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domingo, 18 de novembro de 2012

EIS-ME AQUI... Umas palavras sobre o texto/base da Campanha da Fraternidade de 2013



Os textos eclesiásticos querem ser sempre mais pastorais do que acadêmicos e científicos. O mesmo sucede com o texto/base da CF/2013, com o tema “Juventude”. O presente comentário sobre este texto quer ser, simplesmente, um “alerta” para três aspectos do texto lançado pela Conferência dos Bispos do Brasil.
O texto em questão, embora de um jeito que poderia ser outro, segue o tradicional “Ver-Julgar-Agir”. Afirmo “outro” porque carregado de uma leitura funcionalista da realidade e, também, da juventude. Tudo começa com o “Ver”, falando da mudança de época com seus impactos e da vida negada e ameaçada, destacando igualmente a “afetividade autônoma” e narcisista. A realidade descrita refere-se à cultura midiática e ao fenômeno juvenil. Embora se diga que a melhor forma de nos entendermos é a presencial, a insistência é na ambiência midiática. Só existe quem aparece ou é mostrado (a grande realidade vivida pela juventude). Na prática não só midiática, contudo, além de excluir, há tapumes e muralhas que escondem.
Além de não ficar claro o que o texto entende por “juventude”, confunde-se “juventude” e “adolescência”. Aliás, quase não se fala de “adolescente” quando a realidade da maioria dos grupos das pastorais e movimentos é de adolescentes. Seria muito exagero dizer, por outro lado, que a igreja já perdeu a juventude?
O primeiro “alerta” refere-se, por isso, ao paradigma que o texto segue, mesmo que inconscientemente: o paradigma do jovem como problema. O problema não é a sociedade, mas a juventude. Todos querem ser jovens, mas a juventude é a culpada dos eventos ruins da sociedade. Ao mesmo tempo em que são modelos, são os culpados. Isso fica claro e até mais grave quando, no final dessa parte, falando da falta de acompanhamento, o culpado dessa falta não é nem a sociedade nem a Igreja, mas os próprios jovens (nº 121). O mais perigoso e perverso, portanto, é que, mesmo descrevendo a realidade, esta realidade, de fato, não é considerada.  Jon Sobrino fala do “povo crucificado” que o Primeiro Mundo não quer ver, mas oculta ou dissimula. O mesmo sucede com a juventude.
A “cultura midiática”, sem negar a sua riqueza não deixa de ocultar também uma “batalha da imagem”, onde a realidade que se mostra, também a da juventude, não é a realidade. A realidade que mais chega ao coração de Deus (o mundo dos pobres), é a que menos existe nesta cultura midiática. O texto/base escapa disso? Contudo, como dizia Karl Rahner, “a realidade quer tomar a palavra”. Podemos dizer, também, com Jon Sobrino, que nas igrejas de hoje, há excesso de triunfalismo e entusiasmo, de infantilização e de credulidade. As três realidades, os três substantivos se encontram... Assim, o paradigma ao qual o texto obedece é o da juventude como um problema, caindo igualmente nos excessos que Sobrino aponta. Falta realismo; falta referência a experiências concretas; falta rigor científico e vontade de estudar juventude; falta história;  não se sabe o que se entende por acompanhamento. Não se entra no econômico.
É dentro deste alerta sobre a realidade que está, também, o segundo alerta: a importância que se dá, na análise do fenômeno juvenil, à cultura midiática. Claro que há aspectos importantes que o texto aponta, mas o alerta deve estar antenado com o tipo de leitura que se faz da realidade juvenil (= adolescente). Aliás, a Pastoral do Adolescente  não aparece ou, se aparece, não é quase percebida. A realidade é o que a mídia mostra. Fica-se no que interessa; fica-se na aparência; certas coisas são faladas só para falar. É o massivo que salva. A Igreja é menos profética porque evita falar do econômico.
Nesse sentido, veja-se o que acontece na parte do JULGAR. Quem entende um mínimo de exegese e de interpretação de texto vê que a forma como os jovens apresentados, tanto no Antigo como no Novo Testamento (também Jesus, também Maria, também os silêncios p. ex. sobre o “Cântico dos Cânticos”) é um engodo vestido de boa vontade. Talvez mais triste, ainda, é a apresentação que se faz dos jovens na história da Igreja. De nove jovens, cinco são da Itália... Por que não se fala de Francisco de Assis, de Joana d´Arc e de tantos jovens, com nomes, da América Latina? Por que valem só os indivíduos e não os movimentos juvenis? É que a salvação e a santidade só contempla o individual.
Claro que o grande discurso do texto e do momento é o do seguimento, do modelo, do discipulado, do Caminho, da Verdade e da Vida. Mostra-se (ou se tenta mostrar) que o jovem mora no coração da Igreja, que o jovem é um lugar teológico (nº 189), mas o texto não sabe ser claro sobre a opção pelos pobres e jovens em Puebla, nem recorda que, em Santo Domingo, foi afirmado que a opção pela juventude precisa ser afetiva e efetiva. Por outro lado, o texto fala, de forma genérica do “espaços eclesiais” que a juventude tem, e da falta da necessidade de assessoria adulta. Veja-se como fala de forma ligeira e, até, historicamente errada, da presença da juventude na Igreja do Brasil e não, como diz o título, “da presença da Igreja do Brasil” (um pormenor que comprova que se fala por falar...). Quer-se enterrar a história de certos movimentos juvenis.
Por outro lado, o texto procura arrancar de não se sabe de onde e para quê, todo um parágrafo (n° 216 a 237) sobre o protagonismo dos jovens. Lendo-se, no entanto, estas páginas, qual o conceito que se tem de “protagonismo”? Bem longe, em todo o caso, a concepção do protagonismo como um instrumento pedagógico, fundamental no amadurecimento da concepção e da vivência do poder, através de uma boa organização. Um protagonismo (no texto) para agradar ou enganar? Pode-se falar de protagonismo sem falar de autonomia, de poder (serviço), de organização? Está em jogo, evidentemente, o que se entende, na conjuntura atual, sobre o “Setor Juventude” da CNBB e o significado radical e estratégico de Comissão Episcopal da Pastoral da Juventude. Fica-se num grande “discurso”; fica-se num controle, querendo mostrar-se sob a pele do “cuidado”.
O terceiro alerta tem suas raízes na parte do AGIR, do texto. Essa partida para a ação começa com uma novidade, como tal: o “converter-se aos jovens”. Repete o que Bento XVI falou de “conversão pastoral” que não está bem explicada.  Fala-se que “a Igreja precisa dos jovens”, isto é, embora se queira dizer que a juventude é amada pela Igreja, comete-se uma “errata” afirmando que ela (a Igreja) tem interesse pela juventude, que seu amor não é gratuito.
 Dentro do espírito que supõe acolhida, abertura da sociedade e reavivamento da utopia, parece que se conclui que é preciso começar tudo de novo, que a história começa agora, que tudo que se viveu não importa muito ou nada, e que é preciso RECRIAR.
Além de não falar da história dos jovens sendo Igreja no Brasil e na América Latina (ignorando não só a história da Ação Católica, mas 30/40 anos de história sistematizada da Pastoral da Juventude); além de ignorar aspectos importantes do CELAM com os jovens (opção preferencial em Puebla, Civilização do Amor – Tarefa e Esperança); além de não falar de um estribilho que marca a história latino-americana da juventude – a civilização do amor; além de não referir-se a nenhum espaço eclesiástico que estuda juventude; além de omitir de todos os modos em citar a palavra “Pastoral da Juventude” (veja-se a forma como se cita os documentos 44 e 76 da CNBB), parece que se defende um recomeçar tudo, isto é, recriar o sentido, a relação com Deu, as relações afetivas, a mudança de época, a transformação da sociedade, do meio ambiente, da fé e da ciência como se – na evangelização da juventude – não tivesse nada escrito sobre isso.
Nas linhas de ação e pistas, o texto volta a falar - é verdade - de “protagonismo dos jovens” em âmbito pessoal, eclesial e social, mas basta ler para se verificar que se trata de um protagonismo espiritualizante, “piedoso” e que procura esconder, de todo jeito, que se trata de uma postura política e de poder. Tanto assim, que até o Setor Juventude fica enterrado atrás de medos e superficialidades piedosas. Até contradiz o próprio lema da Campanha “Envia-me, Senhor” (Is 6,8) onde não temos o chamado de um rapaz para uma vocação qualquer, mas para uma vocação profética, de denúncia e perigo.  Basta ler 6, 8-13 (e não só o começo). O que deveria ser profético, virou sem novidade e sem desafios. Só existe profecia onde se respeita a realidade e o pobre. E o texto, além de “enfeitar” a realidade não deixa nem dá lugar e importância aos preferidos de Deus, os pobres. E todos sabemos que fora dessas duas realidades, não há salvação. O texto traiu e trai a vocação profética da juventude.
Concluindo, podemos dizer que para o texto/base da Campanha da Fraternidade de 2013 faltam acentos, referências, reflexões fundamentais que superem a tendência do discurso bonito ou do falar por falar. Temos que confessar ou reconhecer que todo instrumento, mesmo o texto/base que analisamos, mesmo em todas as suas fragilidades, pode ser um ponto de partida. O que importa é que cresça o conhecimento e o encanto com a juventude. Se é a esse encanto que o Papa se referia quando falava de “conversão pastoral” devemos reconhecer que está falando algo muito sério, reconhecendo  uma postura que vê que a reflexão sobre a juventude deve ser, primeiramente, uma reflexão sobre a sociedade que recebe e acolhe a juventude. O encanto pela juventude.
Hilário Dick

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

HOMILIA DE D. JOSÉ GOMES


 1ª Concentração Diocesana da Juventude de Chapecó (SC)
22/9/2985 – Ano Internacional da Juventude

Faz 10 anos da páscoa do santo profeta da esperança, Dom José Gomes. A ele, nossas homenagens por toda a sua atuação na Igreja da Diocese de Chapecó, e as eternas gratidões por ter nos ensinado, através de seu testemunho, a estar na construção permanente do Reino.

“Quero dizer a vocês que o sermão já está feito. O Bispo pode calar... Então eu pergunto agora a quem ouviu este jovem falando se podemos ou não confiar no jovem? [Jovens: “Sim!”]. Se podemos ou não confiar nele por que ele é capaz de construir a nova sociedade?

Podemos confiar em vocês! Eu digo o porquê. Porque aqui está a realidade daquilo que o jovem é capaz: a organização toda dessa concentração, da celebração do dia 22 do ano Internacional da Juventude; a concentração da juventude foi obra exclusiva das comissões dos jovens que se organizaram e vinham se estruturando a longo tempo. Aqui está a prova de que o jovem é capaz, de que o jovem tem coragem, que o jovem tem organização.

Eu só queria perguntar como é que vocês conseguiram esses mais de 200 ônibus e caminhões que vieram aqui? Com que patrocínio? "Com dinheiro nosso", gritam o jovem. Aí está a força da juventude. Aí está aquilo que eu dizia no início diante de uma multidão de jovens ou diante de uma juventude que se levanta em todo o Brasil.
É claro que tem aqueles que vão dizer que esses jovens são subversivos, que esses jovens são comunistas, que esses jovens são “marolados” pela Igreja e pelos partidos extremistas. Eu pergunto: o que une vocês aqui: é Cristo ou é alguma coisa diferente? [“É Cristo!”]. É Cristo e seu Evangelho? [“É!”].

São essas palavras que vocês leram aqui que Cristo disse para vocês: “Ide e curai os doentes; ressuscitai os mortos, purificai os leprosos”. É isso que os une aqui? [“É!”].
Tá certo... Mas Ele também disse outra coisa muito séria: “Expulsai os demônios. Expulsai o mal”. Vocês têm coragem de descobrir o mal e os demônios dentro de nossa sociedade? [“Temos!”]. Então o evangelho vos dá força para procurar onde está o mal em nossa sociedade; onde estão as estruturas que roubam a liberdade do jovem, de saber, se organizar, de lutar por aquilo que é um direito sagrado para todo o homem e para todo aquele que é, e todos são, filhos de Deus.

 Então, meus caros jovens, prezados ouvintes, é preciso ter confiança nessa juventude; é preciso ter fé nela; é preciso dar-lhes o apoio porque eles têm o entusiasmo, eles têm a força, eles têm a capacidade de lutar para que se faça uma nova sociedade, capacidade de lutar por aquilo que o Evangelho disse: “Ide e anunciai em toda a parte que o Reino de Deus está no meio de vós”. O Reino de Deus está convosco, está em vossos corações pela graça do Espírito Santo, pela força de Jesus Cristo e pelo amor do Pai. O Reino de Deus deve ser construído, e nós sabemos que o mal, o inço, a cizânia, disse Cristo, é sempre semeada no meio do seu povo. Nós temos que ter essa força de descobrir essa cizânia, esse inço, essa maldade. E temos que ter força e olhos abertos, os ouvidos atentos e sermos capazes de descobrir aquelas estruturas injustas que marginalizam o homem, que faz o homem doente, que faz o homem morto, que faz o homem leproso.

Doente nem é preciso falar. É só perguntar a vocês: o que faz o FUNRURAL em favor dos doentes da colônia? [“Nada!”]. O que faz o INPES com os operários da cidade? [“Nada!”].
E os mortos pela fome, os mortos pela miséria, os desligados da sociedade e os marginalizados... Estes todos doentes, e os Sem-Terra, e os atingidos futuramente pelas barragens... Vocês aceitam que eu digo que vocês são futuramente atingidos por barragens? [“Não!”]. Vocês já disseram “barragens nunca”. Pois, meus amigos, se eles, com suas forças, com as suas tecnologias, com o mando dos imperialistas do Norte, quiserem construir barragens, então nós teríamos que o povo fosse esmagado, que o povo estivesse morto, que o povo não tivesse coragem! [...]

E eu tenho que bater no peito também, né, ao apelo que o jovem fez no final. Nós da Igreja que não acompanhamos o Evangelho, que não interpretamos o Evangelho, eu reflito nessas palavras, pediria que comigo, todos os sacerdotes pensassem nesse Evangelho e nesse compromisso que nos foi dado, nesta chamada que esse jovem nos deu. Bater no peito e estar com os Sem-Terra, com o negro, com o caboclo, com todos aqueles nossos irmãos, também, que de 1500 para cá foram destruídos e assassinados, e que hoje são os mais marginalizados da vida, e que apenas de 5 milhões são 220 mil, se hoje em todo o Brasil roubaram suas terras, a sua vida, a sua cultura, a sua religião. Pensamos em tudo isso, batamos no peito e estejamos com esse povo que sofre.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

DIA DE DOMINGO, DIA DE FANTÁSTICO, O SHOW DA VIDA! Elementos para uma critica à Jornada Mundial da Juventude (JMJ)



Antonio Frutuoso
            Rede Globo, programa Fantástico, dia 16 de setembro. Uma das notícias mostra a chacina de 6 jovens, moradores da favela da Chatuba, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro, encontrados mortos na segunda, dia 10 de setembro. No mesmo programa é lançado o Clipe/Hino Oficial da Jornada Mundial da Juventude. Entre os dois fatos uma enorme e abissal diferença que nos faz lembrar o slogan do programa: isso é fantástico!

            Uma das acepções da palavra “fantástico” é a de que se trata de algo que foge da normalidade, fora do comum e, em certo sentido, é inverossímil.  De um lado, jovens de periferia, pobres, todos negros, que são mortos no Rio de Janeiro, estado onde acontecerá a JMJ. De outro lado, jovens brancos, turistas, comportadamente vestidos e bem nutridos, vem ao Rio para participar da JMJ. A música, como os melhores hits, feita para grudar, cantada pelos stars católicos, em nada faz lembrar o samba, o maracatu, o forró, sons genuinamente brasileiros, afinal tudo é fantástico, tudo soa falso, pois, como na música panis et circenses dos mutantes, “as pessoas na sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer”.

            As duas reportagens despertam para a seguinte questão: quem é o/a jovem para o qual a Jornada quer e deve falar. Seriam os/as brancos/as caucasianos/as ou pretos/as e pardos/as - maioria da população brasileira? Seriam os/as jovens confortavelmente instalados/as em pousadas ou escolas católicas ou os/as jovens moradores de casebres que se amontoam em favelas no entorno das cidades? Seriam os/as jovens bem nutridos/as e civilizados/as, ou os/as jovens que vivem com menos do suportável e se reúnem em gangs para reivindicar, de uma forma por vezes enviesada, maior condição de vida? Enfim, falar a quem, ao jovem que tem condições de ter uma vida relativamente segura, que pode pagar um Salário Minimo para participar de uma semana da Jornada, ou aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza, os  que vivem com menos de R$ 70,00 por mês, que no Brasil são em torno de 16 milhões de pessoas, ou ainda aqueles que vivem de Salário Minimo, que chegam a 60% da população brasileira?

            Uma resposta simplista à questão diria que deve-se falar aos dois grupos, pois ambos necessitam serem evangelizados. Uma resposta evangélica diria que devemos falar aos mais pobres e necessitados, estes que são os bem-aventurados, o sal e a luz do mundo (Mt 5,13) e deles virão a redenção e a conversão de todos nós. O caminho da Jornada é o caminho do Jesus pobre, humano e convicto que a vida é revelada aos mais humildes e simples (Lc 10, 21).

            Num dos primeiros dias de inscrição da Jornada houve 4.000 inscritos. Façamos uma conta simples, se cada inscrito pagar 600,00, chegaremos a quantia expressiva, em um único dia, de R$ 2.400.000,00. Alguém sabe me dizer qual é o orçamento anual da Pastoral da Juventude? Por certo não chega nem perto desse montante. E quem evangeliza mais: uma jornada, evento pontual, massivo ou a Pastoral da Juventude com seus milhares de grupos que sistematicamente se organizam e se encontram semana a semana, mês a mês? De novo não tenho dúvidas de dizer que é a Pastoral.

            O hino da JMJ inicia falando que somos marcados desde sempre com o sinal do Redentor. “Redentor” é uma palavra interessante, pois de imediato nos liga à ideia de um salvador, aquele que veio remir a humanidade, livrar a humanidade de qualquer forma de opressão, inclusive das formas religiosas alienantes, como eram a que se apresentava no tempo de Jesus. O hino termina falando da necessidade de nos tornarmos novos homens. A resposta de Jesus a Nicodemos é clara: tem que nascer do espírito (Jo 3, 5). Exige transformação profunda. Trata-se de um novo nascimento. O novo homem não nasce a partir de estruturas de opressão, acumulação, do ter muito e ter mais, do consumismo... É preciso outro mundo. Ao dizer a Nicodemos que se tem que nascer de novo, Ele faz ver que não há como construir o novo a partir de estruturas desiguais, que é necessário por o vinho novo em barris novos (Mc 2,22). O novo homem é processo e produto de uma nova sociedade, de uma nova Civilização – a Civilização do Amor, que é para nós tarefa e esperança.

Não se trata de um sonho adiável para o futuro, nem de um desafio que se pode realizar num só dia ou numa só geração. Não se trata, igualmente, de gestos heróicos nem de ações isoladas ou voluntariosas. É tarefa diária. É paciente construção de dinamismos que motivam opções, compromissos e projetos que vão transformando, lenta mas radicalmente, a realidade. É tempo de semeadura e de esperança permanente, em que os passos dados e as conquistas alcançadas convidam a prosseguir. (CELAM: Civilização do Amor: Tarefa e Esperança. Orientações para a pastoral da juventude latino-americana. Paulinas, SP, 1997, p. 152).
            Ao dizer que o seu Reino não é segundo este mundo (Jo 18,36), Jesus deixa claro que o seu Reino não pode ser o mesmo de Roma que subjugava a Palestina em seu tempo e que uma religião alienante produz sujeitos dóceis e conformistas que aceitam todos os sacrifícios como condição da vida eterna.

            O Dia Nacional da Juventude deste ano nos convida à reflexão de “que vida merece ser vivida?”. O apelo de Jesus presente em Jo 10,10 e Jo 14,6 evidencia que a vida em abundância é fundamento para se estar no caminho com Jesus. O termo “abundância” não deixa dúvidas; não é pouca vida, mas vida que sobra, como vazante em rio que se espalha e inunda as margens. A ordem de Cristo é clara: é a ordem da VIDA (Lc 7, 14). É firme o propósito da PJ ao afirmar que a vida é para ser vivida e não ser ceifada ou destruída antes de se cumprir o seu tempo. No Brasil de 2010, 8.600 jovens morreram vitimas de homicídios; morreram sem ter direito a viver a vida.

            No show da vida, numa noite de domingo, pudemos ver 6 jovens pobres não encontrando redenção; não havendo amanhecer nem esperança. No show da vida, vemos que uma Rio de Janeiro ensolarada, como a mostrada no clipe, esconde os noturnos de nossas desgraças e mazelas. No show da vida os star católicos estavam mais preocupados em cantar a vinda do Papa do que cantar a morte dos filhos e filhas das viúvas de Naim que partiram da vida sem ter vivido da vida.

            E nós queremos o show da vida, de uma jornada, ou a VIDA que é  caminho, em todas as suas dimensões, contradições, lutas, resistência e limites, mas que nos conduz ao verdadeiro show que é Jesus?


Curitiba, Setembro de 2012.