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sábado, 7 de fevereiro de 2015

NO RITMO DO XI ENCONTRO NACIONAL DA PASTORAL DA JUVENTUDE EM MANAUS

Uma crônica pobre,  mas de assunto bonito

Quando embarcava de volta para casa, em Goiânia, meu coração estava mexido. Não chorei mais porque as “aduanas” implicaram com meus suspensórios e eu resisti. Uma emoção forte, vindo de várias vivências, quiseram explodir em mim e chorei às escondidas. Imaginem um idoso, de quase 78 anos, chorando em público... Tinha estado em Goiás, rezando com um grupo, a mística do sabor e da resistência. Inspirados no lugar bíblico Jerusalém, caminhamos  levados pelo mistério de alguns verbos: ver e olhar, caminhar, falar, sentir e fazer. Em Goiânia fiquei hospedado com um amigo de muitos anos: Lourival Rodrigues da Silva, envolvido numa quimioterapia infernal por causa de um câncer. Por vezes estas e outras dores quase nos derrubam. Isso foi em Goiânia e Goiás onde, entre outros amigos especiais, estava o Geraldo, a Carmem e o Berg que teve o azar de torcer o pé querendo ajudar-me no carregamento de minha mala que levava um monte de coisas inúteis. Goiânia é um lugar onde se ama a juventude e um lugar em que pessoas de Igreja enxotam juventudes.

Viera de Brasília, onde tinha ido para não fazer nada com a número 1 de minha vida (Raquel) e o “sapeco” (como diz a Luana, filha de Joadir e Janete) chamado Joaquim. Em Brasília fui aluno de uma escola particular de geriatria... É que eu desejava aprender de novo a ser avô. Como disse, não fiz nada, mas consegui encontrar-me com gente de tempos passados (agora todos grandes): Adriano (cego que assou churrasco), Alsimar (além de outras coisas, criando cabras), Janete que recordou muitas coisas vividas, Sueli (a esposa de Adriano e mãe de Edu), Edgar (que pensa em casar), Ernani que é de Caxias e há séculos eu não via, Leandro o mesmo de sempre, trabalhando no Portal da ANEC e não sei quem mais, a não ser a querida Larissa que achei mais linda ainda.

Antes, eu estivera em Manaus, de 21 a 25 de janeiro, no XI encontro Nacional da Pastoral da Juventude. Fui lá de enxerido, tendo a passagem custado uma boa briguinha com meu confrade encarregado das finanças. Encontrei o pessoal todo na manhã do dia 22/1, na oração da manhã, na qual tive que falar umas poucas coisas, com tempo marcado.  Disse que não vinha para falar, mas ver a rapaziada, ver o horizonte, a utopia e a juventude como realidade teológica. Depois que voltei para casa, encontrei um papel onde anotara algumas ideias que deveria dizer, caso me dessem a palavra. Antes da viagem, eu escrevera que “eu vim para contemplar e ver”.
Queria ver se aí tinha corações grandes para abraçar o Reino, queria ver se aí tinha gente com vontade de construir comunidade e se havia coragem e lucidez para enfrentar diversos diabos: o diabo do egoísmo, do ódio ao pobre, da divisão, da manipulação, da mentira, da corrupção e outros diabos. Eu anotara também que devia dizer que o testemunho é que vale; que a galinhagem não leva à nada; que a importância do Projeto de Vida continua em pé e que não tivessem medo de amar a identidade pejoteira, de verdade, assim como a Laisa e o Luis Duarte parece que falaram.

Do que eu vi e senti do Encontro Nacional tentarei dizer pequenas coisas. O Encontro foi uma coisa linda e significativa: de embevecer  e de assustar. Direi pequenas coisas:

1.      O Encontro foi bom. Foi um verdadeiro banho de poesia, de mística, de arte, de juventudes, de adolescências, de acolhida para toda a Pastoral da Juventude do Brasil. Discutiram-se assuntos sérios, alguns de forma bem provocadora. As juventudes reunidas, vindas de todos os cantos do Brasil tomaram um banho e deram um banho em Manaus e na Igreja. Encontro bom é onde se pensa, se ri, se dança, se troca partilhas, se descobre, se aprofunda, se penetra no horizonte e na utopia. Manaus foi simbólica; o encontro das águas foi simbólico; a presença desconcertante de algumas autoridades foi simbólica; ficou claro que o serviço é mais poético que o poder.

2.      Fomos levados a viver, no XI Encontro Nacional da Pastoral da Juventude, o louco mundo do dionisíaco, com suas seduções onde, mais do que a razão, a organização, a postura de militantes dos anos oitenta, foi substituída pelo mundo da arte, da dança, da questão de gênero, do encontro erótico do encontro das águas do Solimões e do Rio Negro, da mística, da poesia, mesmo que isso significasse igualmente uma linda caminhada dos mártires. Mesmo abafada pelos prédios da burguesia, os gritos, os cantos, as reivindicações da caminhada dos mártires foram aos ares, misturadas de Pai-Nossos e Ave Marias. Dos prédios altos, quase ninguém quis ver o que acontecia lá em baixo, na rua.

3.      A coisa mais inesperada do Encontro foi o reconhecimento do trabalho pedagógico e formador da Pastoral da Juventude. Depois de tantos anos de perseguições, desprezos, ironias, proibições, negações de verba e tanta coisa, além de ouvir de um dos bispos da Comissão Episcopal de Pastoral para a Juventude que “a Pastoral da Juventude é a maior escola de formação de lideranças de Igreja no Brasil”, foi bom. Maravilhoso, contudo, foi receber uma carta da Papa Francisco dizendo que a Igreja também ama vocês e por isso lhes peço que não se deixem abater pelas coisas que possam chegar a ouvir da juventude; em todo tempo histórico se falou pejorativamente dos jovens, mas também em todo tempo foi essa mesma juventude que dava testemunho de compromisso, fidelidade e alegria. Nunca percam a esperança e a utopia, vocês são os profetas da esperança, são o presente da sociedade e da nossa amada Igreja e sobretudo são os que podem construir uma nova Civilização do amor. Joguem a vida por grandes ideais. Apostem em grandes ideais, em coisas grandes; não fomos escolhidos pelo Senhor para coisinhas pequenas, mas para coisas grandes!

Numa das plenárias ouvi coisas que nunca ouvira ter sido dito em plenária. Muita coisa se relacionava com a homoafetividade, completando o cenário que se vivia desde as mais diversas periferias até aquele local da Ponta Negra onde se realizou a celebração da abertura com cores, movimentos, sons, mantras, estribilhos, preocupações, amores e raivas que pareciam brotar do fundo das águas das juventudes.

4.      Só quem acompanhou de perto os milhares de conflitos da Pastoral da Juventude, dentro e fora da Igreja, pode imaginar o que significaram alguns pronunciamentos num Encontro Nacional. Claro que ao lado dos que vibraram e vão vibrar, há e haverá os que rangem os dentes, chegando a dizer que a carta foi forjada, que o Papa, de novo, falou demais... A alegria de algumas afirmações nos reportava para a história, quando apareciam documentos como o Marco Referencial da Pastoral da Juventude, o documento fundamental Evangelização da Juventude, Desafios e Perspectivas Pastorais ou, então, Civilização do Amor – Projeto e Missão.  Encontrões, marchas, reivindicações, bandeiras de luta, místicas de fazer as estrelas pularem de alegria, tudo estava lá. O que importa é que foram palavras confortadoras e de alento para um rebanho jovem acostumado às chicotadas, mas que sabe do esforço que faz em muitas partes.

5.      Como escrevi numa outra vez, o sabor e a resistência sempre foram os condimentos da sopa da vida. A sopa, contudo, por vezes, tem gosto de Belém, de Nazaré, de Cafarnaum, de Betânia, Samaria e dos diferentes gostos e sabores que têm os momentos que vivemos. Embora os sabores estejam em cada um dos “momentos” e de nossos “acampamentos” o sabor e a resistência mais suada, no entanto, situa-se em Jerusalém. O encontro de Manaus foi Belém, foi Cafarnaum, foi Betânia, foi Genezaré... O encontro de Manaus foi manauara. Foi reconhecimento. Se os olhos dos/as quase 800 jovens presentes brilharam, brilharam muito os olhos das dezenas de assessores/as que vinham de muitos lugares e deixaram um recado forte e juvenil ao clero de todo o Brasil. Entre outras coisas, eles dizem: Machuca o coração quando ouvimos de jovens engajados na vida das comunidades, partilhas que dão conta de revelar as barreiras criadas por presbíteros de nossa Igreja à caminhada e processo de formação na fé de nossas/os jovens. Sabendo de nossas limitações e fragilidades no acompanhamento às/aos jovens, com humildade pedimos perdão por nós e por nossos irmãos presbíteros por tantos espaços fechados dentro da Igreja.

6.      Em meio ao desencanto e ao conservadorismo de muitos tipos, o Encontro de Manaus conseguiu encantar. Bastava ver como os/as adolescentes que ajudavam na infraestrutura  pulavam de alegria. Não se negam os conflitos e as dificuldades, mas o que se via eram sorrisos, belezas, gente descobrindo que o grupo é o lugar da felicidade do jovem. Apesar das dores, dos extermínios (em Manaus foram mortos, naqueles dias ao menos dois jovens), apesar da tendência autoritária, grosseira, violenta, individualista, de desprezo pelos pobres e até pelo Brasil, Manaus conseguiu ver, nesta semana, uma juventude bonita que sabe que é mais bonita quando tem causas para se lutar por uma civilização do amor.

7.      Disseram-me que o pouco que falei em Manaus teve toada  simeônica, isto é, de Simeão, o velho do Evangelho que, quando viu Jesus, disse que podia partir em paz (Lucas 2, 29).  Sei que sou indigno da comparação, mas aceito por vir da boca de quem veio. Se os pés estão pesados, é muito bom saber que em Manaus os sonhos são leves, bonitos, misturados de águas, índios, horizontes, matas, rezas, esperanças e utopias.

Hilário Dick


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