Páginas

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A ARTE DE ACOMPANHAR

Introdução

Os Padres Apostólicos falam do “acompanhamento” como sendo a arte das artes. Uma realidade muito delicada já que se trata de ajudar os irmãos a crescer na docilidade ao Espírito. É a arte de conhecer as moções do Espírito que não tem nem regras nem tempos para agir. É, basicamente, anárquico: “O vento sopra onde quer. Você ouve o barulho, mas não sabe de onde ele vem, nem para onde vai. Acontece a mesma coisa com quem nasceu do Espírito” (Jo3,8),

Aprender a acompanhar é aprender a reconhecer como a graça de Deus opera em cada homem e em cada mulher, e o faz de maneira própria, adequada à sua história, à sua personalidade e a seus desejos mais profundos. Acompanhar não significa somente reconhecer as sugestões e moções do Espírito. Também devemos aprender a reconhecer o mau espírito. O espírito do maligno.

O Evangelho mostra-nos, na parábola do trigo e do joio, como ambos vão crescendo juntos. Portanto esta mistura de luz e treva, de trigo e de joio, é que faz da vida espiritual uma constante luta. Uma luta espiritual. A arte de acompanhar - o que há alguns anos se chamava de “direção espiritual” - é parte importante da tradição da Igreja e tem raízes profundas na Sagrada Escritura.

É de grande proveito tomar a Escritura e lê-la na perspectiva de como o Deus de Israel é um Deus que sabe acompanhar. É a primeira escola onde podemos aprender esta difícil arte que Deus sabe fazer com delicadeza. Vemos isso na sua relação com Abraão, com Moisés, com Davi e com Jeremias. São muitos os textos que podemos citar e nos quais Deus se apresenta metido dentro da história, acompanhando o andar do homem e do povo. Lemos em 2 Samuel: “Eu tirei você do pastoreio, onde você cuidava das ovelhas, para fazê-lo chefe do meu povo Israel. Estive com você em toda parte por onde você andava...” (2Sam 7,8-9). Em Jeremias pode-se ler: “Não diga ´sou jovem´ porque você irá para aqueles a quem eu o mandar. O que eu mando você o dirá. Não os tema porque estou com você para librá-lo” (Jer 1,7-19).

No Novo Testamento Jesus é o mestre. O Filho de Deus se apresenta como um homem acompanhado e acompanhante. É um homem acompanhado por seu Pai. Tudo que faz, tudo que diz, é sob o olhar do Pai que o apoia com seu amor eterno. É o acompanhante do grupo que chama de “discípulos”, em seu lento processo de conversão e nos passos que vão dando para mudar de estilo de vida, de maneira de pensar e sentir e de mudar os critérios de análise da realidade que lhes tocou viver.

Assim, esta prática passa para a Igreja e ela a assume como uma forma de evangelizar o homem e fazer que este se faça alegria e esperança para outros, se faça alegria para Deus. O santo povo de Deus tem direito a ter acompanhantes para seguir os caminhos do Evangelho. Desgraçadamente, nos últimos anos viveu-se uma certa crise na prática da direção espiritual. Atualmente, contudo, esta crise está sendo superada com vantagem. São muitos os interessados em aprender a acompanhar, como também os que buscam ser acompanhados.

São muitas as experiências vitais que tem alguns elementos próprios do acompanhamento: o ser pai e mãe, o ser mestre de noviços ou formador, o trabalhar em terapia ou como professor. Todos ao serviços, ministérios, para criar beleza, vida livre, desenvolvimento e verdade.


I. QUE É O ACOMPANHAMENTO? - VISÃO NEGATIVA

É difícil responder já que não há somente um modo de fazê-lo. Há pessoas que o fazem de forma muito diversas seja por sua formação, seja pela ênfase que cada um dá ,como também são distintas as pessoas acompanhadas. Não é o mesmo acompanhar um jovem, um adulto ou uma pessoa com experiência. Por isso é melhor pôr-nos de acordo em alguns termos, em alguns objetivos e em certos caminhos. O resto é arte e, portanto, precisam-se de artesãos.

Precisar-se-ia de um mestre sábio e com grande experiência que pudesse esclarecer tantas dúvidas que moram em nosso coração, mas os verdadeiros mestres são os que sabem ficar calados ante a complexo a tarefa e convidam a fazer caminhos próprios, além de qualquer receita que facilitaria nossas buscas.

Que é o acompanhamento? É mais fácil explicitar primeiramente os caminhos errados para, depois, propor algumas afirmações a respeito do que é acompanhar.



1.1 Não é uma terapia psicológica

Os acompanhantes não são terapeutas, nem é honroso pretender sê-lo. Não se trata de favorecer processos de introspeção e explicitação de dificuldades psicológicas dos acompanhados, a fim de serem sanados. O santo povo de Deus merece acompanhantes, mais que psicólogos. O acompanhante é uma testemunha da passagem de Deus pela vida de um homem ou de uma mulher; é alguém que descobre o mistério da vida que habita na profundeza do acompanhado e o faz com os olhos de Deus para amá-lo com o coração de Deus acompanhando-o em sua busca incessante de viver. O acompanhamento e ajuda psicológica não se contradizem nem se excluem, mas são distintos.

1.2 Não é um encontro de amigos

São muito distintas uma conversa entre amigos e uma conversa de acompanhamento. O acompanhamento pode fazer-se entre amigos, mas requer que cada um assuma um lugar diferente. Um é o acompanhado e o outro o acompanhante. São papéis diferentes, não significando que um seja superior ao outro. Além disso, o acompanhamento e a amizade têm tem uma evolução distinta. Sendo o primeiro temporal, toma uma etapa do desenvolvimento espiritual. Por outro lado, a amizade pode estender-se por toda a vida.

1.3 Não é carregar a sorte do acompanhado

É preciso ter cuidado com nossos paternalismo ou maternalismos. Estariam indicando que não estamos tratando o acompanhado como um irmão ou um adulto, como uma pessoa com força e liberdade. As conseqüências desta atitude são perigosas. Produzem dependências e infantilismos que levarão à grave crise da direção espiritual. Quando reconhecemos em nós o sentir-nos responsáveis da vida e da sorte do acompanhado, precisamos parar e questionar-nos sobre o que estamos fazendo, sobre qual de nossa parte está entrando na relação e a perturba, tirando-lhe a liberdade, a gratuidade e a beleza.

1.4 Não é pregar nem querer que outros repitam minha experiência

O que ajudou a mim não vai, necessariamente, ajudar o outro que tem história, sensibilidade e desejos distintos. Não podemos, por isso, invocar constantemente a nossa experiência. Somente quando ela pode ajudar em algumas situações específicas. Não ajuda falar em abstrato nem cair nas generalizações. Também não temos o direito de julgar moralmente os nossos acompanhados. Isto é o que faziam os fariseus e o Evangelho nos mostra como foram rejeitados por Jesus em suas práticas.

1.5 Não é agradar o acompanhado sem ajudá-lo

Às vezes o acompanhante, por insegurança pessoal, busca ser simpático e agradar. Isso leva-o a estar centrado em si mesmo. Nossa responsabilidade é ser amável e acolhedor. Contudo, não podemos deixar de dizer o que vemos por temer que o outro se moleste e vá embora. Nalgumas situações temos que ser bons cirurgiões e questionar atitudes e comportamentos que pertencem ao que se chama de “área cega”, aspectos de nossa vida que não vemos, mas os outros conhecem. Se o acompanhado deixa de vir, não é, necessariamente, um fracasso. Pode ser um momento importante na vida desse homem ou dessa mulher. É possível que seja a ocasião de rebelar-se ou, então, de tomar consciência das dificuldades que carrega.

1.6 Não é ter resposta para tudo

Freqüentemente temos uma concepção autoritária onde exigimos controlar e saber tudo, o que nos tira a simplicidade e o frescor da vida. São tantas as coisas humanas e divinas que ignoramos e que precisamos aprender de outros!


II. QUE É ACOMPANHAMENTO? - VISÃO POSITIVA

2.1 Uma primeira aproximação nos é permitida por três textos do Novo Testamento que nos ajudam a compreender melhor em que consiste o acompanhamento.

a) Os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). O acompanhamento é o encontro entre caminhantes que vão partilhando histórias da vida, esperanças e frustrações. A gana de superar. Em meio ao desencanto cruza um caminhante que pergunta: o que estão conversando? No acompanhamento as perguntas são fundamentais: como estás? para onde vais? Também é fundamental a capacidade de receber, escutar e, posteriormente, esclarecer e ajudar a reler a realidade com olhos novos, para terminar celebrando.

b) O bom Pastor (Jo 10,1-16). O evangelista apresenta Jesus Cristo como acompanhante e mostra as características que o constituem mestre e discernidor de espíritos. Conhece as ovelhas, sabe o que são e onde vivem bem como aquilo que as motiva. Alimenta-as e dá-lhes de beber para que tenham vida. Sabe qual é o alimento que convém e onde está a fonte da qual brota a vida. Sara as feridas e sai para encontrar as que se perdem. O acompanhamento é uma experiência profundamente humana de aproximação, de conhecimento, de intercâmbio, de ternura na qual o acompanhado coloca sua história, seus sonhos e suas buscas nas mãos do acompanhante. O acompanhante não é um consultor. É necessário que dê sua vida pelas ovelhas. Acompanha e toma as dimensões mais profundas de nosso amor.

c) “Meus filhos, sofro novamente como dores de parto. Até que Cristo esteja formado em vocês. Gostaria de estar junto de vocês neste momento, e de mudar o tom de minha voz, porque não sei mais que atitude tomar com vocês” (Gal 4,19-20). Paulo não havia podido ajudar os gálatas a configurar-se com Cristo. Esta é a nossa tarefa: explicitar Cristo na história, na vida, nos sonhos de um homem ou de uma mulher, de modo que esta experiência de fé seja uma fonte de vida que impregne todo o agir do acompanhado.

2.2 O acompanhamento é uma experiência religiosa de encontro onde o acompanhado expõe o que está passando no hoje de sua vida para que, junto com o acompanhante, possa reconhecer quem é, o que quer e onde se encontra no caminho que o leva à adultez em Cristo.

Estes encontros caracterizam-se por serem periódicos e sistemáticos, já que não se pode discernir a vida e a obra do Espírito numa só vez. Requer-se tempo e percorrer distintas áreas da vida. O acompanhado tem que descobrir seu ser mais profundo e sua evolução, de modo que o acompanhante possa entrever sua realidade espiritual e seu mistério: como é que Deus está agindo nela ou nela?

No acompanhamento, o que importa é a pessoa, mais do que os problemas que ela apresenta: quem é a pessoa que tem dificuldades? Como vive ela os problemas? Que forças tem ela? Como é sua história espiritual? O acompanhamento sempre terá uma valorização do interpessoal como o lugar privilegiado de encontro e de descobrimento da realidade misteriosa do acompanhado. Vivemos na cultura da eficiência na resolução dos problemas e no oferecimento de luzes para que o outro vá adiante como possa. O “experto” centra-se nos problemas; o acompanhante na pessoa.

2.3 O acompanhamento é um lugar de graça, de verdade e de solidariedade fraternal.

O acompanhamento é um lugar da graça pelo intercâmbio de vida. Assim como o amor de Deus, passa mediado pelo carinho, pela compreensão, pela experiência e leitura nova que o acompanhado faz de sua vida. O acompanhamento nos liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer em transparência. Chegamos a ser pessoas cheias de luz e de claridade, sinais delicados do amor de Deus e de sua graça salvadora.

Ao expor a vida aos olhos do acompanhante também crescemos em verdade e isso nos permite ver com seus olhos novos nossa própria vida. Ao partilhar com o outro, vejo com olhos novos o que vivo, o que sou, o que quero e saio da confusão e/ou do vago, que são caminhos que nos sugere o maligno. Somos peregrinos do começo ao fim, caminhantes, e quando fazemos o caminho sós, podemos cair facilmente nas mãos de assaltantes. No acompanhamento pomos a vida nas mãos do outro e vamos fazendo caminho juntos. Assim o outro pode refletir, comentar, discernir a obra de Deus e denunciar, indicar o mau espírito, o joio. Esta é um modo fraternal e solidário de percorrer o caminho.


III. ALGUMAS CONSEQÜENCIAS

3.1 O acompanhamento sempre será um cuidado de uma pessoa única que tem existência própria diante de Deus e na Igreja.

É o reflexo do amor personalizado de Deus a seu filho ou a sua filha. Esse amor passa pelo amor e pela compreensão do acompanhante; pela relação fraternal que pode estabelecer. Esta relação é completamente diferente em cada um. Isso exige uma flexibilidade e uma liberdade muito grande no acompanhante.

3.2 Precisamos ser acompanhados. É um direito de todo cristão.

Ninguém se salva sozinho. Dependemos uns dos outros. Não basta a inteligência para percorrer os caminhos do Evangelho. As trevas devem ser iluminadas desde fora, Ninguém é tão hábil que possa dar-se conta, por si mesmo, que está cego. Todos temos pontos cegos em nossa vida e, se não buscamos ajuda, estamos arriscando-nos a não chegar à maturidade em Cristo. Santa Teresa de Ávila presta conta de sua tarefa como acompanhante: “Eu não faço outra coisa do que evitar tudo o que possa obstruir, altear ou mudar o caminho pelo qual Deus leva as irmãs”.

3.3 O acompanhamento responde às necessidades de verdade e de honradez que moram no coração de cada pessoa.
Todos queremos ser honrados e viver na verdade, embora às vezes tenhamos temores em tomar contacto com a nossa profundidade e encontrar-nos com Deus. Atarefa do acompanhante é ajudar a essa pessoa a enfrentar-se. Por isso a prepara, a anima, a corrige e a ajuda a celebrar na medida em que vive com mais verdade e sabedoria.

3.4 O acompanhamento é uma arte, um carisma, um processo pedagógico

É uma arte que requer todas as nossas habilidades e experiências para intervir e para esperar, para reconhecer a obra de Deus. Requer tempo e esforço. Por isso podemos ajudar a poucos. É um carisma, um regalo de Deus para sua Igreja. É um serviço prestado ao santo povo de Deus. Ninguém pode fazer bravatas em matéria de acompanhamento. É um caminho pedagógico, um processo gradual que requer do acompanhante uma grande capacidade de escutar, acolher e deixar-se tocar pelo que o acompanhado é, não somente pelo que diz. Uma capacidade de olhar em profundidade, para reconhecer uma história santa, um caminho de salvação; uma capacidade de convidar a seguir a Cristo sem desfalecer.

3.5 Para acompanhar deve-se ter algumas convicções que nos permitem fazê-lo com maior fluidez e solidez

a) Toda pessoa é boa no profundo de seu ser. O núcleo de nosso ser é uma parte redimida e ressuscitada. O acompanhamento é buscar e tomar contato com esta área boa, salva e, a partir daí, refletir o bonito e o vital que vamos adivinhando.
b) Toda pessoa está em processo. Vai fazendo seu caminho e Deus vai trabalhando nele. Ninguém pode julgar, por si e por outros, que sua vida não tem solução. Os ritmos deste processo são diferentes e podem exigir, tanto do acompanhante como do acompanhado, paciência e perseverança.
c) Eu, como acompanhante, posso ter recursos, posso facilitar o caminho da perfeição cristã se ponho à disposição a força, a experiência, a bondade e os conhecimentos para serem uma ajuda significativa para a vida espiritual do acompanhado.

3.6 Todo processo de acompanhamento é temporal.

Podemos fazer caminho por um tempo, numa etapa da vida espiritual. Para a seguinte é possível necessitar de outra pessoa. É a experiência que tem Santa Teresa de Ávila e, também, Teresa dos Andes.

3.7 Cada acompanhante tem que revisar com honradez e discernir se é este o ministério para o qual Deus o chamou.

Não existem os diretores espirituais ideais. Por isso temos que perguntar-nos como integramos habilidades e dificuldades, necessidades da comunidade na qual participamos e a vontade da Igreja para convidar-nos a acompanhar a alguns de seus filhos.


IV. O ACOMPANHANTE, TESTEMUNHA DO AMOR DE DEUS

O acompanhante, mais do que um especialista em introspeção, é um especialista no agir de Deus. É quem sabe, por experiência própria e por experiência com outros, como a força do Espírito penetra e purifica as profundezas de nosso ser, fazendo-nos mais livres, mais disponíveis às moções de Deus. São Bento, um homem que soube da ciência de Deus e do coração dos homens, em sua Regra LVII, recomenda que aos postulantes se lhes assinale “um ancião apto para ganhar as almas, que velará por eles com a máxima atenção”.

O acompanhante deve ter sabedoria de ancião para saber dizer e reconhecer do que é capaz o coração do homem; tem que ser apto para servir e fazer-se próximo, para ganhar a alma do acompanhado e poder velas e cuidar dele com a máxima delicadeza. Na atualidade, a tarefa do acompanhante se associa mais a um trabalho de psicólogo, empobrecendo a realidade e a tarefa do acompanhante como um homem ou uma mulher testemunha do amor de Deus. Há muitas formas de acompanhar e isso depende tanto de quem acompanha como dos acompanhados. Não há uma maneira boa e outras más. Assim como não é o mesmo acompanhar a jovens ou adultos, religiosos ou casados.

4.1 Algumas tarefas específicas do acompanhante

O acompanhante é chamado a ser um mestre, com toda a beleza e toda a complexidade que isso acarreta. Cada um de nós tem características de mestre, porém custa-nos dar-nos conta disso. Julgamo-nos duramente e estes juízos nos levam à dúvida e à insegurança a respeito de nós mesmos. As tarefas de um mestre são:

a) Ser testemunha do desenvolvimento do acompanhado.

Toda pessoa precisa de alguém que seja capaz de olhá-lo em seu ser e de espelhar o que vê. O acompanhante busca e contempla no acompanhado como surge o homem e a mulher nova e adquire a maturidade em Cristo. É uma testemunha das consolações e desolações, de como a graça age de maneira única nesta pessoa, recriando-a .O acompanhante é um contemplativo da história vital de um irmão em seu encontro com Deus. É indispensável aprender a olhar longamente e isso nos custa. Somos homens e mulheres de juízo rápido: “isto é bom”, “aquilo é mau”. Custa dar-nos tempo e proximidade para discernir. Preferimos aplicar a inteligência para aconselhar.

b) Convidar à vida

É fundamental que o acompanhado se sinta convidado a viver, a conhecer-se de verdade, a querer com liberdade. Ele tem que descobrir a trama de sua vida, as motivações profundas que o levam a ser desta forma, suas habilidades e dificuldades, tanto na ordem intelectual como na ordem afetiva, no religioso etc. Convidar a continuar o caminho apesar dos cansaços e quedas, animar e robustecer os caminhos novos empreendidos. Como mora em nós esta capacidade de animar? Quando a exercemos? Com quem? Se na vida quotidiana não a praticamos, tampouco o faremos no acompanhamento.

c) Saber discernir

Discernir é reconhecer, distinguir, elucidar a maneira de como o Espírito de Deus age no acompanhado. É reconhecer nele o que há de verdadeiro, bom, bonito, e descobrir como o dinamismo de Deus age no coração do homem. Somente assim poderemos convidá-lo a ser fiel ao Espírito. Discernir o espírito de Deus e o espírito do maligno, vendo como se está dando a luta e o combate espiritual em nossos acompanhados, é fundamental. Às vezes acreditamos que são somente estorvos históricos ou psicológicos is que perturbam o crescimento e o amadurecimento de alguém.

Cada pessoa tem um caminho único, uma vocação completamente original. No acompanhamento deve sair à luz esta vocação, este estilo próprio de viver e de seguir a Jesus Cristo. Há tantas vocações como pessoas. Portanto, o discernimento é indispensável. O acompanhado faz o caminho, sendo fiel à orientação profunda de sua vida, ao dinamismo que Deus lhe dá. A tarefa do acompanhante é respeitar as decisões e escolhas que o acompanhado faz.

d) Poder ensinar

É a capacidade de ajudar o acompanhado a que se introduza no mistério de Deus e possa saborear e reconhecer as insinuações do Espírito. O acompanhante requer um certo corpo de conhecimentos de como Deus trabalha a história, o presente e o futuro de uma pessoa. Amiúde temos que sugerir meios adequados para abordar alguns momentos espirituais do acompanhado e para isso são necessários conhecimentos e esperiência pessoal. Que caminhos percorrer na purificação da alma? Convém a disciplina e a penitência?

e) Prescrever

Há momentos no processo do acompanhamento em que se faz necessário ordenar, mandar e decidir. O acompanhante tem que contribuir para a formação da consciência do acompanhado e, em certas ocasiões, é importante afirmar que isso ou aquilo não pode ser feito ou é necessário vivê-lo de forma diferente (condutas econômicas, sexuais etc.). A prescrição é muito importante em três situações: 1) com pessoas em estados depressivos; 2) nas áreas infantilizadas do acompanhado; 3) quando há desvios importantes ou ignorâncias intelectuais, morais ou religiosas. Nestas situações é indispensável prescrever. Para isso deve-se ter personalidade e autoridade: “vais fazer isso ou aquilo duas vezespor semana...”

Estas cinco tarefas do acompanhamento se alternam e se sucedem umas às outras. É conveniente avaliar como o acompanhante as desempenha, quando elas são feitas e a conveniência delas ao momento do acompanhado.

4.2 Características do acompanhante

Para desempenhar estas cinco tarefas é necessário que o acompanhante desenvolva três características espirituais que condicionam a forma de acompanhar.

a) Espírito de gratuidade.

Para ser acompanhante deve-se aprender a ser gratuito, deixar espaço para Deus Pai, para Jesus Cristo e para o Espírito para que seu amor trabalhe no acompanhado. O acompanhante não pode ser a pessoa central, nem tampouco pode sê-lo seu ritmo nem seu pensamento. Quando não sabe retirar-se, transforma-se num obstáculo mais que numa ajuda, num quebra-luz que perturba o encontro de Deus e o acompanhado. É indispensável ir além de toda possessividade. A gratuidade é aprender a não ter nada nem a ninguém. Saber fazer-se dispensável e superar toda dependência e imposição. “Só atrai quem deixa de ser o centro. Só ilumina quem chega a sr pura transparência. A vida divina se transmite quando eu diminuo”.

b) Espírito fraternal

O acompanhante é um companheiro de caminho do acompanhado, nem melhor nem superior. Somente distinto. É necessário saber, crer e viver que somente Deus é Pai e que nós somos todos irmãos. Nossa ajuda é uma função passageira para que o acompanhado chegue a ser mais livre, mais de Deus e dos homens, com a liberdade dos filhos de Deus.

c) Espírito de serviço

Na Igreja toda capacidade nos é dada para fazer dela um serviço de amor. “Aquele que a verdade fez livre, a caridad o faz escravo”, disse Santo Agostinho. Precisamos evangelizar nossas habilidades para não considerar-nos superiores mas como bens a partilhar, uma dívida que temos que saldar com nossos irmãos. São os dons os que nos fazem pequenos.

O acompanhamento é um serviço delicado. É o serviço da com-paixão, de viver com o acompanhado os altos e os baixos de sua vida; é o serviço da paciência, enquanto o acompanhado adquire sensibilidade e gosto pela obra de Deus e toma consciência desta realidade nova e delicada de como Deus age; é o serviço da ternura de Deus para com os homens, de forma que o acompanhado se sinta querido e cuidado com força e delicadeza.

4.3 Alguns requisitos para o acompanhante

a) Ser uma pessoa verdadeira e coerente

É preciso cuidar que não haja uma grande distância entre o que se pensa, o que se diz, se sente e se crê. Esta coerência é que dá peso ao acompanhante e confiabilidade. É preciso ter consciência das condições próprias e dos limites, sem que isso tire a liberdade para convidar o acompanhado a ir mais além no caminho espiritual. Não se exige ser perfeito para ser um acompanhante, mas ser um peregrino.

b) Conhecer, assumir e exercer suas habilidades

É muito importante ter consciência e gozar das habilidades que Deus nos deu e que podemos cultivar e exercer. Há algumas habilidades indispensáveis para o processo de acompanhamento. 1) Capacidade de escuta. Não somente com o ouvido mas com o coração. Isto é permitir que aquilo que o acompanhado diga e seja, entre no meu interior e toque meu próprio mistério. Não é somente receber, pôr-se passivamente diante do outro, mas acolher ativamente o que diz e o que não sabe dizer ou não se atreve a dizer. É estar atento, constantemente, a todo seu corpo e sus gestos que vão dizendo o que é o que vive, seus desejos s temores. Por isso acompanhar cansa emocionalmente. 2) Capacidade de entrar no mundo do outro e, assim, desentranhar sua riqueza. Entra-se e se segue o outro no seu processo interior. É o que se chama de “empatia”. Para isso é importante aprender a perguntar com perguntas que abrem o campo, aprender a refletir o que vemos e entendemos, aprender e partilhar alguns comentários que brotam de nossa profundeza. 3) Capacidade para conter e acolher o conteúdo emocional que o acompanhado traz: aflições, anseios, raivas, desencantos, entusiasmos. Às vezes é necessário pôr limites à descarga emocional para que se possa compreender de maneira nova vivências intensas. 4) Capacidade para crer nas próprias intenções. É crer que o Espírito Santo trabalha, também, o coração do acompanhante e suscita nele intuições e formas de ler o que o acompanhado está vivendo que, ao partilhá-las, o constituem recurso e testemunha da obra de Deus. Às vezes são perguntas, comentários, imagens ou vem à memória textos bíblicos que iluminam a realidade e que tem sua origem em nossa profundidade. 5) Capacidade de ser paciente e saber esperar. “Os meus tempos não são os tempos do outro”. Requer-se respeitar a liberdade do outro para que percorra os caminhos no ritmo que pode e quer fazê-lo. É necessário aprender a guardar silêncio e a estar confuso. Isso custa muito já que quereríamos dirigir e controlar os distintos momentos de nossa própria vida e da vida dos demais.

c) Aprender a ser livre de si mesmo

Deve-se decidir ir além de minhas preocupações, de meus temos, de meus apuros. Eles me tiram força e presença. Se conto com 45 minutos para um acompanhado, é necessário que esteja completamnte para eles.Não posso estar pensando no que vou fazer logo depois ou refletir sobre o que vivi anteriormente. Uma das liberdades importantes que devemos ter é o da nossa curiosidade. Ela faz centrar-nos em nós mesmos, já que as intervenções que fazemos estão a serviço de nosso interesse próprio. Buscamos comparar com o que somos ou temos vivido, queremos saber como o outro viveu ou se defrontou com algumas dificuldades que nós também tivemos.

d) Cuidar para ter uma visão global

O acompanhado traz um problema, uma pergunta, uma experiência espiritual. Uma tentação do acompanhante é permanecer neste ponto, sem formar uma idéia mais completa de tudo que a pessoa está vivendo simultaneamente, de maneira a poder contextualizar a pergunta, o problema, etc. Não podemos ficar em aspectos parciais da vivência de uma pessoa. Temos obrigação e direito de situar-nos. Às vezes, por timidez, o acompanhado vai colocando detalhes, deixando de lado o que realmente o preocupa, e no final não sobra tempo para o importante.





V. O ACOMPANHADO, UM FILHO, UM CAMINHANTE

O acompanhado é um irmão nosso que busca ser ajudado por nós para viver mais e melhor sua vocação cristã. Busca seguir a Cristo mais estritamente e para isso tem que aprender a percorrer o caminho das Bem-Aventuranças, a viver o preceito da caridade e chegar à Paixão, expressão mais forte de um amor gratuito. Trata-se de acompanhá-lo em seus desejos de ser verdadeiro e livre diante de Deus, para estar disponível às moções do Espírito e pronto para o serviço do Reino. Para assegurar o processo, é necessário estabelecer algumas condições ao partir:

a) É necessário explicitar a motivação que o faz pedir ajuda. Ao longo do acompanhamento é necessário ir perguntando: que buscas?, de forma que vá formulando seu desejo mais profundo. Amiúde busca-se ser acompanhado em dificuldades momentâneas ou em problemas afetivos, mas, lentamente, é necessário dar passos para que este homem ou esta mulher aprenda a pôr-se diante de Deus, vulnerável, nu, plenamente humano, para assim poder ser seduzido pelo amor de Deus. Enquanto o acompanhado se mantém na defensiva, controlando sua vida, poderá conversar, meditar, trabalhar os mistérios da vida de Cristo, mas sem ter sido tocado profundamente por Ele.

b) É necessário pôr-se na situação do acompanhado. Permitir que o outro seja testemunha de minha vida para que eu possa pssar do entrevisto e do desejado para o vivido e o real. Pedir ser acompanhado é permitir que o acompanhante conheça minhas alegrias e meus entraves para viver, minhas buscas, meus temores e resistências ao amor de Deus. A muitos, este entrar na intimidade, os assusta. Custa-lhes que o conheçam em sua beleza, em sua delicadez, em sua experiência de Deus já que se fazem vulneráveis à visão e ao reconhecimento do outro.

c) As confusões do acompanhado resultam, amiudadamente, do medo de entrar em si, de não saber ir mais fundo e encontrar a raiz de seus atos, de seus medos e dores. O acompanhado vem para que o acompanhante o ajude a “entrar em si”, como o filho pródigo.

d) Requer-se que o acompanhado prepare sua reunião com o acompanhante. Rezar por ele e pelo acompanhante para poder fazer uma experiência religiosa verdadeira; escolher aquilo em que necessita ser acompanhado e - se pode - preparar algumas notas por escrito. Isso exige rigor e tempo (O que consegui nesta área? O que me preocupa atualmente? O que quero viver? Que obstáculos encontro?)

e) É fundamental que o acompanhado se disponha a partilhar o próprio com verdade e a acolher o que o acompanhante propõe. Isso se reconhece não somente nas palavras mas na linguagem não-verbal: olhos, ombros, rosto; na fluidez do relato, na força emocional usada ou retida.

f) Algumas áreas que, ao longo do processo de acompanhamento, não podem faltar: vida de oração, vida comunitária, vida apostólica, vida sacramental, estudos, família, afetividade e sexualidade, projeto pessoal, absoluto de Deus, manejo do dinheiro.

g) É necessário que o acompanhado possa chegar, ao longo do processo de acompanhamento: a decifrar sua história o sentido dela como uma história de salvação; a aceitar viver com seu corpo, suas possibilidades e limites (realidade familiar, eclesial, trabalhista e social); a reconhecer as motivações de seus atos, distintas das que ele cria; a estar disponível para servir a Igreja onde o Espírito sugerir e a Igreja necessitar. Quando se aceita a verdade de si mesmo e o amor inesgotável de Deus, começa-se a ser livre com os outros e livre para Deus.

h) O acompanhado tem que assumir três vocações fundamentais: a vocação à vida, a vocação à fé e a vocação à transcendência.

i) Ajuda o desenvolvimento espiritual do acompanhado o fato de ele avaliar tanto as reuniões como o caminho percorrido ao longo do tempo. Que luzes recebi? Que ações quero e posso realizar? Estou em paz com o encontro? Pde ajudar, também, o texto de Gálatas 5,22-23. Como se desenvolveu em mim a caridade, a alegria, a fé, a mansidão, a temperança?


VI. ALGUMAS NOTAS COMPLEMENTARES

a) Duração das sessões. É recomendável que as sessões não demorem mais de uma hora. O verdadeiro sempre é curto e intenso. As sessões mais longas são cansativas e tendem a transformar-se num encontro social.
b) Periodicidade das sessões. Não há normas, mas a multiplicação de encontros pode chegar a produzir dependência. Um tempo adequado é cada três semanas ou uma vez por mês.
c) É necessário estar atento, no processo de acompanhamento, às relações de dependência mútua, ao voluntarismo espiritual que consiste em pôr o esforço pessoal em primeiro lugar, ao sobrenaturalismo que consiste em pensar que tudo é graça e espontaneidade, à vaguidade e à teoria, ficando-se em generalidades, à simplificação e à busca de receitas, ao perfeccionismo que é uma forma de insegurança que enrijece, aos escrúpulos e culpabilidades enfermas que são formas de obsessão.

O acompanhamento é a arte das artes, escola de liberdade para os que buscam com ansiedade o Senhor e querem servir aos homens como merecem ser servidos. Santo Agostinho empresta-nos suas palavras para explicar, finalmente, o resultado de um processo pedagógico de acompanhamento: “Tarde te amei, formosura tão antiga e tão nova, tarde te amei. Tu estavas dentro de mim e eu fora, e - assim por fora - te buscava. Disforme como era, lançava-me sobre as coisas formosas que tu criaste. Tu estavas comigo e eu não estava contigo. Chamaste-me e gritaste até quebrar minha surdez, brilhaste e resplandeceste e curaste minha cegueira, exalaste teu perfume, aspirei-o e agora te desejo, gostei de ti e agora sinto fome e sede de ti, me tocaste e desejei ansiosamente a paz que procede de ti”.
Pe. Alvaro González

Nenhum comentário: