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sábado, 22 de novembro de 2008

O NOVO SITE DO OBSERVATÓRIO JUVENIL DO VALE ESTÁ NO AR!


O Observatório Juvenil do Vale já está com seu novo site à disposição.

Realizamos algumas mudanças para atualizar nosso trabalho e manter nossos parceiros bem-informados.
Seguimos com o Blog do Observatório, mas nossa página institucional agora pode ser acessada aqui.

Visitem-nos, são tod@s bem vind@s.
E continuem nos enviando suas contribuições.

Saudações

Equipe do Observatório Juvenil do Vale

Um olhar sobre a realidade da juventude latino-americana - Parte III - Final

Carmem Lúcia Teixeira



3. Focando o olhar em alguns dados da realidade da juventude no continente

Na America Latina e no Caribe nunca houve tantas pessoas entre 15 e 30 anos. Possivelmente, esse fato pode demorar, ou não mais se repetir pela queda da natalidade em vários países. Segundo o relatório da OTI há 10 milhões de desempregados, 22 milhões de jovens que não estudam e mais de 30 milhões que trabalham na informalidade ou em condições precária. Entre os desempregados, os jovens são 46% do total. Dos 106 milhões de jovens em nosso continente, em 2005, 48 milhões trabalham e 49 milhões estudam, 13 milhões estudam e trabalham, inativos que não estudam 32 milhões, desempregados que estudam são 4 milhões...Tudo isto significa uma magnitude de necessidades bem diferenciadas porque uma das características é a pluralidade. O que exige dos governos uma intervenção qualificada na proposição das políticas públicas.

Os jovens que procuram emprego são conscientes das exclusões que sofrem por motivo de gênero, procedência geográfica, raça, aparência, origem étnica, idade e até políticos [...] No Brasil 6,6 milhões de trabalhadoras domésticas, em sua maioria negra (IBGE). Deste total só 26% tem carteira assinada (p.42-43).

Os jovens indígenas estão entre os mais vulneráveis e desprotegidos. De acordo com uma estimativa, entre 30 a 50 milhões são jovens e se concentram em cinco países: Bolívia, Equador, Guatemala, México e Peru (p.46).

No entanto é impossível garantir a participação da juventude no desenvolvimento dos países apenas através de Políticas Públicas tomando em conta, além disso, que, a partir da década de 80, há um agravamento da crise econômica e uma redução do aparato do Estado. Os jovens passam a ter maior atenção com a declaração do ano Internacional, em 1985, com as políticas públicas voltada para a juventude. Os três problemas apontados como principais, da juventude hoje, são o desemprego e a qualidade do emprego, a educação e o acesso aos riscos associados de família - o que revela o agravamento da pobreza e dos processos de exclusão.

Para onde apontam essas lentes

Todos esses dados, aos olhos de educadores/as de jovens, devem provocar várias perguntas diante das conseqüências visíveis entre os jovens, de modo especial entre os empobrecidos: homicídios, suicídios, abuso de tóxicos, entre outros fatores que ofendem a vida e que não podem ser encarados somente sob a ótica moral.: De que estes jovens estão fugindo quando se drogam? O que eles estão negando? Quando tatuam todo o corpo, o que estão comunicando? Quando picham toda a cidade, qual é o anúncio ou o grito que lançam para essa sociedade organizada a partir do mundo adulto, sem espaços para a comunicação?

Olhar para essa América Latina e Caribe exige perguntar-nos pelas potencialidades sufocadas pela cópia ou pela destruição de nossa originalidade em nome do progresso ou do sistema ocidental imposto tanto pela cultura como pela economia. O grande desafio é o mesmo de um grande restaurador de obras: limpar o que foi colocado por cima da pintura até encontrar o que é original...

Por isso a importância de exercitar, entre os jovens e com os jovens, novas formas de construir a auto-estima, olhando para sua cultura, sua visão de mundo, as histórias, as artes, as danças e tudo que é produzido neste continente, fruto destes encontros e desencontros que foram acontecendo nestes séculos de convivência, ocupação, violência, fazendo surgir novos estilos de viver que foram juntando sul com sul: áfricas e américas que foram se misturando e, ao mesmo tempo, se construindo nas dores e nas alegrias.

Reconhecer os jovens como sujeitos de direitos, portanto, trabalhar políticas e ações que possibilitem o crescimento como seres a partir de sua originalidade. Isto exige lentes que nos permitam aproximar-nos desta diversidade, visitando cada lugar, comunidade indígena, negra, popular, cada uma de nossas cidades, países ou regiões para que possamos olhar com cuidado e respeito contribuindo que as políticas públicas sejam concretizadas e para que os direitos sejam garantidos. Essa é a próxima tarefa, a partir dos dados. Porém, para além delas, com outras iniciativas, lutar para que seja permitida a construção de um outro mundo com outras referências onde a América Latina e o Caribe possam ser um terrenos férteis, de respeito, não só aos jovens, mas a cada um dos seres vivos que habitam esse tempo e espaço.

Bibliografia

DUARTE, Klaudio. Juventudes populares: el rollo entre ser lo que queremos, o ser lo que nos imponen...Editora Tierra Nueva, Quito, Ecuador, 1998.

FREITAS, Maria Virgínia (org), ABRAMO, Helena Wendel, LEÓN, Oscar Dávila. Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais, 2ª edição. Ação Educativa, 2005.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Um olhar sobre a realidade da Juventude latino-americana - Parte II

Carmem Lúcia Teixeira


2. Tirar a trave do olho para mirar a juventude

Num estudo para identificar as políticas publicas para a juventude, realizado por uma investigadora da Costa Rica[1], foi proposto considerar o olhar para a juventude a partir de quatro paradigmas que determinam as ações que visam responder às necessidades da juventude:

a) Juventude como período preparatório

b) Juventude como etapa problemática

c) O jovem como ator estratégico do desenvolvimento

d) A juventude cidadã como sujeito de direitos.

O primeiro concebe a juventude como período preparatório. Neste paradigma está presente a concepção de transição da infância para a idade adulta. As referências para a formação são dadas pelo mundo adulto. A política por excelência, segundo o estudo, é a educação. Ela será dada de modo formal e também informal, pelos diversos grupos e instituições organizadas pela sociedade, desde as Igrejas com todos os programas destinados a este público e com essa finalidade. Pode ser observado na formação para o exercício das lideranças nos seminários, congregações religiosas, entre outros grupos e movimentos destinados aos/às jovens.

O segundo paradigma, concebendo a juventude como etapa problemática, tem como discurso comum a prevenção. Está presente a idéia de evitar que o jovem “se perca”... Por isto se constroem quadras de esportes e se fazem outras proposições com a finalidade de ocupar o tempo livre do jovem, não porque tem o direito ao lazer e ao esporte, mas, como forma de “prevenir” contra drogas, marginalização, ou seja, “comportamento de risco e agressão”. Esse olhar viciado sobre os jovens é marcado pelo preconceito como se todos/as estivessem sempre se “organizando” para se drogar ou, mesmo, preparando-se para a prática do sexo. Por isto, programas de prevenção às doenças, a preocupação com a gravidez precoce, etc. Por isso a política de saúde que encontramos.

O terceiro paradigma olha a juventude como ator estratégico, responsabilizando-se os jovens por todas as possíveis transformações da sociedade. Está nas mãos dos jovens a “revolução”. Olha-se para os jovens como um potencial, como uma energia, como mudança, como transformação... colocando nas costas deles/as toda a responsabilidade por um mundo que ele está recebendo como herança de um trajeto histórico. Essa concepção frustra tanto o adulto como os jovens porque se coloca muita expectativa e muita responsabilidade sobre o sujeito. É a razão da cobrança da geração que se manifesta, por exemplo, na comparação entre as gerações, idealizando as gerações passadas, de modo especial a juventude dos anos 60. Impossibilita ver as reais necessidades e potencialidades que os jovens têm, hoje, de apresentar e construir respostas para o seu tempo. Intensificam-se, por isso, as políticas de esporte, lazer, arte e cultura.

O quarto paradigma olha a juventude como cidadã e sujeita de direitos. É um paradigma que está em nossa pauta, presente em vários espaços de nossa América Latina. É por onde as construções das Políticas Públicas necessitam pautar-se.

...a juventude é compreendida como etapa singular do desenvolvimento pessoal e social, por onde os jovens passam a ser considerados como sujeitos de direitos e deixam de ser definidos por suas incompletudes ou desvios. Tal diretriz se desenvolve, em alguns países, depois dos anos 90, em grande medida inspirada nos paradigmas desenvolvidos no campo das políticas para a infância e para as mulheres. Muda os enfoques anteriores principalmente por superar a visão negativa sobre os jovens e gerar políticas centradas na noção de cidadania, abrindo a possibilidade da consideração dos jovens como sujeitos integrais, para os quais se fazem necessárias políticas articuladas intersetorialmente. (ABRAMO, 2005, p.22)



[1] KRAUSKOPF (2003, p.8-25)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Um olhar sobre a realidade da Juventude latino-americana - Parte I

Carmem Lúcia Teixeira


Observar, olhar o outro e a si próprio,

significa estar atento, buscando o significado do desejo,

acompanhar o ritmo do outro buscando sintonia com este.

Madalena Freire


O exercício proposto por Madalena Freire, exige um movimento no olhar que é dado por uma diversidade de elementos. Primeiro, é sempre a partir de um ponto, de um desejo, de um ritmo e creio que o mais complexo será estar em sintonia para quem se olha. Esse olhar revela cumplicidade. Não tem neutralidade. Ao contrário, é marcado por uma série de opções que se vai fazendo ao longo do caminho.


Klaudio Duarte (1998) afirma que, no esforço de compreensão da juventude latino-americana, é preciso construir uma moldura que demarca essa sociedade na sua constituição:


Es patriarcal (reconoce la diferencia entre hombre y mujer, pero pone a éstas como objeto de dominación masculina); es racista (la raza blanca es considerada superior a cualquier otro tipo de raza o etnia: negra, aborígene, asiático, etc.); es de cristiandad (desde hace siglos es la religión del imperio occidental, dominadora y cooptadora de cualquier otra vivencia religiosa autóctona o nueva, sobre todo aquellas que se plantean la superación de la idolatría); [...] es una sociedad autocéntrica, pone en condición de inferioridad y de preparación a niñas e niños, jóvenes ya la tercera edad (pág. 16).


Essa moldura cultural está sustentada pelo sistema econômico de base capitalista, com seu estilo de vida centrado na mercadoria e pelo lucro. Toda a vida das pessoas, bem como o ritual de inclusão ou exclusão na sociedade, é determinada pelos bens e por esse conjunto de idéia assumido de forma naturalizada como norma para a vida. Como sabemos que o sistema – para continuar em funcionamento - exige que todas as instituições: família, escolas, Igrejas, sindicatos, entre outras, como os meios de comunicação, continuem educando as pessoas para sua manutenção e para sua defesa como único modo viver, porque tem qualidades defendidas por todos como a liberdade, a fraternidade e a igualdade. Esses ideais são defendidos mesmo que na realidade seja o contrário. A defesa se dá como se todos os direitos prometidos estivessem em vigor.


Se, para funcionar, o sistema necessita de uma religião que eduque para suportar todas as ausências, celebraremos com intensidade a sexta-feira da paixão e todos os outros rituais de morte para elevar para o além as nossas necessidades mais vitais ou sublimar os sofrimentos... Se for necessário, que os pais se sacrifiquem para a educação dos filhos, que os formem ou que os eduquem para obedecer ao sistema e os criaremos como famílias patriarcais e as manteremos de tal forma que as desigualdades estabelecidas e normalizadas, em relações, nunca sejam questionadas. Se precisarmos formar pessoas que, desde cedo, na sua formação escolar formal, precisam sentir-se diminuídas, incapazes de desenvolver suas capacidades - porque está dentro da normalidade imposta pela escola aprender a língua “culta” e desaprender o modo de falar e pensar das comunidades rurais, indígenas, afro descentes - teremos escolas especialistas em excluir. Estas experiências ele as vivenciará mais tarde, quando estiver no mercado de trabalho, onde não tem emprego para todos/as. O lucro é somente para uma minoria...


Todas as idéias que sejam críticas ao sistema, são banidas. O mesmo sucede com as lideranças com um olhar mais crítico. Assim não dá porque há algo errado no que está “naturalizado”... Por isso essas lideranças são perseguidas, algumas até a morte, para que não acordem a população vivendo maquinalmente e fazendo funcionar o sistema gerador de lucro à custa da vida de milhares.


Esse modo de pensar é que vai construir, também, os conceitos sobre a juventude latino-americana, dizendo - com um discurso hipócrita - que “o jovem é o futuro”. De fato, é futuro se tiver sendo classificado como mão–de-obra barata ou como mera oportunidade para inserir-se no mercado.


En un joven y en una joven pobre, nuestras sociedades occidentales capitalistas potencialmente ven soldados [...] ; también ve electores; e [...] consumidores y también manos de obra para la producción. No ve personas, ni sujetos con capacidades y potencias liberadoras, no ve presente (sólo futuro), no ve sentimentos legítimos, sólo problemas y recambio para asegurar el funcionamiento de su sistema de vida (y de muerte). (DUARTE, 1998, p.18).


Essa moldura centra o olhar e condiciona a contemplação. Olhar para a juventude latino-americana que vive abaixo da linha do Equador, em sua maioria, tem história em comum marcada pela expansão deste sistema capitalista em épocas diferentes e com estratégias bem diferenciadas. Desde a chegada do povo do norte por aqui, ele trouxe um modo de vida com sua visão de mundo e com valores que impuseram em substituição aos que aqui eram construídos e vividos. Foi-nos dito que tudo que vinha do norte era o correto e importante, tanto que em nossas escolas e universidades todos os tempos nos impuseram as referências do conhecimento e nós as repetimos. Basta ler a bibliografia dos mestrados e doutorados.


Superar o pensar ingênuo que considera o conhecimento estático, normatizado e bem comportado - que gera acomodação porque repete o que já está pronto - é o oposto ao pensar crítico que transforma permanentemente, cria um movimento de humanização e impõe diálogo. Diálogo como ato de coragem, que tem compromisso com os seres humanos. “É um ato de coragem comprometer-se com a libertação”,provoca Paulo Freire[1].


Deixar de olhar para cima, ou para o norte, no mapa, e olhar para nós mesmos é um exercício que exige mudança de direção e que facilita nosso olhar mais cúmplice para a realidade da juventude latino-americana. Olhar para nós mesmos para perceber sua pluralidade presente em cada país, em cada região, em cada cidade, comunidade indígena, quilombola ou ribeirinha deste imenso continente diverso desde a flora, fauna até os estilos de viver cada tempo de nossas vidas. Olhar para a juventude é reconhecer que ela é múltipla e diversa.


Essa mudança de olhar irá exigir novas leituras de investigadores/as, estudiosos/as, produtores/as de culturas de saberes e sabores nas suas mais diversas formas; exige reconhecer, aqui, a riqueza de se fazer gente neste continente. Estudar Paulo Freire, Sara Pain, Pichón Revière, Mariategui, Gustavo Gutierrez, Leonardo Boff, Rosa Maria Muraro, Henrique Dussel, Juan Sobrino entre tantos e tantas. Quer dizer: olhar a juventude buscando identificar as novidades que estes provocam, criam, buscam e, também, o modo como repetem as lições condicionadas desta moldura cultura e econômica pela qual estamos marcados/as.


[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.