em 2006, uma intervenção relacionada ao uso do espaço, cedido em comodato pela Província Meridional dos Jesuítas do Brasil, desde o início da obra. Assim como teve que ir à busca de outro espaço, as condições de trabalho foram fragilizadas. Está numa fase de recomeço, num outro município, mantendo seus objetivos. Vive de uma memória bonita, tendo que reiniciar sem poder contar com a força fundacional que a caracterizava. Não fica claro se a intervenção foi motivada por discordância com a orientação pedagógica reinante ou pela retomada de um espaço privilegiado (no lugar funciona, agora, uma Escola de Design). De qualquer forma, não deixa de ser um sintoma das dificuldades que enfrentam as instituições eclesiásticas e sociais quando realizam trabalhos de educação informal junto à juventude.

3.2. A realidade de uma “Rede”

Na caminhada das Pastorais de Juventude do continente latino-americano vigorava e vigora a convicção que o jovem e o adulto precisam caminhar juntos, respeitando o papel protagônico da juventude. Na década de 80 surgiram vários Centros e Institutos semelhantes aos que apelidamos de “pioneiros”: Pablo VI, em Montevidéu; a Casa da Juventude, em Goiânia ; o IPJ Leste II, em Belo Horizonte; o Aiaká, em Manaus e cerca de 15 outros, em diferentes lugares.

No primeiro encontro desta Rede Latina (1991) estavam presentes 11 Institutos: a Casa da Juventude, de Goiânia, a Casa de la Juventud, de Bogotá; o Centro de Capacitação da Juventude, de São Paulo; o Centro de Promoción Integral, do México; o Anchietanum, de São Paulo; o Instituto Arquidiocesano de Pastoral Juvenil, de Asunción; o Instituto Pablo VI, de Montevidéu; o Instituto de Pastoral da Juventude de Belo Horizonte, o Instituto de Pastoral da Juventude de Porto Alegre, o Instituto Superior de Pastoral da Juventude, de Santiago e os Servicios de Capacitación, do México (SERAJ e CEJUV). O tema foi “A Integração entre os Institutos, a realidade Latino Americana e questões de interesses comuns. Dois anos depois (1993), em Santiago/Chile, movido pela Conferência de Santo Domingo, dava-se o 2º encontro com o tema “A cultura juvenil e a formação de Assessores/as, com 12 Centros e Institutos.

Aos poucos foram sendo aceitos, na Rede Latina, outros Centros como o Servicio de Pastoral Juvenil, da Colômbia, em 1995 e o Instituto Fé y Vida, da Califórnia/ EUA trabalhando com jovens hispanos. Em 1997 começou a participar da Rede o “Instituto de Pastoral y Desarrollo Juvenil”, de Lima; em 1999 o “Instituto Pastoral Juvenil”, de Caracas; em 2001 o Centro Marista de Pastoral Juvenil, de Caracas, o Centro Pastoral Santa Fé de São Paulo, os Centros Maristas de Montes Claros (MG), Palmas (TO), Natal (RN) e Colatina (ES), o Instituto de Formação Juvenil, de São Luis/Maranhão, o Instituto Cardeal Eduardo Pironio, de Buenos Aires. e o SEJUVE, de San Salvador/ El Salvador .

Toda a década de 1980 esteve banhada pelos esforços da Igreja Latino-Americana em concretizar os sonhos de Medellín e Puebla optando pelos pobres e pelos jovens e confirmando a metodologia que parte da realidade. Em muitos países os jovens estiveram em destaque e a organização e a articulação de uma Pastoral Juvenil, nos países e no continente, receberam a atenção, o cuidado e o apoio por parte da hierarquia e de Congregações religiosas com opção pelos jovens e por uma vida mais inserida junto aos pobres.

Os termômetros indicavam, por isso, um tempo favorável para uma articulação dos serviços prestados à juventude. As Pastorais da Juventude, em sua organização, tanto nos países como em nível de continente, começaram a viver um momento maduro de organização e fortalecimento. O clima gerado pelo Congresso Latino Americano em Cochabamba/Bolívia (1991-1992), visualizava esse esforço de todas as Conferências. Crescia o esforço de organizar serviços de formação, assessoria e pesquisa para o acompanhamento da juventude e sua pastoral resultando no surgimento de “Centros” com características distintas, mas prestando serviços comuns. Tudo isso aquecia o coração e fazia brotar desejos de encontros e de troca de experiências. Jorge Boran (Brasil) e Tere Lanzagorta (México) são os leitores destes desejos e, em 1990, “dialogaron sobre la necesidad de realizar un encuentro con representantes de institutos de trabajan al servicio de la Pastoral Juvenil y/o de los jóvenes (directamente) y juntos convocaron a un primer encuentro instituciones que ellos conocían y otras que fueron propuestas por aquellas” .

Haviam começado a realizar-se, também (1984), os Encontros dos Responsáveis Nacionais da Pastoral da Juventude (ELARNPJ), tratando de diferentes temas: “Elementos para la Propuesta e la Civilización del Amor” (1983), em Fusagasuga/Colombia e, em Zipaquirá/ Colombia (1985); “Proyecto de Directorio de Pastoral Juvenil” (1986), “Redacción del Directorio de Pastoral Juvenil” (1987) e “Pastoral Juvenil, Sí a la Civilización del Amor” (1988), todos em Bogotá; “Opción Pedagógica y Etapas de Nucleación e Iniciación en los Procesos de Educación en la Fe de los Jóvenes”, em Caracas/Venezuela (1989); “Etapa de Militancia en los Procesos de Educación en la Fe de los Jóvenes”, em Quito/Ecuador (1990) e “Pastoral Juvenil y Cultura”, em San José/Costa Rica.

O 3º Encontro da Rede foi no México (1995), tendo como tema o aprofundamento de duas experiências: o Seminário de Planificação, da Casa da Juventude de Bogotá, e Projetos dos Centros Juvenis de bairros, do México. Por outro lado, no 4º Encontro, em Lima/Peru (1997) o tema foi Fundamentos da metodologia da Pastoral Juvenil. Importante dar-nos conta que, um pouco antes, se lançava o livro Civilização do Amor: Tarefa e esperança – orientações para a Pastoral da Juventude Latino-americana, uma retomada do livro Pastoral da Juventude - sim a Civilização do Amor, de 1987. Embora em espaços diferentes, a caminhada se dava em conjunto.

O 5º Encontro (1999), em Cupertino (EUA), retomava o tema “Fé e Culturas Juvenis”. Haviam-se realizado (em 1998), no continente, dois eventos significativos: o Encontro Continental de Jovens, em Santiago/Chile, com mais de um milhão de participantes e o II Congresso da PJ Latino-americana. O Congresso teve como tema: “Protagonismo e compromisso dos jovens como profetas da vida e da esperança na América Latina, a partir das mudanças culturais, das realidades de pobreza, no inicio do terceiro milênio” e seu objetivo geral era “formular nuevas líneas de acción y compromiso de la Pastoral Juvenil, del Continente hacia el III Milenio, a partir de la valoración del camino recorrido, los cambios culturales y la situación de pobreza, en orden a contribuir en la construcción de una nueva América Latina, expresión de la Civilización del Amor”. A situação juvenil se apresentava desafiante e exigia uma união de esforços tanto nos aspectos internos da Igreja como da academia. O desafio dos Centros e Institutos se expressava na vontade de motivar e formar assessores adultos, dispostos a acompanhar os processos dos jovens e capacitá-los para responderem à problemática que se apresentava.

Talvez por causa disso o 6º encontro da Rede (2001), em São/Brasil teve como tema “O emotivo, o simbólico e o espiritual em uma Pastoral da Juventude libertadora. Assim como o “Jubileu dos Jovens”, em Roma, reunia 2 milhões incentivando “encontros massivos” como os da Jornada Mundial, começava a se evidenciar a política de desarticulação de uma Pastoral da Juventude que priorizava o protagonismo juvenil. Na América Latina o ELARNPJ de 2001, em Buenos Aires/Argentina, retomava o Processo de Educação da Fé, direcionado para a elaboração do Projeto de Vida. Interessante verificar, por isso, que o 7º Encontro da Rede (2003) em Caracas/Venezuela teve como tema “O projeto de vida no contexto da juventude empobrecida na América Latina” e, dois anos depois, no encontro de 2005 (Buenos Aires) “O Acompanhamento para a maturidade da fé do jovem em um contexto latino-americano”. No encontro de 2007, em Belo Horizonte/Brasil, o tema foi “Processos de acompanhamento do Protagonismo Juvenil: discípulos no exercício da cidadania”.

Tendo em conta essa caminhada geral, tanto das Pastorais de Juventude como da Rede de Centros e Institutos, toma um sentido novo o fato de a Vª. Conferência Episcopal Latino-Americana, em Aparecida retome a opção pela juventude, reconhecendo a o processo vivido pelas Pastorais de Juventude, especialmente os processos de educação da fé por elas sistematizados.

CONCLUSÃO

As três experiências nos apontam para uma visão ampla sobre a presença juvenil, católica, na sociedade latino-americana. Recordam, primeiramente, que a Igreja Católica, como instituição milenar, só iniciou a ter, no seio dela, experiências juvenis, respeitosas do protagonismo juvenil, na primeira metade do século XX. Neste sentido a Ação Católica Especializada teve um papel preponderante, com todos os conflitos que teve que enfrentar, dentro e fora da Igreja Católica. Tratava-se, no entanto, de uma realidade mais ampla do que a da Igreja Católica. A sociedade adulta, como um todo, sempre resistiu em crer na “novidade”, assim como ainda resiste em aceitar, por exemplo, o “feminismo” ou a questão de “gênero”. Neste sentido a experiência do Secretariado Latino-Americano, com todos os seus limites, carrega um significado enorme.

Assistimos, nas experiências visualizadas, “processos” que vão amadurecendo na forma de encarar a “boa notícia” para a juventude. Verifica-se, por exemplo, o caminho de um dinamismo que vai alternando o social e o pessoal. Mesmo de forma superficial, percebe-se, na caminhada dos Encontros Latino-Americanos de Responsáveis da Pastoral da Juventude, que há tempos em que o “social”, encarado com o auxílio de um método que parte de uma visão científica da realidade, parece hegemônico. Surgem, contudo, outros momentos em que as questões internas e os problemas emocionais, do louvor e das multidões, com duração momentânea, vai tomando conta, novamente. Ficou visível que a caminhada das “Pastorais”, como expressão da instituição-igreja, é marcada por diversos conflitos. Assim como é uma luta conquistar seu espaço na sociedade e na própria Igreja, acrescenta-se outro capítulo essencialmente juvenil: a eterna busca da identidade.

O processo vivido pela Rede como Rede é, ainda, difícil de delinear com mais clareza. Fica evidente, contudo, a vivência conjunta com a realidade das Pastorais de Juventude e da juventude como tal, mantendo-se sólida, por exemplo, na opção por uma metodologia definida, tanto nas assessorias como na elaboração de materiais pedagógicos bem como na permanência decidida em algumas opções como é a opção pelos empobrecidos. O mesmo se pode dizer do avanço e da compreensão de outros campos de trabalho, como o atendimento direto aos jovens, o aprofundamento do estudo da realidade juvenil, a defesa da vida e dos direitos da juventude, a resistência a um modelo de Igreja que tem dificuldade em reconhecer o protagonismo dos/as leigos/as e jovens na construção do Reino de Deus, a valorização pedagógica e teológica de espaços para a atuação de cristãos/ãs vivendo o ministério da assessoria e do acompanhamento aos jovens e seus grupos. Fica evidente, também, que dentro e fora das igrejas o trabalho com a juventude se caracteriza no cultivo da necessidade, para uma sociedade justa, das iniciativas que se situam na geografia do “desvio social” porque a juventude não deixa de encarnar o “novo” e o imprevisível.

Na preparação do encontro da Rede, em 2007, um estudo afirmava que se assistia a uma alteração na metodologia e no modo de viver a Evangelização na América Latina. A proposta das Pastorais de Juventude, apesar do pronunciamento da Conferência Episcopal de Aparecida e apesar de um documento significativo como é “Evangelização da Juventude – Desafios e Perspectivas Pastorais” (2007) o trabalho com a juventude, além de carregar só por si enormes desafios, continuará a ser alvo de críticas e rejeições. Ao mesmo tempo em que vemos instituições procurando fugir do marasmo, a juventude se vê vocacionada a dizer que a novidade deve ser sempre real, até no corpo em que vive. Socializando a caminhada das articulações juvenis, católicas, na América Latina não estamos frente a um processo simples de ser percebido. Além dos limites geográficos e das escolhas que fizemos para perceber uma realidade, muitas outras realidades foram aparecendo, provas da riqueza que estas articulações significam para dentro e para fora de uma caminhada eclesial.


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