Páginas

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O QUE VIMOS E OUVIMOS, NÓS O ANUNCIAMOS

Crônica sobre o Dia Nacional da Juventude
Santa Maria/RS 2014
Hilário Dick
Quando Simone, Silon, Dudu e eu pegamos a estrada para Santa Maria, sabíamos que nos esperava muita chuva, buracos, horizontes imensos, bobagens, risos, curiosidades, informações turísticas e muita curiosidade em ver quem se encontraria no Dia Nacional da Juventude dos grupos de jovens da Pastoral da Juventude do Rio Grande do Sul. E assim se fez.
- Logo mais vamos pegar chuva! dizia Silon.
- Dudu, primeira vez que vais a uma “coisa” dessas?
- Já passamos aqui – dizia Simone.
Eu, quase não falava. Admirava as curvas, chamava a atenção para o buraco que já passáramos e sonhava:
- O que será este Encontro?
Os grupos haviam refletido o lema “Feitos para sermos livres e não escravos” e estavam indo para muitas estradas que levam a Santa Maria, pensando com Jeremias que é preciso praticar a justiça e o direito e livrar o oprimido das mãos do opressor.
- Coitada dessa gurizada que vai viajar de 5 a 6 horas, no meio de baldes de chuva! dizia a Simone.
- Assim que é bom, respondia Dudu. Jovem gosta é de aventura...
No meio da chuva acompanhada de raios e trovões, chegamos. A Tauana até fora falar com o motorista do ônibus, perguntando se tudo estava bem. Não ficou claro se quem tinha medo era a Tauana ou o motorista...
A coordenação da Pastoral da Juventude havia solicitado que eu falasse algo do sentido e da história do Dia Nacional da Juventude. Quando vi a meninada, reunida naquele espaço grande, fervilhando como abelhas alegres por se encontrarem, pensei:
- Como fazer que me escutem?
Senti que todos estavam alegres, mesmo não tendo eles e elas dormido a noite toda, viajando em meio aos raios. Não sabia quando era para falar, mas a Débora veio e me disse, quando a meninada ainda não sabia que talvez tivessem que escutar alguém:
- Venha, diga umas palavras de saudação...
E ela acrescentou:
- Bem curtinho.
Débora é minha confessora... Depois de uns quantos, falei dois minutos. Logo após, debaixo de guarda-chuvas e com muita disposição, a meninada foi encaminhada para o santuário de Nossa Senhora Medianeira. A igreja cheia... Um e outro mais adulto olhava arregalado para toda esta meninada e não acreditou que uma missa com jovens poderia ser tão bonita. Cantos, palmas, dança, bispo falando, jovens falando.
- Que bem que falou este menino! dizia aquela senhora para o seu marido.
E assim foi. E a missa, sempre abençoada pela chuva da Medianeira, acabou e voltamos para aquele espaço grande, desviando das águas correndo na rua. Quem ficou nervoso, então, fui eu:
- Será que tenho que falar mesmo?
Veio Betina, veio Débora, veio Carlos, veio Alberto, vieram vários e disseram:
- Vai ser agora...
Emocionado, tentei começar a minha fala. Até cantei gregoriano para ver se aquele enxame enorme, vindo de quase todas as dioceses do Rio Grande do Sul, se aquietava. E ele se aquietou. Iniciei dizendo que é mais feliz quem é dono de sua história. Aliás, acentuei dizendo que “é feliz quem sabe a sua história”. Me lembro que disse que precisamos ser bíblicos, cultivando a memória. Aliás, foi o que aprendi do Papa Francisco. Claro que falei a frase de Che Guevara: “Um povo sem memória é um povo sem coluna vertebral”. Contudo, recordar a história do Dia Nacional da Juventude em nível de Brasil e de Rio Grande do Sul não é só lembrar um evento, mas recordar um processo vivido com subsídios, liberação de jovens, escolas de juventude, instituições de formação, com milhares de grupos se encontrando de diversas formas, em muitos lugares.
A celebração do Dia Nacional da Juventude, no Brasil, começou em 1985, em grande parte por reação com a forma como a TV Globo quis celebrar o Ano Internacional da Juventude. Tomando nas mãos problemáticas concretas vividas pela juventude, os temas dos DNJ´s sempre foram missionários: a Nova Sociedade, a Terra, a Educação, o Trabalho, a Cidadania, as Políticas Públicas de Juventude – assuntos que nem sempre agradavam algumas autoridades.
No Rio Grande do Sul celebrou-se o DNJ durante os 29 anos de sua existência em nível de paróquia, de diocese e de Estado. Em nível de Estado, houve cinco encontrões, nestes anos, sempre com muita juventude. Na média 45 mil. Era bonito de se ver... Valia a pena comer muita poeira para a gente se encontrar em Passo Fundo, em Santa Cruz do Sul, em Santa Maria e em Canoas... O que valia era a união de fé e vida; de fé e política, de realidade social e espiritualidade. Enfim, somos um povo que caminha em sua integralidade. Deus não nos fez para rezarmos somente nas sacristias...
Por isso não deixei de falar que o DNJ é uma expressão do modelo de Igreja que a Pastoral da Juventude acredita; uma Igreja que quer ser encarnação do Reino e inserção na realidade, também através do testemunho e da celebração. Não é a Igreja que deve ficar na sacristia, mas é preciso que a sacristia se desloque para o mundo. Sendo tema desse Dia a Defesa da Vida, precisamos dar-nos conta de que assim como cresce a consciência da dignidade humana, cresce igualmente a possibilidade da maldade onde o outro se torna, cada vez mais, objeto, especialmente através do capitalismo e do neoliberalismo. Para quem defende a vida, ninguém pode ser usado como objeto.
Após muitas recordações, cochiladas; após ver muita água; após encontrar tanta gente; após ter podido viajar nos mares da vida e celebrar uma juventude que é e sabe ser muito bonita; após confirmar-nos que a juventude é coisa de Deus, Silon, Simone, Dudu e eu chegamos aos abraços e agradecimentos pela convivência. A Kaká foi bem espontânea:
- E vocês já voltaram?

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A VIDA VENCEU A MORTE - (cinco anos da ascensão de Padre Gisley)

Na última vez que fui lá, fui direto. A cruz que grita, naquela subida da estrada, que foi ali que tu voaste para dentro da vida, está lá. Senti necessidade dessa visita reverente. Dias antes, tinha passado na sede da Conferência Nacional dos Bispos onde as pessoas simples se juntam aos milhares de jovens que sentem saudade da tua alegria e, como diz meu amigo Quim, do mistério que já foste no meio de nós e continuas sendo.

Sei que estás acompanhando as coisas da nossa Igreja e da juventude com vontade grande de ser mais respeitada e menos manipulada. Sei que a lâmpada de esperança e de luta que alimentavas nas nossas rodas, esta lâmpada está viva. Aliás, tu já viste teu  nome burilado naquela vela enorme? A vela está tão bonita que parece estar cantando os mantras dos quais gostavas.

Acho uma pequena besteira, mas depois de cinco anos queria pedir-te desculpas. Sabes por quê?  É que a edição de Civilização do Amor – Projeto e Missão  (ao menos a tradução para o português) não foi dedicada a ti. Mais ainda: pedir-te desculpas porque naquela lista de pessoas que deram a vida pelo povo e também pela juventude, teu nome não consta naquela lista que se conseguiu fazer. Claro que não poderias estar antes de Dom Romero ou de Dom Helder ou de tantos outros, Dons e não Dons, mas no meio daquelas outras figuras lindas, nos esquecemos de pôr o teu nome. Sei que vais rir desse nosso esquecimento, mas sinto necessidade de pedir desculpas. Aliás, como vão Florisvaldo, Albano, Walderes  e tantos outros e outras que a gente não esquece, mas não se lembra do nome? Diga a eles que continuem mandando  suas bênçãos. Sabes que ainda existem os que insistem que a Teologia da Libertação morreu?

Gisley, estás assistindo a Copa Mundial de Futebol? Tu deste uma olhada na beleza dos estádios,  na força que o povo brasileiro faz para mostrar que ele não é só isso ou aquilo? Claro que tem aqueles que não sabem se alegrar  com a diminuição dos pobres e com a conquista dos direitos dos negros, indígenas e tanta outra coisa, mas tu nos ensinaste que é preciso dar uma por cima, ter esperança. Naquele dia em que fui ver a cruz que mostra onde voaste para a vida alguém muito querido me disse que precisamos esperançar.

Estou vendo que os Arcanjos te estão chamando para o ensaio daquele mantra que vai ser cantado por todo o universo, sem deixar de lado nenhuma estrela nem planeta. Vá lá. Um forte abraço.

Teu irmão, P. Hilário Dick

15 de junho, no dia em que voaste para a vida.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

PERGUNTINHAS AO BORAN

Muita gente conhece o P. Jorge Boran, assessor do Setor Juventude da CNBB nos anos 80, autor de livros muito lidos por jovens da Pastoral da Juventude, presente na articulação da Pastoral da Juventude da América Latina, fundador do Centro de Capacitação da Juventude, criador do CDL diferente em 80 dioceses do Brasil e muita outra coisa. Assim como em junho ele escreveu um texto criticando pessoas e instituições da Pastoral da Juventude, agora lança Será que a PJ desaparecerá no futuro próximo? Escrevi uma resposta ao texto de junho, mas só mandei para ele. Dessa vez vou ao público com algumas perguntinhas ao P. Jorge. Há coisas que não se podem calar.

1.      Em vez de ficar repetindo coisas que já disse muitas vezes sobre a Pastoral da Juventude e que todos nós sabemos e procuramos encarar com as forças e inteligências que temos, em vez de escrever esta ladainha de defeitos e juízos e preconceitos, o senhor não poderia ter escrito algo bonito sobre os 40 anos de Pastoral da Juventude que o senhor também viveu? Tomando um aspecto mais concreto, para começar:  por que o senhor fica louvando o documento 103 “com muita aceitação dos bispos” (como você diz) e não fala dos questionamentos episcopais que houve do mesmo documento lançado em Natal/RN? O documento 103 não substitui o documento 85; ele trai o documento 85. Você não sabe isso? Não seria mais interessante você escrever coisas novas e bonitas sobre o Documento 85 da CNBB – Evangelização da Juventude: Desafios e Perspectivas Pastorais ou sobre Civilização do Amor – Projeto e Missão do CELAM para animar os/as jovens, lideranças e assessores/as a lerem e estudarem estes dois documentos fundamentais para quem trabalha na evangelização da juventude? Por acaso o senhor esteve na elaboração deste documento (103) que só sabe falar da identidade das Pastorais da Juventude e nada das outras “expressões”? Aliás,  naquele Encontro de Revitalização do qual você cuidou da metodologia e falou do “Julgar”, quem dos que estiveram assessorando este encontro, participou efetivamente do processo latino-americano de encaminhamento dessa revitalização ou esteve ativo na elaboração de Civilização do Amor – Projeto e Missão? O senhor sabe, certamente, que o documento do CELAM (o falado) é o livro mais vendido pela editora da CNBB, e isso não é importante?  Os compradores seriam, por acaso, as “expressões” nas quais o senhor não vê nenhum defeito porque a culpa de tudo, da crise que vive a evangelização da juventude no Brasil, é a tal da Pastoral da Juventude  que alguns bispos chamam de “comunista”?

2.      O senhor está convencido da história que conta do surgimento do conceito Pastoral Juvenil, aqui no Brasil? Muito estranho ler isso de sua parte que esteve, por um bom tempo, frente à articulação da Pastoral da Juventude na América Latina. Por que, de repente, um Setor que respondia pela Pastoral da Juventude se torna outra coisa e se identifica com Pastoral Juvenil? Tratar-se-ia de alguma “concorrência”, como o senhor fala com imensa infelicidade, ou será que temos que negar que o conflito dos cenários de Igreja vai além de concorrências de dominação? Estamos no mundo da competição?  Você sabe o que pode significar o senhor falar, em vez de “assessor”, de “acompanhante” ou de “cuidante” e comparar esse ministério com o técnico do time de futebol? A comparação tem sentido, mas parece querer esquecer o coração de uma atividade que se coloca em outra geografia (fora do campo de futebol). Aliás, é muito triste ver o senhor afirmando (entre tantas outras “sabedorias”) que é estratégia da Pastoral da Juventude não ter assessor/a adulto/a, seja do clero seja do mundo dos religiosos, não sei para quê. O senhor sabe muito bem que foi a Pastoral da Juventude (e nenhuma outra “expressão”) que começou Cursos de Pós-Graduação em Juventude em várias partes do Brasil e da América Latina. Por que será que foram fechadas instituições como a Casa da Juventude (Bogotá), o ISPAJ (Santiago do Chile), o Instituto Pablo VI (Montevideo) e, mais perto do nosso nariz, o IPJ (de Porto Alegre) e a CAJU de Goiânia? Aliás, como você diz, os culpados de muita coisa são estes tais de pejoteiros antigos, não da juventude. Não é assim que o senhor fala? Por que o senhor não fala dessas e tantas outras iniciativas que tomam a peito a formação de adultos que trabalhem com os jovens, mas diz que é estratégia da Pastoral da Juventude não formar assessores/as?

3.      Outra perguntinha: quem está “medindo forças” na evangelização da juventude no Brasil? O autoritarismo descarado e o desrespeito ao protagonismo juvenil estão do lado de quem? Há censuras e criminalizações por parte de quem? Ou não há lados? Quem são estas “algumas pessoas” em conflito com a Comissão Episcopal de Pastoral e com o Setor, das quais o senhor fala? É maniqueísta um agente de Pastoral preocupado com a situação dos grupos de jovens e pensar, por exemplo, – num arroubo de entusiasmo - num Concílio de Jovens? Se o senhor quer um “debate transparente e honesto”, como explica certas coisas que aconteceram na Jornada Mundial da Juventude e até dentro da Comissão Nacional de Pastoral Juvenil? Quem não quer dialogar? Por que o Papa  precisa ajudar a pagar as dívidas de um Bote Fé ou por que há padres midiáticos pedindo esmolas pelos MCS para os gastos da Jornada e de tantas outras coisas que se fizeram, mesmo na construção do Campus Fidei na periferia do Rio de Janeiro? A culpa é da Pastoral da Juventude? O senhor viu aquela publicação luxuosa sobre o Bote Fé na editora da CNBB? Quem paga estas excentricidades para não ajudar e não ter dinheiro para os participantes da “expressão” mais numerosa em grupo de jovens do Brasil que não tem nem Congregações nem tios ricos que pagam tudo para seus cursos, encontros e assembleias? Como é poético você afirmar que a Pastoral da Juventude só vive de eventos ou que só participam da Pastoral para “fazer de conta”... Será que não aprenderam isso do senhor?

4.      Claro, muita coisa (segundo sua “sabedoria”) nasceu em Los Teques. Acaso você esteve lá para saber o que aconteceu ou só sabe ouvir uma versão que resguarda sua aprovação? Você viu a delegação brasileira daquele Congresso? Havia dois lados: os que sabiam por que estavam lá e os que foram para comer moscas e ser defendido pelos seus “padrinhos”. Aliás, a questão da vivência pluralista, segundo sua sabedoria, parece ter problemas somente na Pastoral da Juventude. Evidente que as outras “expressões” são essencialmente ecumênicas, vivendo à risca tudo que se encontra no documento 85 e em Civilização do Amor – Projeto e Missão... Os que não querem estudar nem ser igreja é esse “pessoalzinho” asqueroso da Pastoral da Juventude. Se você, contudo, pergunta as funcionárias mais antigas da CNBB como está o trabalho com os jovens elas logo vão dizer ao senhor: Ai que diferença! Basta o senhor olhar os carrões com que entram aqui os tais de conectados. Aconselhe-os, por favor, a disfarçarem melhor.

5.      Outro aspecto interessante de suas reflexões refere-se ao aspecto do envolvimento das “expressões” que trabalham com a evangelização da juventude na política. Quem chama a atenção do espiritualismo, do politicismo e do psicologismo no trabalho com a juventude é o documento 85, não nosso Papa Francisco. O que é preocupante é que o senhor parece ter preocupação para que as “expressões” não sejam “políticas” demais. Como seria bom ouvir do senhor falar de “profecia”, da mística que se expressa no Ofício Divino da Juventude; como é bom ter institutos que estudem juventude; que haja clero e religiosos/as com mais cheiro de povo e com menos badulaques nas vestimentas e liturgias; ouvir o senhor da manipulação que pode haver no campo da evangelização da juventude; do desrespeito que vige na sociedade e nas igrejas; ouvir o senhor falar da doença da aparência e da fé na hegemonia dos eventos e não no processo que é uma das bandeiras da Pastoral da Juventude. Estas coisas parecem não ser importantes para o senhor. Precisamos de muito mais coisas do que as cinco que você enumera no final de suas reflexões. Até há pessoas que acham que o senhor deve voltar ao seu amor primeiro, à juventude.

6.      Para concluir: porque num contexto de celebração de 40 anos da Pastoral da Juventude, você, no final de suas “sabedorias” põe afirmações de Bento XVI renunciando ao cargo do Papado? É por que ele diz que Deus não vai deixar naufragar o barco ou por que precisamos fazer as malas e retirar-nos nalgum canto da história moribunda e dizer que a história acabou? Padre Jorge, o que gostaríamos é que o senhor viesse aos festejos dos 40 anos e dançasse conosco a presença de todos os lampejos do Reino que a Pastoral da Juventude já viveu. No meio das danças aparecerão luzes alimentadas da esperança.

P. Hilário Dick S.J.

16 de janeiro de 2014