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terça-feira, 20 de agosto de 2013

O QUE LEVO DA JORNADA?

 Isabel Pérez

Introdução
Quando terminou a Jornada Mundial da Juventude, em Madrid, mal imaginava  que eu voltaria à do Rio de Janeiro, e não só, como me envolveria muito mais. Àquela havia ido com um pé atrás, sem saber muito do que se tratava, e ia como parte do programa de um encontro de um grupo no qual participava e participo. Disse, também, depois daquela, ao terminar, que valia a pena fazer parte disso uma vez na vida, e só. Abrumaram-me lá a quantidade de gente, a diversidade e a superficialidade.[1]
Pois fui à do Rio.  Tive, antes, a oportunidade de conhecer a organização da JMJ, participando de uma reunião de delegados e assim saber quem estava na frente da organização da Jornada no Brasil, equipe bastante conservadora, diga-se de passagem[2]. Com Dom Orani ao comando, pouquíssimos leigos ou jovens. Tinha, também, a vantagem de conhecer de alguma maneira o terreno católico brasileiro, melhor que o espanhol. Mudava bastante meu olhar. Portanto, a esta JMJ, fui sabendo o que me esperava, e sabendo também dos pontos fracos em termos de logística.
Em ambas as jornadas eu fui com o Magis, encontro organizado pelos Jesuítas, com alguns dias de missão anterior à JMJ.   Uma tentativa de dar uma cara inaciana à jornada[3]. Missão esta, que em ambos casos ficam como experiências profundas e significativas de encontro e  de reflexão sobre a realidade do mundo.
Difícil analisar
É um grande desafio tentar traduzir em palavras o que vai acontecendo durante os dias da Jornada. É mais fácil ter acompanhado a função toda pela televisão de longe que estando ali no meio. De estar lá ficam testemunhos pontuais, pessoais, muito difíceis de generalizar, alguns: 1) recebemos um kit, onde o primeiro item é um manual de bioética, que dúvido que poucos tenham posto nas malas, na volta; 2) não está incluída para todos, porém, a programação completa das atividades planejadas no Rio, o que dificulta saber o que fazer nos dias da Jornada, e a possibilidade de escolher entre as ofertas; 3) no kit vai incluído, também, um vale transporte e um vale alimentação[4].
Chega o povo
Começam a chegar milhares de pessoas e, como estão uniformizadas, é fácil ir vendo os peregrinos pela cidade. Chegam em grupos barulhentos e coloridos, como invasores de todos os espaços da cidade: metrôs, ônibus, restaurantes, ruas e em massa dos lugares turísticos, que se tornam os lugares a onde todos querem chegar, fim de todas as “peregrinações” apesar das filas quilométricas. Rapidamente torna-se impossível andar no Rio sem perceber e sentir os peregrinos[5], considero em alguns casos a presença é mesmo agressiva com o cotidiano das pessoas locais. Mesmo assim, a atenção recebida nas ruas para indicações sempre foi de bom grado
E onde as juventudes?
Todos os personagens centrais da Jornada, pouco tem a ver com a juventude por proximidade ou afinidade: são os bispos que fazem a catequese, o arcebispo do Rio que faz a abertura, e o Papa que tenho a impressão que cumpre o roteiro que lhe está escrito. Há uma distancia entre eles e os jovens. Mesmo assim, supõe-se que eles devem dizer alguma coisa para ser ouvida pela juventude que acudiu em massa, nunca ao contrário. Então há discursos, muitos, e todos incluem em algum lugar a palavra juventude. A Juventude essa que é tratada como uma coisa sólida, sem nuances, sem adjetivos. Juventude católica, e só. Toda a Jornada tenta dar a entender isso, aliás, que todos os que estão ali formam essa juventude católica que é multitudinária e uniforme,  arriscaria a dizer que de uma forma algo prepotente se pretende em boa medida mostrar como são muitos os jovens católicos, para que “alguém” veja. Mas o que se entende por juventude pouco se diz. E voz para essa juventude, pouco também. Os jovens dos atos também estão cumprindo um roteiro, tal como um teatro[6].
Madrid x Rio de Janeiro
 Se a durante os dias da jornada em Madrid ressoava em mim a seguinte frase da oração do Magis 2011: “ajuda-nos a nos pôr em marcha, a sair à intempérie” pelo que significava andar por lugares desconhecidos, someter-se ao sol escaldante, e no ultimo dia a uma tormenta, durante os dias chuvosos no Rio o que fazia eco era “mas muito do que vejo é contradição, tanta gente tanta solidão” do hino Magis2013. Quando se defende uma proposta de Igreja em específico, como é o meu caso, sempre se anda vendo e ouvindo com muita atenção e sentido critico aguçado, para mim em Madrid em atitude curiosa e sem vontade de me amedrontar, no Rio percebendo que por trás de tudo sempre tem muito mais historia do que se percebe e nem sempre suficientemente clara.
Ruim ver contradições?
Talvez, por isso, fui com vontade de ver as contradições; ver como esse evento pensado para ser de proporções gigantes atrapalha na verdadeira evangelização, no verdadeiro acompanhamento, nos processos de comunidade. Como a figura do Papa toma proporções descomunais ao ser o centro das atenções de jovens de todos os lugares do Brasil e do mundo. De Massas de gente em que cada um se perde, e talvez esse seja o atrativo da Jornadair e saber-se parte de uma massa indefinida de gente, sentir-se no meio de muitos, mas dificultar diálogos, debates e reflexões profundas que necessitam de tempo e calma. Nessa pretensão de mostrar uma igreja cheia de jovens, se passa por cima das diferenças que possa haver ali dentro. Como nas manifestações de Junho no Brasil, fica sempre a dúvida de se quem está do lado acredita no mesmo que eu acredito. Isso poderia tornar-se debates, porém é evidente que esse não é o objetivo.
Preocupações
Particularmente, essas multidões me assustam um pouco, sinto que a qualquer momento pelo efeito “maria vai com as outras” estamos todos repetindo frases que pouco fazem sentido. Penso em meu papel como jovem dentro dessa “juventude”, e primeiro não consigo me ver como a juventude do Papa, me produz certa alergia essa frase, sim sou jovem católica, e militante, mas a juventude será minha e eu escolho com ela construir no meu papel de jovem na sociedade um caminho de seguimento a Jesus. Ao extremo não diria nem mesmo “juventude de Cristo” em nome da liberdade que ele dá a cada um para segui-lo ou não. Me pergunto: o que querem dizer quando cantam essa frase?. Outra questão é quando vejo que tratam a juventude como esse sinónimo piegas de futuro, “Juventude, esperança do amanhecer” diz o hino da JMJ, o que significa isso em um mundo em que os jovens pouca oportunidade tem de falar, de dizer e de construir? Também não consigo me encaixar ai.
Outras manifestações
No meio de tudo, para quem quiser perceber as diferenciações presentes não é tão difícil assim. E falo por mim, mas esses olhos críticos vi em mais de uma ocasião, e em outras tantas um certo sentimento de decepção, em diversos momentos. Levo uns colombianos (do Magis) à Paroquia Santa Bernadete onde acontece a Tenda das Juventudes, com uma programação (que não esta acessível para os que não tem o livro aquele) de painéis sobre temas que os jovens devem saber e falar, inclusive para ser construtores desse futuro que não sai por um truque de magia, mas sim de muito estudo, reflexão e posta em prática. E os colombianos ficam admirados que essa Tenda fique “tão longe e tão escondida”. É então notável como sim, as centralidades da jornada têm uma intencionalidade específica, decidida pela organização, de um projeto de igreja particular, e que não admite participações. Está definido assim de antemão, não importa nem mesmo quem seja o Papa.
Também com a Pastoral da Juventude (organizadora da Tenda) acompanhei a marcha contra extermínio de jovens.   O vermelho e preto, os cantos, destoavam um pouco do verde-amarelo da JMJ. Aqui também levei uma colombiana. Estava impressionada que jovens católicos saíssem a gritar contra o extermínio de jovens, de uma forma tão política e tao decidida. Dizia que ela costumava acompanhar manifestações diversas em Bogotá mas tinha dificuldade em colocar sua identidade católica ali.
Guaratiba
O tempo do Rio, que acabou impedindo a realização da vigília em Guaratiba, creio que acabou por ser de grande ajuda. O Campus Fidei, que até nome ganhou, prometia ser uma roubada desde o começo. Porém foi grande irresponsabilidade fazer uma mudança dessas em 3 dias. Irresponsabilidade com os habitantes de Guaratiba que se haviam preparado, e com os peregrinos, porque era realmente difícil montar uma infraestrutura para mais de 2 milhões de pessoas se acomodarem na praia por dois dias em tão pouco tempo. Recebi a noticia com alivio, mas com revolta também. Considero que, no fim das contas, as coisas saíram melhor do que podia ter sido.
O Papa
Por último, as palavras do Papa Francisco, foram cativantes, é verdade, e no seu sotaque argentino, bastante soltas e diretas. Disse aos argentinos que deviam fazer “badernas” mesmo apesar dos bispos; disse que o campo da fé era cada um de nós; disse que devíamos ir, sem medo, para servir; pediu para respondermos no coração. Tudo isso portanto, não se faz dentro de um evento como a JMJ, ou se faz apesar dela. Percebo, nas reflexões dos que andavam ao meu redor, das perguntas que surgiram, da incomodidade que não poucas vezes gerava estar ali no meio daquilo, que evangelizar, fazer discípulos, servir, são coisas que não precisam de JMJs. Tinha a esperança que o Papa Francisco anunciasse no fim que não haveria mais jornadas, ou pelo menos não nesses modelos. Considero produtiva, sim a troca de experiências, o conhecimento de outras realidades distantes ou mesmo próximas, , mas não aposto nesta maneira. Acho que o que fica de mais importante são os poucos diálogos estabelecidos, as perguntas, os questionamentos, enfim, as miudezas no meio do gigante.
Conclusão
A JMJ não é definitivamente o campo da fé. O campo da fé é a vida diária, com as cruzes para carregar, com próximos para atender. Sei que muitos dos que estão lá vivem isso nas suas comunidades. Mas para outros a JMJ tem-se tornado um objetivo, e como objetivo parece que carece de sentido.



[1]  Desconfiança, não sabendo o que seria e, depois, certa decepção considerando a superficialidade, a diversidade e a quantidade de gente. Uma experiência só uma vez na vida...
[2] Na JMJ do Rio, conhece mais a infraestrutura, com suas fraquezas, e a ideologia que ia por detrás, bastante conservadora. Foi sabendo.
[3] Vai como membro participante dos jovens-alunos dos colégios dos jesuítas, organizados com o nome “Magis”, que não é movimento, mas um grupo formado em vista de um evento de massa, do qual desejam participar e do qual aproveitam o momento, com programação anterior independente da JMJ como tal.
[4] São os pertences de um jornadeiro/a. As coisas importantes para se locomover e orientar.
[5] A presença dos peregrinos na cidade, com suas características visuais e seus comportamentos: barulhentos e coloridos.
[6] Avaliação crítica: a) os personagens centrais nada a ver com juventude. Estão longe da juventude, mesmo procurados para serem ouvidos. b) A juventude é vista como  “uma coisa sólida, sem nuances, sem adjetivos. Juventude católica, e só”: multitudinária e uniforme. c) Não se diz o que se entende por juventude; d) a juventude não tem voz.e) Os jovens dos atos também estão cumprindo um roteiro, tal como um teatro.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

E AGORA JOSÉ? A JORNADA ACABOU...

Esta é a pergunta depois de mais uma Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Um evento que reúne muita gente: milhões. Muitos bispos, padres, gente de Roma e de movimentos conhecidos, religiosos/as e, enchendo ruas e praças, muitos jovens vindos de muitos cantos. Dizem que, no Rio de Janeiro, estiveram três milhões. Um artigo de José Lisboa Moreira depois da Campanha da Fraternidade sobre Juventude em 2013, na Igreja Católica do Brasil, perguntava: Qual futuro para a Juventude?  Vamos repetir a pergunta agora, depois da JMJ no Rio de Janeiro?

1. Formulando perguntas

Em vez de uma só, são várias perguntas. Mesmo que não sejam respondidas, as perguntas oxigenam o coração e a mente. Talvez não sejam as perguntas mais importantes, mas elas precisam ser formuladas, mesmo que incomodem:

·         As Jornadas giram, na realidade, em torno da Juventude ou do Papa? Quem é a figura central das Jornadas: o Papa ou as multidões de jovens? Que lugar tiveram os jovens nos discursos do Papa, no Rio de Janeiro, principalmente quando ele não falava especificamente para os jovens? Quem foi protagonista na festa da Jornada Mundial da Juventude? Se o Papa veio para a Jornada, por que nas alocuções aos bispos e clero do Brasil bem como aos bispos do CELAM ele não falou de juventude?

·         Os milhões de jovens reunidos em Copacabana e arredores eram objetos ou sujeitos?  A mudança de local do encontro de Guaratiba, no “Campo da Fé”, como se dizia, para Copacabana, foi somente desorganização e irresponsabilidade? Esta mudança necessária não poderia significar mais um dos desrespeitos que as juventudes vivem nas igrejas e na sociedade? Se os jovens são tão perigosos e tão descontentes que mobilizaram, dias antes, milhões de pessoas em milhares de cidades do Brasil, não é um discurso eloquente esta massa de jovens não provocar nenhum problema para a sociedade carioca? Em que discurso, em que espaços se discutiram, de fato, as realidades da juventude no mundo?

·         Como se explica a participação linda, respeitosa e rezada da “Vigília” com o Papa? Simplesmente por que era de noite? Simplesmente porque o jovem gosta do sagrado e aprecia essas orações que mexem com os sentimentos? Guaratiba era somente um local ou um espírito que não condizia com a Igreja que se desejava apresentar?  

·         Claro que houve coisas que não se viram ou coisas que os Meios de Comunicação não engoliram, mas porque eles transmitem imagens de pessoas quebrando imagens da Virgem e Crucifixos e não se dá realce a uma marcha como foi a “Marcha Internacional contra o Extermínio da Juventude”? Não é verdade que o discurso do Papa, sobre a juventude só chegou à questão das drogas e não a dos traficantes e muito menos a do extermínio da juventude, especialmente negra? Na entrevista que conseguiram fazer no avião do Papa, voltando para Roma, por que não houve nenhuma pergunta relacionada com a situação da juventude?

·         O Papa falou do protesto dos jovens e do descarte de jovens, mas porque não foi mais além? Uma das respostas se encontra, talvez, na reportagem da Zero Hora (29/7) intitulada “Na onda de Francisco”. Leia-se o que os repórteres apontam quando descrevem essa juventude toda se alegrando quando, depois de uma noite dormida na praia, o sol aparece e a chuva termina. O que os repórteres descrevem?  Infelizmente, apesar de todo o espetáculo dos milhões se perdendo ao longo de quase cinco quilômetros, são estes pormenores que os jornalistas adultos ( = a sociedade) enxergam. Vivemos numa sociedade que quer a juventude como sujeita e protagonista? Pelo que se viu a sociedade ama a juventude?

As perguntas não tiram a beleza de um evento nem desejam envenenar as emoções que todos vivemos, de uma forma ou outra. Recordemos que a iniciativa das Jornadas Mundiais de Juventude se deve, em grande parte, ao carisma e carinho do Papa João Paulo II, embora tenha havido um encontro de multidões, aqui na América Latina, em Buenos Aires (1987) e em Santiago do Chile (1998). Ninguém vai afirmar que a Igreja não ama a juventude, mas o evento toma aspectos que precisam ser considerados, refletidos e amadurecidos. No interior da Igreja, também nos megaeventos, há realidades que parecem obedecer a um “dinamismo” contraditório: o conflito do “petrino” e do “paulino”, o “centralismo” se revezando com “comunhão e participação” e tantos outros aspectos. O que dizer, por outro lado, do fato de que a JMJ coincidiu, em parte, com a panela de pressão explodindo na cozinha do Brasil nos mesmos dias (junho de 2013)? Precisamos reconhecer que as realidades que emergem no mundo juvenil, nem sempre são percebidas.

2. “Pastoral” de processos e “Pastoral” de eventos
Mesmo depois de um espetáculo, como o da JMJ no Rio, é bom recordar que, na forma de evangelizar, existem duas posturas que se podem opor ou complementar. Existem a “pastoral de eventos” e a “pastoral de processos”. Está em alta, neste momento da Igreja, a “pastoral de eventos”: grandes encontros, de diversos tipos, “missas” de multidões, mega shows de evangelização, programas de rádio, valorização de “artistas”, padres na mídia etc. Eventos massivos.

Surgem problemas quando quase tudo se parece reduzir a meros eventos, chegando-se à pastoral dos espetáculos, dos shows ou do entretenimento. Não é difícil cair na armadilha da mídia, onde a notícia séria e reflexiva dá lugar à manchete sensacionalista. Não é raro que uma "sociedade do espetáculo" penetre e contamine as atividades da Igreja, também junto à juventude.

A “pastoral de processos”, por outro lado,  acontece no dia-a-dia, nas pequenas grandes coisas cotidianas. É ali que se constroem personalidades, com projetos de vida amadurecidos. A alegria do domingo de Páscoa mergulha suas raízes mais profundas no contraste com o absurdo e a loucura da sexta-feira santa. Se é verdade que a Páscoa é colheita, e a cruz é semente,  nos dias atuais não estamos em tempo de colheita. É enganoso pensar que o “evento” resolve.  Se sonhamos jovens felizes, autônomos e construtores de “outro mundo possível”, está diante de nós o desafio de viver uma pastoral de processos e não uma pastoral de eventos.

Vale aqui, de alguma forma, o que o Papa falou quando se referiu à mudança de concentração da JMJ de Guaratiba para Copacabana. Disse ele (28/7/2013 na noite da Vigília): Penso que podemos aprender com o que aconteceu nesses dias. Como tivemos que cancelar, devido ao mau tempo, a realização desta vigília no Campus Fidei (Campo da Fé), em Guaratiba, não estaria o Senhor querendo dizer-nos que o verdadeiro Campo da Fé, o verdadeiro Campus Fidei, não é um lugar geográfico, mas somos nós? Guaratiba era o lugar qe a juventude queria como opção pela periferia ou Deus não permitiu que a nossa aproximação com os pobres fosse, simplesmente, parte do espetáculo.

3. Cuidar e controlar
Fala-se da Teologia do Cuidado, também do cuidado que precisamos ter com as pessoas. No trabalho com a juventude, em vez de “acompanhante”, fala-se de “cuidante”. Todos precisamos ser “cuidados”. Todos desejam ser cuidados: pelo Estado, pela Igreja, pelo serviço de segurança, pelos pais, pela comunidade... Quem “acompanha”, quem “assessora” é alguém que “se senta junto com”, alguém que “come do mesmo pão”. As Jornadas foram, vão ao encontro disso?
Em movimentos juvenis, próximos ou longe de nós, o que vale, não é o “cuidar” porque quem “cuida” respeita a autonomia, o protagonismo, a personalidade de cada um. Uma mãe que “cuida”, não “abafa” o/a filho/a. Fazemos essas considerações porque há uma tendência de resvalar do “cuidar” para o “controlar”. Quem controla, não confia; quem controla deseja que o/a outro/a seja como nós e não como ele. Assim como a família, assim a escola, assim muitas instituições, também de Igreja; em vez de “cuidar”, “controlam”. A Igreja, a Teologia, a Pedagogia, a Evangelização etc. em vez de “cuidar”, “controlam” ou querem controlar. O controle não é da pedagogia de Deus.
Apesar de atrás de um “clericalismo” poder ocultar-se a falta de confiança, isto é, a disfarçada vontade de controlar, um verbo, uma atitude, um modo de educar que está surgindo com vigor, na Igreja, na evangelização da juventude, na educação em geral, é “acompanhar”. Até se começa a ouvir falar de Deus como “acompanhante” - e tem muito sentido. 
No relato da criação lemos que Adão e Eva ouviram Javé Deus passeando no jardim à brisa do dia (Gen. 3, 8), isto é, “acompanhando-os”. Cansaríamos se quiséssemos descobrir quantas vezes, nas Escrituras, Deus afirma que está com a pessoa, o povo, os chefes etc. Estive com você em toda parte por onde você andava (2 Sam. 7, 1-10), diz Deus para Davi. Significativo o modo como o livro do Êxodo nos conta que Javé ia na frente do povo: de dia numa coluna de nuvem, para guiá-lo; de noite, numa coluna de fogo, para iluminá-lo (Gen. 13, 21).

Um aspecto novo do discurso do Papa Francisco no Rio de Janeiro foi a forma que encontrou para falar de “gerações”. O Papa falou dos avós: Como os avós são importantes na vida da família, para comunicar o patrimônio de humanidade e de fé que é essencial para qualquer sociedade! E como é importante o encontro e o diálogo entre as gerações, principalmente dentro da família. O Documento de Aparecida nos recorda que crianças e anciãos constroem o futuro dos povos; as crianças porque levarão por adiante a história, os anciãos porque transmitem a experiência e a sabedoria de suas vidas (DAp 447). Esta relação, este diálogo entre as gerações é um tesouro que deve ser conservado e alimentado! Nesta Jornada Mundial da Juventude, os jovens querem saudar os avós. Eles saúdam os seus avós com muito carinho. Saudamos aos avós e lhes agradecemos pelo testemunho de sabedoria que nos oferecem continuamente. E agora, nesta praça, nas ruas adjacentes, nas casas que acompanham conosco este momento de oração, sintamo-nos como uma única grande família e nos dirijamos a Maria para que guarde as nossas famílias, faça delas lares de fé e de amor, onde se sinta a presença do seu Filho Jesus.
Podemos dizer que os avós não controlam, mas cuidam; e se há um fenômeno que, infelizmente, se viu e vê  reforçando em nossa Igreja, na relação com a juventude, é “comandar”, “controlar” verbos que, além de não serem os mais indicados para quem deseja caminhar com a juventude, são uma prova de que o clericalismo é, ainda, uma doença em nossa Igreja. O jovem quer ser acompanhado e não comandado ou controlado. Ele percebe, até, quando o fazemos de forma disfarçada. Está diante da evangelização da juventude o desafio de não ter medo de cuidar.
4. Respeito à juventude

Outro ângulo que a JMJ do Rio de Janeiro desperta e faz considerar é o respeito que se tem ou se deve ter à juventude. O “extermínio da juventude” e as grandes inquietações juvenis atuais devem ter lugar em todas as Jornadas Mundiais, de forma sempre mais expressiva. O que chama a atenção, na história da juventude, é a forma como ela foi manipulada através dos tempos, também nas igrejas. Quando ela foi despertando e tendo condições de manifestar-se mais significativamente, no século 18, oficializou-se a “moratória social”: a sociedade dando certas chances de ela (ao menos parte da juventude) ser ela, mesmo que sob o controle disfarçado dos “adultos”. Sem negar que, por detrás da “moratória social” haja certo reconhecimento do segmento juvenil, esta medida não era e não é muito mais do que uma forma de controlar “essa juventude efervescente”.

Na história, encontramos a manipulação juvenil de muitas formas. A expressão mais chocante, contudo, foi no começo do século XX, com manifestações como as da juventude nazista, da juventude fascista, da juventude falangista e muitas outras formas. Dentro da própria Igreja Católica, foi nesses anos que a juventude começou a ter “personalidade” na Igreja. Podemos dizer que a juventude começou a “existir”, na Igreja, com a Ação Católica Especializada, somente depois de 1930.

Não é uma leitura enganosa afirmar que, mesmo nas JMJ, existe muita manipulação. Por um lado, sinal da força da Igreja institucional e, por outro, fraqueza de uma juventude não organizada, dentro da Igreja. Estamos frente a duas tarefas: a dos adultos, da Instituição, com todo o poder comunicativo e de convencimento que pode ter, e a da própria juventude, aprendendo a fazer do evento, um evento que seja dela e não para ela. Esta é uma das questões centrais das JMJ.
Estamos no capítulo do desrespeito. O fracasso do “Campus Fidei” para onde a juventude estava preparada para se dirigir, acampar etc. não se coloca também no campo do desrespeito? Não é por nada que o Papa recordou a vivência trágica que o mundo viveu com o incêndio de uma boite, com mais de 240 jovens mortos, em Santa Maria (RS). O Papa toca nessa questão quando fala do descarte de jovens e idosos. Afirma ele que os extremos são mal atendidos, não são cuidados e são descartados. Vimos muito claramente como os idosos são descartados. Não servem, não produzem. Os jovens também não produzem muito. É uma ponta em vias de ser descartada. É impressionante o alto percentual de desemprego entre os jovens na Europa. A experiência mostra que quando o jovem é respeitado, ele sabe respeitar. Sentir-se, contudo, como descartável, como alguém que sobra, é um dos grandes medos da juventude em todos os continentes.
5. Conhecer a realidade juvenil
É preciso partir da realidade. Só ama quem conhece. A encarnação de Jesus de Nazaré é uma das grandes aulas de pedagogia que Deus nos deu e dá. Isso vale de modo especial para quem trabalha com a juventude e, até, para a juventude. Para um evento tão importante, como é a JMJ, não se pode ir somente, com dinheiro, no peito e na raça. É preciso cultivar o conhecimento da realidade juvenil. Coisas vistas, coisas lidas, coisas estudadas; coisas pesquisadas. Passou o tempo em que bastava ser do clero para se entender de juventude... O sair de si mesmo para  ver “outros mundos” nem sempre é tão fácil. Ser jovem é viver a epopeia do êxodo. O Papa disse que é hora de sair da sacristia e ir para a rua.  Em termos teológicos, é o nascimento da vocação missionária que vive em cada jovem. Por isso que se fala de “conhecer” e “tornar-se conhecido”. Não se imagina uma juventude adormecida, sem querer ver a realidade que a rodeia. A JMJ deveria ser um momento privilegiado de as juventudes se encontrarem, não como massa de manobra, mas como “povo” que carrega em si novidades para toda a sociedade. Não basta saber falar de Deus, da Igreja, dos sacramentos etc. É preciso comungar com a realidade juvenil, o que significa mais do que marcar presença.
Preocupam dois fatos: ver que, nas pessoas da Igreja, o conhecimento da juventude parece ser uma espécie de “ciência infusa”: a gente sabe o que é juventude, não é preciso estudar; segundo, ao mesmo tempo em que em muitas partes a juventude é levada mais a sério, com cursos, pós-graduações, pesquisas, publicações... no espaço da Igreja se dá um estranho abandono desse campo: ao mesmo tempo em que o clero (em geral) se afasta mais dos jovens, a dedicação ao estudo da evangelização da juventude (com tudo o que isso significa) também vai decrescendo e, até, é mal vista.
6. Novos sonhos
Um grande evento, carregado de emoções e ideias, faz e deve fazer brotar utopias.  Jovem que não sonha, é velho. Pessoas que trabalham com jovens e não veem neles/as, sonhadores/as, está no lugar errado. Adultos que não se animam a sonhar junto com os/as jovens não estão vivendo a opção pela juventude. Uma sociedade que acha que “já chegou”, não gosta de quem sonha. Bonito ler o profeta Joel dizendo que “entre vocês, os velhos terão sonhos e os jovens terão visões” (Jl 3,1) porque todos conhecerão o projeto de Deus.
O Papa disse, no Rio de Janeiro, que não saberia dizer o que os jovens queriam dizer com as manifestações que houve em muitas cidades do Brasil (assim como também houve fatos semelhantes na Turquia, na Espanha, no Chile...) mas afirmou: “Com toda franqueza lhes digo: não sei bem porque os jovens estão protestando...  Um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruim. A utopia é respirar e olhar pra frente. O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia”. Utopia e sonho se encontram; utopia e jovem são irmãos; a utopia faz sempre nascer o novo.

Sonho tem muito a ver com “análise de conjuntura”, também da realidade juvenil; sonho tem muito a ver com profecia. Será que milhões de jovens, trazendo na mala as diferentes realidades de seus países, conversando sobre elas, partilhando o que passa no mundo das juventudes, não poderiam transformar as JMJ num grande grito de profecia? Se as JMJ não servirem para fazer novos sonhos, se elas não insistirem em novos sonhos, deveriam ser riscadas do mapa. O “novo céu e a nova terra” (Apc 21,1) precisam da juventude porque ela, de forma muito especial, sabe que o universo sonha ser “a tenda de Deus com os homens”, onde “as coisas antigas têm que desaparecer”. O sonho, contudo precisa da realidade e de referências.
7. As cruzes dos jovens
A Cruz é o símbolo das Jornadas Mundiais da Juventude desde 1985. A Cruz é simples. Já exibe as marcas das muitas viagens percorridas. Falar de “Cruz”, para o cristão, é falar de um dos símbolos mais profundos e emocionantes. Ela está unida, essencialmente, à ressurreição, assim como a morte vai unida à vida. A “Cruz” se torna dramática quando se torna mais importante que a ressurreição. Na visita que o Papa Francisco fez à favela da Varginha, pensando em juventude, ele afirmou: Queria dizer uma última coisa. Uma última coisa! Aqui, como em todo o Brasil, há muitos jovens. Vocês, queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício. Também para vocês e para todas as pessoas repito: nunca desanimem, não percam a confiança, não deixem que se apague a esperança. A realidade pode mudar, o homem pode mudar. Procurem ser vocês os primeiros a praticar o bem, a não se acostumarem ao mal, mas a vencê-lo com o bem.
Precisamos conscientizar-nos de que é  mais importante falar das cruzes dos jovens, do que fazer que os jovens carreguem outra cruz pelas estradas de nossas dioceses. Na mala de nossos sonhos precisamos carregar as cruzes dos jovens brasileiros, latino-americanos e de todo mundo. O documento de Aparecida fala de 11 delas: 1) as sequelas da pobreza; 2) a socialização de valores com forte carga de alienação; 3) a permeabilidade às novas formas de expressões culturais, afetando a identidade pessoal e social do jovem; 4) o fato de os/as jovens serem presa fácil das novas propostas religiosas; 5) as crises da família provocando, na juventude, profundas carências afetivas e conflitos emocionais ; 6) a repercussão de uma educação de baixa qualidade;  7) a ausência de jovens na esfera política devido à desconfiança que geram as situações de corrupção, o desprestígio dos políticos e a procura de interesses pessoais frente ao bem comum;  8) o suicídio de jovens; 9) a impossibilidade de estudar e trabalhar; 10) o fato de os/as jovens terem que deixar seus países dando ao fenômeno da migração um rosto juvenil”; 11) o uso indiscriminado e abusivo da comunicação virtual. Sabemos que há outras cruzes como a baixa autoestima, o medo de morrer, o medo de sobrar, o medo de “ficar por fora”, o medo da AIDS etc. São cruzes de todo dia e cruzes que não se dizem.
O Papa Francisco, com palavras que ecoaram por toda a praia de Copacabana, falando de cruz e das atitudes diante da cruz, interpelou os jovens por outro ângulo. Ele perguntou: Vocês querem ser como quem? Digam-me: vocês são daqueles que lavam as mãos, fingem não ver e olham para o lado, ou são como o Cireneu, que ajuda Jesus a levar aquele pesado madeiro, como Maria e as outras mulheres, que não têm medo de acompanhar Jesus até o final, com amor, com ternura? Por fim, disse:  Jesus está olhando para você agora e lhe diz: você quer me ajudar a carregar a cruz? Irmão, irmã, com toda a sua força jovem, o que você lhe responde?
8. Reforçar o encanto pela juventude
A Igreja vê, na juventude, a constante renovação da vida da humanidade, descobrindo, nela, um sinal de Si mesma. A juventude é convidada, por isso, a trazer uma revitalização para a sociedade e a Igreja, mantendo uma fé na vida e conservando sua faculdade de alegrar-se com tudo o que começa. A juventude é o símbolo da Igreja, chamada a uma constante renovação de si mesma. A Igreja deseja ter uma atitude de diálogo com a juventude, reconhecendo seu papel cada vez mais insubstituível na missão profética que ela tem. Por isso ela quer desenvolver, dentro da pastoral de conjunto, uma autêntica pastoral de juventude, educando os jovens a partir de sua vida, permitindo-lhes plena participação na comunidade eclesial.
Algo grave, no entanto, aconteceu e está acontecendo nos últimos tempos: o desencanto não só da sociedade em geral, mas do clero e dos/as religiosos/as pela juventude. Em muitos lugares a ausência ou a presença clerical apressada, são um fato. D. José Mauro Bastos, referencial da juventude junto aos bispos do Brasil em 2006 e 2007, dizia – quando se preparava o documento 85 sobre Evangelização da Juventude que “está na hora de a sociedade toda, também a Igreja, se reencantar pela juventude”.  Por isso é com muito sentido que o Papa Francisco, na missa celebrada em Copacabana em 28/7/2013 tenha dito para os sacerdotes: Vocês vieram acompanhando seus jovens, e é uma coisa boa partilhar esta experiência de fé. Mas esta é uma etapa do caminho. Continuem acompanhando os jovens com generosidade e alegria, ajudem-lhes a se comprometer ativamente na Igreja; que eles nunca se sintam sozinhos.
Ser encantado pela juventude é amá-la, estar perto dela, ser curioso com o que sucede com ela, estudá-la, dar a vida por ela, escutá-la. É ser apaixonado por ela. Comer com ela do mesmo pão... No mesmo sermão de Copacabana o Papa dizia: Não tenham medo de ir e levar Cristo para todos os ambientes, até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente.  Estamos falando de um compromisso com a vida da juventude. Compromisso que passa por uma pastoral de processo, pelo cuidado com os/as jovens, pelo respeito à juventude, pelo conhecer a realidade juvenil, pelos sonhos jovens (sonhos de Deus), pela opção de conhecer e carregar com os/as jovens suas cruzes e pelo encanto por ela.
É muito bonito, igualmente, ouvir o Papa Francisco falando aos voluntários da JMJ 2013, no dia 28 de julho, desafiando-os a serem revolucionários:  Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, que vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, que não são capazes de amar de verdade. Eu tenho confiança em vocês, jovens, e rezo por vocês. Tenham a coragem de “ir contra a corrente”. Tenham a coragem de ser felizes!
Conclusão
Pensando em juventude, em evangelização da juventude, em evento de massa juvenil que marcou o mundo no Rio de Janeiro, não deixando de lado tudo que houve de bonito e pensando em experiências semelhantes que a Igreja ainda pensa em realizar, há outros aspectos que os pastoralistas e amantes da juventude não podemos deixar de lado. Sem pensar necessariamente em culpados houve, na JMJ do Rio de Janeiro, algumas ausências. Uma vivência tão enorme, tão massiva, tão bonita, tão significativa não nos pode deixar de sonhar. O sonho é sempre uma ausência.

É verdade que houve a “Marcha Internacional contra o Extermínio da Juventude”; a recordação da Chacina da Candelária de 20 anos atrás; a ida do Papa para uma favela e outras coisas que nem se chega a saber, mas não é demais dizer que a JMJ, novamente, chegou só à juventude envolvida no uso da droga (não o tráfico); que a mudança do “Campo da Fé” não foi só desorganização mas um desrespeito à juventude onde a juventude deu uma demonstração da beleza e de utopia acomodando-se, de forma criativa, nas praias compridas de Leblon, Ipanema e Copacabana. A beleza de um gesto juvenil desse tamanho não nos pode fazer esquecer, contudo, que mais uma vez, a juventude foi desrespeitada pela sociedade e pela Igreja. Houve falta de carinho com a juventude. Não entrar no coração do extermínio de jovens onde a grande maioria é de jovens pobres e negros é não chegar a um mundo onde se pode dizer que a juventude nos encanta.

Outra ausência – e esta foi dramática – foi a ausência de protagonismo juvenil. Com isso não se consideram vários espaços, como por exemplo, as “Tendas” de diversos tipos, as palestras, os muitos voluntários com sua generosidade, e muitas outras coisas, mas protagonismo juvenil num evento desses é outra coisa. Quem estava no palco da JMJ não foi a juventude; só se o palco forem as massas infindas caminhando nas ruas e amontoando-se nas praias e nos espaços que a paisagem oferecia... Fora alguns gestos do Papa e fora algum acontecimento perdido, que quase ninguém viu, não erramos se dissermos que na JMJ do Rio de Janeiro prevaleceu o espetáculo é não a profecia. Ou a profecia estaria na massa de jovens rezando, fazendo festa, fazendo que a noite fosse o grande “salão de louvores” onde não morreu ninguém, ninguém foi pisoteado e não foi necessário o uso de cassetetes para manter um mínimo de ordem? Fica uma dúvida muito cruel: será que as Jornadas Mundiais estão destinadas a serem o que são, ou que vimos até agora, e não podem ser uma reflexão enorme, global, continental sobre a realidade juvenil? Seria errado dizer que muita juventude voltou para casa emocionada, mas carregando, no íntimo dela, esta decepção da falta de gestos proféticos que não mereceram os cuidados devidos ou, talvez, nem eram desejados pelos responsáveis? A profecia não pode ser dos bispos e do Papa; deve ser de toda a Igreja, especialmente de uma juventude que ainda sabe sonhar novidades de raiz.
 Hilário Dick

sábado, 22 de junho de 2013

Roma y la Teología de la liberación: fin de la guerra

El Prefecto del ex Santo Oficio, Gerhard Ludwig Müller,
 hace un homenaje, bajo el signo de su amistad con el teólogo peruano Gutiérrez
GIANNI VALENTE
CIUDAD DEL VATICANO

«El movimiento eclesial teológico de América Latina, conocido como “teología de la liberación”, que después del Vaticano II encontró eco en todo el mundo, debe ser considerado, según mi parecer, entre las corrientes más significativas de la teología católica del siglo XX». Quien consagra la teología de la liberación con esta halagadora y perentoria evaluación histórica no es algún representante sudamericano de las estaciones eclesiales del pasado. El “certificado· de validez llega directamente del arzobispo Gerhard Ludwig Müller, actual Prefecto del mismo dicasterio vaticano -la Congregación para la Doctrina de la Fe (CdF)- que durante los años ochenta, siguiendo el impulso del Papa polaco y bajo la guía del entonces cardenal Ratzinger, intervino con dos instrucciones para indicar las desviaciones pastorales y doctrinales que también incluían los caminos que habían tomado las teologías latinoamericanas.


La evaluación sobre la teología de la liberación no es una declaración que se le escapó accidentalmente al actual custodio de la ortodoxia católica. El mismo juicio, meditado, aparece en las densas páginas del volumen del que proviene la cita: una antología de ensayos escrita a cuatro manos, impresa en Alemania en 2004, y que ahora está por se publicada en Italia con el título “De la parte de los pobres, Teología de la liberación, Teología de la Iglesia” (Ediciones Messaggero, Padua, Emi).

El libro hoy irrumpe casi como un acto para clausurar las guerras teológicas del pasado y los residuos bélicos que de tanto en tanto brillan para esparcir alarmas que representan ya intereses ya pretextos. El volumen lleva las firmas del actual responsable del ex Santo Oficio y del teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, padre de la teología de la liberación e inventor de la misma fórmula usada para definir esa corriente teológica, cuyas obras fueron sometidas a exámenes rigurosos durante bastante tiempo por parte de la CdF en su larga estación ratzingeriana, aunque nunca se le haya atribuido ninguna condena.

El libro representa el resultado de un largo camino común. Müller nunca ha ocultado su cercanía a Gustavo Gutiérrez, a quien conoció en 1998 en Lima durante el curso de un seminario de estudios. En 2008, durante la ceremonia para el doctorado honoris causa concedido al teólogo Müller por la Pontificia Universidad Católica del Perú, el entonces obispo de Ratisbona definió como absolutamente ortodoxa la teología de su maestro y amigo peruano. En los meses anteriores al nombramiento de Müller como guía del Dicasterio doctrinal, justamente su relación Gutiérrez fue evocada por algunos como prueba de la no idoneidad del obispo teólogo  alemán para el puesto que ocupó (durante 24 años) el entonces cardenal Ratzinger.

En los esnayos de la antología, los dos autores-amigos se complementan recíprocamente. Según Müller, los méritos de la teología de la liberación van más allá del ámbito del catolicismo latinoamericano. El Prefecto indica en que la teología de la liberación ha expresado en el contexto real de la América Latina de las últimas décadas la orientación hacia Jesucristo redentor y liberador que marca cualquier teología auténticamente cristiana, justamente a partir de la insistente predilección evangélica por los pobres. «En este continente», reconoce Müller «la pobreza oprime a los niños, a los ancianos y a los enfermos», e induce a muchos a «considerar la muerte como una escapatoria». Desde sus primeras manifestaciones, la teología de la liberación “obligaba” a las teologías de otras partes a no crear abstracciones sobre las condiciones reales de la vida de los pueblos o de los individuos. Y reconocía en los pobres la «carne misma de Cristo», como ahora repite Papa Francisco.

Justamente con la llegada del primer Papa latinoamericano surge con mayor fuerza la oportunidad para considerar esos años y esas experiencias sin los condicionamientos de los furores y las polémicas de entonces. Aún alejándose de los ritualismos del “mea culpa” postizos o de las “rehabilitaciones” aparentes, hoy es mucho más fácil reconocer que ciertas vehementes movilizaciones de algunos sectores eclesiales en contra de la teología de la liberación estaban motivadas por ciertas preferencias de orientación política más que por el deseo de custodiar y afirmar la fe de los apóstoles. Los que pagaron la factura fueron los teólogos peruanos y los pastores que estaban completamente sumergidos en la fe evangélica del propio pueblo, que acabaron “triturados” o en la sombra más absoluta. Durante un largo periodo, la hostilidad demostrada hacia la teología de la liberación fue un factor precioso para favorecer brillantes carreras eclesiásticas.

En uno de los textos, Müller (que en una entrevista del 27 de diciembre de 2012 había expresado la hipótesis  del escenario de un Papa latinoamericano después de Ratzinger) describe sin medias tintas los factores político-religiosos y geopolíticos que condicionaron ciertas “cruzadas” en contra de la teología de la liberación: «Con el sentimiento triunfalista de un capitalismo, que probablemente se consideraba definitivamente victorioso», refiere el Prefecto del dicasterio doctrinal vaticano, «se mezcló también la satisfacción de haber cancelado de esta manera cualquier fundmento o justificación de la teología de la liberación. Se creía que el juego era muy sencillo con ella, arrojándola al mismo conjunto de la violencia revolucionaria y del terrorismo de los grupos marxistas». Müller también cita el documento secreto, preparado para el presidente Regan por el Comité de Santa Fe en 1980 (es decir cuatro años antes de la primera Instrucción vaticana sobre la teología de la liberación), en el que se solicitaba al gobierno de los Estados Unidos de América que actuara con agresividad en contra de la «Teología de la liberación», culpable de haber transformado a la Iglesia católica en «arma política contra la propiedad privada y el sistema de la producción capitalista». «Es desconcertante en este documento», subraya Müller, «la desfachatez con la que sus redactores, responsables de dictaduras militares brutales y de potentes oligarquías, hacen de sus intereses por la propiedad privada y por el sistema productivo capitalista el parámetro de lo que debe  valer como criterio cristiano».


Después de haber pasado décadas de batallas y contraposiciones, justamente la amistad entre los dos teólogos (el Prefecto de la Doctrina de la Fe y el que durante un tiempo fue perseguido por el mismo dicasterio doctrinal) alimenta finalmente una óptica capaz de distinguir los obsoletos armazones ideológicos del pasado de la genuina fuente evangélica que impulsaba muchos de los derroteros del catolicismo latinoamericano después del Concilio. Según Müller, justamente Gutiérrez, con sus 85 años (y que planea viajar a Italia y pasarse por Roma en septiembre), ha expresado una reflexión teológica que no se limitaba a las conferencias ni a los cenáculos universitarios, sino que se nutría de la savia de las liturgias celebradas por el sacerdote con los pobres, en las periferias de Lima. Es decir, esa experiencia básica gracias a la que -como dice siempre simple y bíblicamente el mismo Gutiérrez-  «ser cristianos significa seguir a Jesús». Es el Señor mismo, añade Müller al comentar la frase de su amigo peruano, quien «nos da la indicación de comprometernos directamente por los pobres. Hacer la verdad nos lleva a estar de parte de los pobres».  

quinta-feira, 20 de junho de 2013

A PANELA DE PRESSÃO EM JUNHO DE 2013

Hilário Dick
Falávamos e falamos de Maio de 1968. Um Maio memorável, misterioso, difícil de entender. Passaram-se 45 anos e não conseguimos entende-lo, ainda, e não estamos entendendo, de novo, um junho de 2013. Esta juventude! O motivo mais concreto é o aumento das passagens de ônibus: as pessoas têm o direito e a necessidade de locomover-se, mas os donos estão cobrando demais, lucrando demais em cima das necessidades do povo e, de modo especial, do estudante que se deve locomover em busca de sua profissão, de sua sabedoria, da sua convivência com os/as outros/as num espaço que se chama “escola” ou “universidade”, direito de todos.

O que seriam estas movimentações todas, bonitas, pacíficas, cheias de insatisfações, que certa parte do sistema só sabe definir como “depredação” e “violência”? A gente parece que não se deu conta que a panela de pressão arrebentou... É feijão no teto, nas paredes, em todo lado. O problema está em saber quem deixou a panela de pressão arrebentar. E as ruas do Brasil viraram uma cozinha enorme com cheiro de feijão que não se aguentou mais na panela. De quem é a culpa?

Não sejamos cegos dizendo que as multidões que há tempo ou nunca foram às ruas não tenham motivações em suas cabeças, bolsas, bocas e cartazes. Se falarem, vai ser uma “explosão” de raivas, de sonhos pisados, de “bastas”, de indignações ao mesmo tempo claras e indefinidas. É feijão por todo o lado... E quando o povo vai à rua que não é bem para cantar e dançar inocências ou safadezas, os escudos, os guinchos de água e os cassetetes se vão ajeitando às claras e às escondidas, comandados por quem só gosta de massa e não de povo. Naquela hora deixam de haver inocentes e culpados. Todos são culpados...

Impossível dizer as razões destas multidões nas ruas, contudo há aspectos que devem ser tomados em conta:

1.      A manipulação

Há muitos meios de fazer que sejamos manipulados. Parece que estamos na sociedade da Manipulação. O que manda é a aparência: somos o que aparentamos. Para isso existe a moda, o consumo, tantas coisas que os diferentes Meios de Comunicação fazem para que sejamos como eles dizem que deveríamos ser. Nem vale o sexo; o que vale é o corpo. O outro não existe; a utopia está no meu umbigo. Se conseguimos conquistar tantos direitos, onde está a grandeza da pessoa humana? A utopia não é “social”, mas corpórea. Até na religião vale a aparência. É só dar uma olhada nos costumes “clericais” e dos próprios “conventos”. O que vale é a aparência; os grandes eventos... As Jornadas Mundiais de Juventude não estão fora desse enquadramento da aparência e da manipulação. Manipula-se a própria realidade. Fica sempre mais claro que as técnicas da comunicação nos apresentam uma realidade que não é a realidade.

Em vista disso e de outros aspectos fala-se de mudança de paradigmas. Tudo evolui de tal jeito que não se sabe mais o que é “Estado”, o que é “Família”, o que é “Escola”, o que é “Igreja”, o que é “Coletividade”, o que é “Solidariedade”... E a panela de pressão explode. Nunca tivemos uma juventude tão manipulada como hoje. Demora ela dar-se conta, mas quando acorda vemos o feijão voando para todos os lados.

2.      Corrupção

As técnicas de comunicação e controle são tantas e tão sofisticadas  que fica sempre mais claro que a corrupção está sendo descoberta como parte ontológica da pessoa e da sociedade. Estamos muito além dos “mensalões” que para a elite farisaica e sarcástica parecia o começo dos enganos e dos abusos do dinheiro do público. Quando se começa a levantar o tapete de tudo que é roubalheira em todos os sentidos, proíbe-se o Ministério Público investigar. A corrupção é econômica, é política, é moral, é religiosa; a corrupção parece correr nas veias da sociedade. Mesmo que já soubéssemos, como foi ruim virem à tona as corrupções  de um lugar sagrado como é o Vaticano! E não nos enganemos, pensando que não haja outros muitos Vaticanos.

No auge da corrupção do poder romano, o que valia para conservar a paz no Império, era o “pão” e o “circo”. O que significa haver bilhões de reais à disposição para construir “circos” para o povo, quando se diz que não há dinheiro para a saúde, a educação, o transporte, o lazer etc?  Vendo tudo isso, a panela de pressão não aguenta mais. Contemplando esta realidade e pensando em algo específico como a Jornada Mundial da Juventude, não haveria nada em comum? Investimento em marketing; em vez de “cuidado”, o “controle”; em vez de “processo”, o poder manipulatório de eventos; movimentos de massa abusando do valor religioso e popular de alguns símbolos, falando de um “Bote Fé” superficial e festeiro... A panela tem que explodir.

3.      Saturação

Estamos num mundo “saturado”. Não tem mais lugar para o “eu”;  melhor o “eu” está tão grande que não cabe mais... Tudo é objeto. A encarnação mais descarada disso são os “shoppings” que, além de saturarem as vistas, os desejos, as bolsas, carregam no seu bojo algo que não se gosta de dizer: a força da exclusão. Tudo vem de cima; tudo vem feito. Tudo bonito, perfeito; tudo a ser feito e a ser consumido. Desde os objetos, até a educação, as decisões, as religiões. Nas religiões, por exemplo, valem os “catecismos”. Eis aí a solução para as inseguranças! Ao mesmo tempo, a grande fome que está nas ruas é o “protagonismo” e a “autonomia”. De jovens e menos jovens; na sociedade e nas igrejas, nos pátios e nas salas de aula; nos encontros religiosos e “profanos” o que se vai conquistando e o que vai provocando medos e terrores é a autonomia e o empoderamento. Também dentro das igrejas. Parece que o desafio da criatividade desapareceu. Não há lugar para as preciosas pequenas invenções.

Estamos vivendo num mundo “impregnado”. Vivemos numa sociedade “cheia”, “farta”, “saciada”, “ocupada”. Não há mais lugar nem para a poesia ou a confissão de bonitas ignorâncias. Somos “informados” de tudo. Até parece que sabemos de tudo... Não há ilha que escape. Por outro lado, estamos saturados de enganos, de engodos, de mentiras, de desonestidades, de desconfianças. “Confiar em quem?” Por ora, é a família que mais inspira confiança, mas os tipos de famílias se misturam e aumentam em belezas e excentricidades. Enfim, a panela do feijão vai explodindo...

4.      Desrespeito

Outro motivo da explosão da panela é o desrespeito. As pesquisas mostram que o “desrespeito” é uma das fontes da violência dos jovens, quando ela surge da juventude.  Os jovens não são violentos porque querem, mas porque foram violentados... Um dos motivos sérios da explosão da panela de pressão é o desrespeito que toma muitos aspectos: a construção de hidro-elétricas; a questão das reservas de terras para os indígenas; o transporte público; a redução da maioridade penal; o PEC em debate; a falta de cuidado com os jovens nos espaços de lazer; o desemprego; a questão das cotas na Universidade e 39 coisas a mais. Quem não se dá conta de que há eventos horripilantes, junto à periferia dos grandes centros (Goiânia, São José os Campos, São Paulo, aqui e acolá) que provam que há “mistérios” que pensam e fazem como que os pobres não deveriam existir? Veja-se a forma como se olha para a mulher; o significado das marchas das “vadias”, enfim o desrespeito em muitos aspectos, sem falar do Direito, da Polícia, das diferenças de ricos e pobres. Assim como não se respeita a criança, não se respeita nem o jovem nem o idoso... Seria preciso falar do Extermínio de Jovens? Das injustiças entre brancos e negros? De centros e periferias? De lucros exorbitantes? O desrespeito dói e ajuda a panela a ela arrebentar.

São pequenas pobrezas que ocorrem dizer vendo tudo que significa assistir a panela de feijão explodindo na cozinha. Fiquemos desejando que todas estas “marchas” signifiquem, mais adiante, organização. Aí, sim, todas as panelas vão se libertar de seus jugos internos

quarta-feira, 19 de junho de 2013

I. PARA O HORIZONTE, SIM! MAS COM OS PÉS NO CHÃO

Marco da Realidade

A Vida se manifestou, nós a vimos, dela damos testemunho.
Ela está voltada para o Pai e se manifestou a nós ( 1 Jo 1, 2)


Caminhamos, como Pastoral da Juventude, com o olhar e o coração voltados para o Horizonte, tendo os pés no chão, procurando partir da realidade da juventude latino-americana. Os horizontes de nosso caminhar são as juventudes, encaradas como um lugar teológico, onde mora Deus. É que a Igreja e as juventudes estão descobrindo, cada vez mais que, além de ser uma realidade biológica, sociológica, jurídica, antropológica, cultural, elas – as juventudes - são uma realidade teológica. Olhar a realidade juvenil e seu entorno é o primeiro passo, portanto, para que Deus e a juventude sejam percebidos com mais clareza como horizontes da Pastoral da Juventude.

Embora o ponto de partida seja a realidade sofrida dos/as jovens,  não se pode esquecer que o importante é "a realização, até a plena estatura de Cristo”, realização que passa pelo/a jovem como "protagonista da transformação familiar, eclesial e social”, "sujeito ativo, com dignidade, construtor de sua própria história de seu projeto da vida", "sujeito de direitos”, "discípulo missionário, fascinado pela pessoa e pelo projeto de Jesus, disposto a uma permanente conversão pessoal, pastoral e eclesial", "construtor da Civilização do Amor".

1. Juventude e Paradigmas[1]

No estudo da juventude e no trabalho junto aos jovens existem paradigmas, isto é, diversos códigos, estilos e modos de pensar para dar-nos conta da realidade que as gerações atuais de jovens estão vivendo. Necessita-se de outras explicações. Esta “mudança” no pensamento e na ação, contudo, não é um assunto que brota “da noite para o dia”; supõe processos históricos e sociais que vão gerando e amadurecendo novos signos, modos, estilos, linguagens, etc., dando lugar à outra configuração da realidade.

É preciso, por isso, atender à necessidade de clarear um paradigma frente a outro, tomando em conta vários fatores que dão lugar à estruturação dessa realidade. O que importa é estarmos atentos para perceber onde se localizam estas novas sensibilidades, novas linguagens e necessidades, para atender à realidade atual e, em particular, às juventudes. Repetimos  que, no chamado ao serviço e ao processo da evangelização, é importante dar-nos conta que, na emergência dos valores juvenis, entram em questão paradigmas (modelos, padrões) que decidem nossa forma de ler, compreender e trabalhar com a juventude.

1.1 A juventude como etapa preparatória

Neste primeiro paradigma o/a jovem é visto, prioritariamente, como alguém que necessita ser “preparado”.  A expressão histórica mais evidente desta “intervenção” é o que se chamou, desde a revolução industrial (1790), de “moratória social”, uma realidade pedagógica e legal que se apresentou de diversas formas (internatos, serviço militar, escolas movidas por disciplinas rígidas, etc.).  As atividades oferecidas se direcionavam para a “formação”, tendo os adultos como os protagonistas das “in­formações” ou daquilo que, por vezes, se chama “educação”.

1.2 A  juventude como etapa problemática

O/A jovem é visto, neste paradigma, como “problema”. “Problema” porque gera conflitos, faz coisas errôneas, não respeita a tradição, faz coisas que não se compreendem, não segue ou não cumpre normas, porque questiona etc. As atividades oferecidas vão na perspectiva da "prevenção" de problemas: drogas, gravidez na adolescência, prisões especiais, etc. Tudo se "instala" movido por um espírito de desconfiança no jovem. As medidas são tomadas por medo da juventude, e não por estar encantado por ela e pelos desafios que ela lança.

1.3 A juventude como potencial transformador

Este paradigma olha a juventude como fonte de renovação: um segmento da sociedade capaz de transformar o mundo! “A solução está na juventude!”  É o que aconteceu no nazismo, no fascismo, no falangismo e em outras iniciativas. De forma um tanto romântica, o futuro parece con­centrar-se na juventude. Olhando estas realidades vê-se, no entanto, que se agia movido por interesses e não pela valorização do/a jovem como tal.

1.4 A juventude, sujeito de direitos, no caminho da autonomia

É um paradigma que aposta na formação da juventude, em sua personalidade, através de uma pedagogia que considera todas as dimensões da pessoa, inclusive a teológica. O grande desafio é ajudar na construção do empoderamento e do protagonismo juvenil. Nesta perspectiva, um instrumento que se torna fundamental é o planejamento do trabalho com e dos jovens. Insiste-se muito na “formação integral”. Outro aspecto que este paradigma não esquece, é a implementação de políticas públicas de-com-para os/as jovens.

2. Olhar a realidade juvenil[2]

Olhar a realidade juvenil da América Latina e do Caribe, realidade que impregna a juventude, é uma tarefa cada vez mais complexa e pode ser muito parcial, quando se parte de uma perspectiva somente de ordem social, econômica, cultural, religiosa ou política, e não a partir de uma integralidade. É esta “integralidade” que desejamos respeitar.

2.1  Mudança de época

Na mudança de paradigma em que se vive, o fenômeno da globalização, em sua dimensão econômica, cultural e comunicacional, rege – em grande parte - as mudanças significativas. A experiência da relatividade do espaço e do tempo, propiciada pelos Meios de Comunicação e de Informação, cria uma sociedade cada vez mais homogeneizada. Aproximam-se povos, regiões e Continentes, marcando um desenvolvimento rápido. O desafio é olhar esta realidade com os olhos da fé.

Novos sujeitos

A transição cultural faz surgir uma alteração nos modelos de identidade. Surgem “sujeitos novos”. De configurações fechadas e estáticas, passa-se a formas dinâmicas e flexíveis que demarcam características de identificação muito frágeis. Os jovens assimilam e socializam rapidamente esta nova dinâmica de construção da identidade, implicando em outra maneira de olhar o relacionamento consigo mesmo, com os demais, com a realidade e com o transcendente.

A vivência da interioridade

Em tempos de mudança de época, a importância da interioridade reaparece e tem um impacto particular. Falar desta interioridade é compreender que todo ser tem uma interioridade a descobrir, um mundo guardado que o conecta com as coisas, situações, lembranças, lugares, cheiros, sensações cada vez mais íntimas e, ao mesmo tempo, aspectos mais socializados e socializáveis, com a possibilidade de saber-se conectado com a transcendência, seja ela qual for.

Na vivência desta interioridade dos jovens, cabe menção especial à corporalidade. A corporalidade é uma mediação pela qual o/a jovem se conecta com os outros, com o mundo e com o Outro de forma especial e nova. Ele se relaciona a partir de dentro, sendo perceptivo do ser dos outros, do ser no mundo e do Outro. Dado que o corpo (a aparência) é caminho privilegiado de conexão e contato, é interessante ver como trabalhamos, com os/as jovens, a corporalidade, o conhecimento de si mesmos para entrarem neles mesmos, sem desvios, sem fugas e sem perdas.

2.2 A partir do fenômeno da globalização

As juventudes formam o maior grupo do Continente, com uma vulnerabilidade, característica da fase que os/as jovens vivem. Eles (os/as jovens) são vistos, por vezes, somente a partir de uma perspectiva de futuro, esquecendo que eles são, também, o presente e que buscam, no meio de tudo, definir sua própria identidade, oprimida por tantas situações novas que lhes vão demarcando um panorama incerto e inseguro.

3. Fatores que influem na realidade juvenil[3]

Numa visão geral da realidade da América Latina e do Caribe encontramos uma diversidade enorme de rostos concretos de jovens que sofrem a desestruturação da sociedade: rostos de jovens indígenas, de afro-americanos, de camponeses, de rostos dos mundos suburbanos marginalizados, de rostos que vivem privados dos recursos mais básicos, e sem possibilidades de serem visíveis, em meio a um sistema neoliberal que promove, em nossos países, um processo de empobrecimento e de má distribuição das riquezas[4]. Embora o cenário político do Continente Latino-Americano tenha mudado, um tanto, nos últimos anos  é bom perguntar-se: qual é a participação dos jovens nesta engrenagem e nesta mudança? Como diz muito bem uma estudiosa:

Desde algum tempo a juventude se vê mais distanciada do sistema político e da disputa eleitoral, o que se reflete nos baixos níveis de filiação partidária ou de participação em eleições, em muitos países. Na verdade, a juventude costuma sentir-se pouco representada nos espaços das decisões políticas[5].

3.1 A Cultura

Vivemos numa época de transformações culturais que afetam intensamente a vida de nossos povos, incidindo, no modo de ser, pensar e agir, especialmente dos jovens que enriquecem este Continente, chamado por João Paulo II, de Continente da Esperança. Somos chamados/as a viver a nossa originalidade e a reconhecer tudo o que a juventude está construindo, especialmente a partir de movimentos culturais, onde brotam as expressões vivas da juventude empobrecida.

3.2 Tecnologias de Informação e Comunicação

As novas tecnologias favorecem que o mundo se converta, sempre mais, em uma só e grande aldeia global, unida pelas redes sociais e comunidades virtuais que permitem que os adolescentes e os jovens sejam reconhecidos como os grandes “conhecedores” do manejo da informação.

Algumas características do paradigma da rede, particularmente incisivas, são: a acessibilidade e a usabilidade de conteúdos; a confusão da dimensão pública e privada; a continuidade entre a realidade e a virtualidade; a liberdade de intervenção; a participação e a publicação; o poder de comunicar-se graças às tecnologias de comunicação sempre mais simpáticas e fáceis; as novas formas de democracia e cidadania, graças às relações cada vez mais intensas e interligadas entre os conteúdos; os ambientes e as pertenças a diferentes comunidades virtuais que visam a colaboração e a interação social.

Dizia o Papa Bento 16 que a vós, jovens, que quase espontaneamente vos sentis em sintonia com estes novos meios de comunicação, a vós corresponde, de maneira particular, a tarefa de evangelizar este “Continente digital”. Nas Conclusões do 3º Congresso Latino-Americano de Jovens, em Los Teques (Venezuela), os participantes também afirmavam que  (...)  dada a influência das Tecnologias da Informação e da Comunicação, que afetam a vida dos adolescentes e jovens, nos vemos desafiados a formar-nos nos valores da dignidade humana,  para discernir e assumir uma consciência crítica em relação ao uso  da tecnologia e dos conteúdos da comunicação.

3.3 A família

Os/As jovens se veem afetados/as, de modo dramático, pela desestrutura familiar, parte da realidade e das diferentes situações que os/as envolvem (pobreza, desemprego, desigualdade, violência, desamor, consumo, visão utilitarista, relativismo de valores, defesa  de novos pseudomodelos de família, ideologia de gêneros...) em detrimento de seu desenvolvimento afetivo e de seu crescimento nos valores. Esta situação é mais chocante porque a família, segundo muitas pesquisas,  é a instituição mais apreciada pelas juventudes.

3.4  A educação

Os/As jovens, no 2º Congresso Latino-Americano de Jovens, em Punta de Tralca, no Chile (l998), já expre­ssavam seu temor ante o “fortalecimento dos modelos educativos segundo o modelo neoliberal, onde é prioritária a produção, menosprezando os valo­res fundamentais do homem”. Verifica-se que, embora os jovens tenham um nível educacional mais elevado do que o das gerações passadas, e continuem e concluam o ensino secundário, persiste, de modo alarmante, a deserção escolar, sobretudo entre os/as jovens mais pobres. Isto se deve tanto à falta de oportunidades e de orientação, como ao fato de eles/as terem que ajudar suas famílias que vivem na pobreza ou na extrema pobreza. Não deixa de ser um desafio a falta de acesso a escolas ou instituições de ensino, juntamente com os problemas familiares, sociais, econômicos, que os coloca em uma posição de desigualdade frente ao futuro.

3.5  A pobreza

Muitos de nossos/as jovens são formados/as por rostos sofridos que vivem no cenário que vamos descrevendo e, além disso, não estudam e são obrigados a trabalhar, desde cedo, para levar algum sustento para suas casas, com empregos que pouco os/as ajudam a melhorar ou equilibrar a sua situação. A pobreza é o rosto da maioria dos jovens latino-americanos.

3.6  O desemprego

Falando de desemprego, levantam-se as preocupações sobre a deficiência na qualidade da educação ou sobre a capacitação que muitos recebem ou a exigência que se apresenta à juventude da experiência de trabalho. Isso faz com que haja grande mobilidade ou migração juvenil, agravando a situação dos lugares aonde eles/as chegam. Fica sempre mais evidente que, em nosso Continente, esta mobilidade tem um rosto juvenil. Outra situação muito particular, no campo do desemprego, é a inclusão das mulheres no campo de trabalho, colocando-a em desvantagem, em relação ao salário dos homens.

3.7 A migração

Como um fenômeno social, a migração sempre existiu, de modo intenso, em nosso Continente. No entanto, hoje existe uma mobilidade exacerbada, especialmente de adolescentes e jovens, para os países com nível socioeconômico mais alto, e que oferecem melhores possibilidades de vida[6], agregando-se a esta situação o capítulo do tráfico de pessoas.

3.8  Violência e juventude

A violência juvenil é produto de uma série de interações sociais, entre as quais, a pobreza. Contudo, com relação à juventude, mais do que violentos, é claro que os jovens são mais violentados, uma verdade que a sociedade teima em não querer aceitar.

A integração a organizações ou redes de narcotráfico e a delinquência juvenil crescem, como um câncer, como opção entre os jovens. São situações que obscurecem suas vidas e os/as levam a um abismo, sem esperança e sem futuro: a prostituição, o crime, os assassinatos, o tráfico e a aquisição de armas. Esta tendência, em ascensão, já é vivida por menores de idade, não só por homens, mas igualmente por mulheres que já passam a fazer parte das estatísticas de mortalidade por causa da violência. Não é algo que os/as jovens querem; são levados/as a isso por uma sociedade orientada para o lucro.

Em termos gerais, os jovens latino-americanos e caribenhos são vítimas de um círculo vicioso desencadeado em torno ao uso abusivo de drogas ou em torno de atos furtivos,  roubos e outros crimes contra o patrimônio; são, também vítimas de famílias desestruturadas e formas institucionais de violências, produtos da ação alienante dos Meios de Comunicação que escondem as causas da violência, sempre culpando aqueles que já sofrem.

3.9  Biodiversidade e Ecologia

Com desencanto e tristeza vemos como, por décadas, se realizaram e se realizam duras batalhas pela conservação do meio ambiente. Trata-se, muitas vezes, de lutas manifestadas contra os próprios governos gestando acordos ou tratados com nações, empresas e pessoas poderosas, querendo lucrar com a Mãe Terra. Uma política que transforma tudo em "lucro", esquece a vida. Hoje sofremos consequências irreversíveis pelas explorações indiscriminadas dos solos, matas e bosques; pela poluição das águas; pelo cultivo de transgênicos e pelo uso de agrotóxicos.

Daí a urgência de uma cultura ecológica que permita, de alguma forma, salvar e preservar esta herança da criação, proclamada e gritada como um desafio pelo 3º Congresso Latino-Americano de Jovens, afirmando que na ausência de uma sólida cultura ecológica, provocada  por um conceito muito fragmentado e deficiente de ecologia, devemos promover caminhos  que possibilitem  o respeito pela vida e pela natureza .

3.10  Outras realidades

            Afetividade e sexualidade

Vivemos numa sociedade que semeia a dúvida sobre a ideia de comprometer-se, em nome do amor; vivemos numa sociedade onde se verifica uma vida familiar desestruturada manifestando-se na  separação e no divórcio dos pais, um fator que marca profundamente a vida psíquica dos/as jovens. Além disso, muitas vezes, a dimensão afetivo-sexual, acaba sendo experimentada por meio da sedução e da agressão sexual.

São evidentes, por outro lado, as correntes ideológicas apresentando, "políticas de gênero" que desembocam na confusão dos sexos, impedindo, a adolescentes e jovens, adquirirem o sentido da diferença sexual e da relação entre uma pessoa e outra. Apesar disso, contudo, a maioria dos jovens valoriza a família, quer-se casar e fundar uma família, mesmo não sabendo o que é constituir uma relação permanente.

Homossexualidade

Gradualmente, constata-se uma desestabilização do modo como se consideram as relações tradicionais entre homens e mulheres. Esta desestabilização deu lugar a uma era de incertezas em que muitas noções, consideradas "naturais", estão sendo submetidas a um questionamento jamais visto. Um exemplo disso é a sexualidade, como tal.

A homossexualidade, como um fenômeno que afeta a juventude, não pode ser um assunto alheio à Pastoral da Juventude. Muitos têm esperado que as Ciências superassem o assunto, de uma forma e de outra, de forma segura e conclusiva. No entanto, até o momento, não foi possível estabelecer causas diretas e conclusivas; apenas algumas correlações.

VIH/SIDA

São cada vez mais frequentes os casos de jovens, em nossa região, infectados com HIV/ AIDS, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.  Este flagelo está “acabando”, de forma desmedida, as vidas de milhões de jovens. Tornou-se uma crise difícil de controlar. Além disso,  avança, silenciosamente, entre a população cada vez mais jovem.

Drogadição e alcoolismo

A mudança de época alterou os fatores de risco com relação ao uso de substâncias psicoativas, passando-se de valores homogêneos a heterogêneos; de baixos níveis de informação a um alto grau de informação, graças ao desenvolvimento da internet; de um modelo de família nuclear, ao que se vive, atualmente, com respeito à decomposição familiar.

Os vícios do mundo juvenil abrangem uma grande variedade de perfis, tendo uma relação direta com a personalidade do/a jovem. Estas adições são tidas como um meio de fuga da realidade em que se quer desconhecer certos estados de ânimo, predominando o não poder conter a constante necessidade de tomar uma determinada atitude; reinando o domínio e a necessidade mais do que a vontade própria; desestabilizando seu entorno, seja ele a família, a escola, o  trabalho,  a vida social, etc.

Os sentimentos, como a felicidade e o prazer, são vendidos nos Meios de Comunicação como efêmeros e fugazes, despertando, também nas juventudes, condutas consumistas, ligadas aos círculos viciosos, onde, para encontrar níveis de felicidade, se deve consumir mais e mais porque os sentimentos não se baseiam em raízes profundas do ser, mas em imediatidades que, muitas vezes, deixam altos níveis de decepção e frustração.

Como diz o documento de Aparecida (422), os Estados e as Igrejas são instituições responsáveis ​​pela prevenção baseada em investigações científicas que desenvolvam nos jovens hábitos para a vida, estilos de vida saudáveis, e que insistam na educação de valor diante da vida e do amor que, realmente dignificam a vida dos jovens, como filhos de Deus.

            Prostituição

A prostituição é um fenômeno social complexo que afeta, de modo particular, o segmento juvenil. As causas do problema são, especialmente, três: a causa psicológica (violência intra-familiar, agressões, abusos...); a causa econômica (miséria, pobreza, desemprego, desintegração familiar...); e a baixa qualidade da educação.

É evidente que a prostituição denigre a pessoa, a ponto de ela (também o/a jovem) tornar-se um objeto. A prostituição leva a fazer do corpo uma mercadoria que se vende.




[1] Nº 07 a 26. Os números correspondem à edição espanhola desta obra, em 2012.
[2] Nº 27 a 52.
[3] Nº 53 a 119.
[4] Bento XVI, Discurso ao Corpo  Diplomático, 08 de janeiro de 2007.
[5] VILLACRES, Jessica. Os contextos e as estruturas sociais da América Latina e do Caribe. http://www.pjlatinoamericana.com/DISCER­NIR_forosvirtuales.html.
[6] Veja-se Tráfico de pessoas. A forma contemporânea de escravidão humana. IHU – Revista do Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, nº 414, ano XIII, 15 de abril de 2013.