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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

E AGORA JOSÉ? A JORNADA ACABOU...

Esta é a pergunta depois de mais uma Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Um evento que reúne muita gente: milhões. Muitos bispos, padres, gente de Roma e de movimentos conhecidos, religiosos/as e, enchendo ruas e praças, muitos jovens vindos de muitos cantos. Dizem que, no Rio de Janeiro, estiveram três milhões. Um artigo de José Lisboa Moreira depois da Campanha da Fraternidade sobre Juventude em 2013, na Igreja Católica do Brasil, perguntava: Qual futuro para a Juventude?  Vamos repetir a pergunta agora, depois da JMJ no Rio de Janeiro?

1. Formulando perguntas

Em vez de uma só, são várias perguntas. Mesmo que não sejam respondidas, as perguntas oxigenam o coração e a mente. Talvez não sejam as perguntas mais importantes, mas elas precisam ser formuladas, mesmo que incomodem:

·         As Jornadas giram, na realidade, em torno da Juventude ou do Papa? Quem é a figura central das Jornadas: o Papa ou as multidões de jovens? Que lugar tiveram os jovens nos discursos do Papa, no Rio de Janeiro, principalmente quando ele não falava especificamente para os jovens? Quem foi protagonista na festa da Jornada Mundial da Juventude? Se o Papa veio para a Jornada, por que nas alocuções aos bispos e clero do Brasil bem como aos bispos do CELAM ele não falou de juventude?

·         Os milhões de jovens reunidos em Copacabana e arredores eram objetos ou sujeitos?  A mudança de local do encontro de Guaratiba, no “Campo da Fé”, como se dizia, para Copacabana, foi somente desorganização e irresponsabilidade? Esta mudança necessária não poderia significar mais um dos desrespeitos que as juventudes vivem nas igrejas e na sociedade? Se os jovens são tão perigosos e tão descontentes que mobilizaram, dias antes, milhões de pessoas em milhares de cidades do Brasil, não é um discurso eloquente esta massa de jovens não provocar nenhum problema para a sociedade carioca? Em que discurso, em que espaços se discutiram, de fato, as realidades da juventude no mundo?

·         Como se explica a participação linda, respeitosa e rezada da “Vigília” com o Papa? Simplesmente por que era de noite? Simplesmente porque o jovem gosta do sagrado e aprecia essas orações que mexem com os sentimentos? Guaratiba era somente um local ou um espírito que não condizia com a Igreja que se desejava apresentar?  

·         Claro que houve coisas que não se viram ou coisas que os Meios de Comunicação não engoliram, mas porque eles transmitem imagens de pessoas quebrando imagens da Virgem e Crucifixos e não se dá realce a uma marcha como foi a “Marcha Internacional contra o Extermínio da Juventude”? Não é verdade que o discurso do Papa, sobre a juventude só chegou à questão das drogas e não a dos traficantes e muito menos a do extermínio da juventude, especialmente negra? Na entrevista que conseguiram fazer no avião do Papa, voltando para Roma, por que não houve nenhuma pergunta relacionada com a situação da juventude?

·         O Papa falou do protesto dos jovens e do descarte de jovens, mas porque não foi mais além? Uma das respostas se encontra, talvez, na reportagem da Zero Hora (29/7) intitulada “Na onda de Francisco”. Leia-se o que os repórteres apontam quando descrevem essa juventude toda se alegrando quando, depois de uma noite dormida na praia, o sol aparece e a chuva termina. O que os repórteres descrevem?  Infelizmente, apesar de todo o espetáculo dos milhões se perdendo ao longo de quase cinco quilômetros, são estes pormenores que os jornalistas adultos ( = a sociedade) enxergam. Vivemos numa sociedade que quer a juventude como sujeita e protagonista? Pelo que se viu a sociedade ama a juventude?

As perguntas não tiram a beleza de um evento nem desejam envenenar as emoções que todos vivemos, de uma forma ou outra. Recordemos que a iniciativa das Jornadas Mundiais de Juventude se deve, em grande parte, ao carisma e carinho do Papa João Paulo II, embora tenha havido um encontro de multidões, aqui na América Latina, em Buenos Aires (1987) e em Santiago do Chile (1998). Ninguém vai afirmar que a Igreja não ama a juventude, mas o evento toma aspectos que precisam ser considerados, refletidos e amadurecidos. No interior da Igreja, também nos megaeventos, há realidades que parecem obedecer a um “dinamismo” contraditório: o conflito do “petrino” e do “paulino”, o “centralismo” se revezando com “comunhão e participação” e tantos outros aspectos. O que dizer, por outro lado, do fato de que a JMJ coincidiu, em parte, com a panela de pressão explodindo na cozinha do Brasil nos mesmos dias (junho de 2013)? Precisamos reconhecer que as realidades que emergem no mundo juvenil, nem sempre são percebidas.

2. “Pastoral” de processos e “Pastoral” de eventos
Mesmo depois de um espetáculo, como o da JMJ no Rio, é bom recordar que, na forma de evangelizar, existem duas posturas que se podem opor ou complementar. Existem a “pastoral de eventos” e a “pastoral de processos”. Está em alta, neste momento da Igreja, a “pastoral de eventos”: grandes encontros, de diversos tipos, “missas” de multidões, mega shows de evangelização, programas de rádio, valorização de “artistas”, padres na mídia etc. Eventos massivos.

Surgem problemas quando quase tudo se parece reduzir a meros eventos, chegando-se à pastoral dos espetáculos, dos shows ou do entretenimento. Não é difícil cair na armadilha da mídia, onde a notícia séria e reflexiva dá lugar à manchete sensacionalista. Não é raro que uma "sociedade do espetáculo" penetre e contamine as atividades da Igreja, também junto à juventude.

A “pastoral de processos”, por outro lado,  acontece no dia-a-dia, nas pequenas grandes coisas cotidianas. É ali que se constroem personalidades, com projetos de vida amadurecidos. A alegria do domingo de Páscoa mergulha suas raízes mais profundas no contraste com o absurdo e a loucura da sexta-feira santa. Se é verdade que a Páscoa é colheita, e a cruz é semente,  nos dias atuais não estamos em tempo de colheita. É enganoso pensar que o “evento” resolve.  Se sonhamos jovens felizes, autônomos e construtores de “outro mundo possível”, está diante de nós o desafio de viver uma pastoral de processos e não uma pastoral de eventos.

Vale aqui, de alguma forma, o que o Papa falou quando se referiu à mudança de concentração da JMJ de Guaratiba para Copacabana. Disse ele (28/7/2013 na noite da Vigília): Penso que podemos aprender com o que aconteceu nesses dias. Como tivemos que cancelar, devido ao mau tempo, a realização desta vigília no Campus Fidei (Campo da Fé), em Guaratiba, não estaria o Senhor querendo dizer-nos que o verdadeiro Campo da Fé, o verdadeiro Campus Fidei, não é um lugar geográfico, mas somos nós? Guaratiba era o lugar qe a juventude queria como opção pela periferia ou Deus não permitiu que a nossa aproximação com os pobres fosse, simplesmente, parte do espetáculo.

3. Cuidar e controlar
Fala-se da Teologia do Cuidado, também do cuidado que precisamos ter com as pessoas. No trabalho com a juventude, em vez de “acompanhante”, fala-se de “cuidante”. Todos precisamos ser “cuidados”. Todos desejam ser cuidados: pelo Estado, pela Igreja, pelo serviço de segurança, pelos pais, pela comunidade... Quem “acompanha”, quem “assessora” é alguém que “se senta junto com”, alguém que “come do mesmo pão”. As Jornadas foram, vão ao encontro disso?
Em movimentos juvenis, próximos ou longe de nós, o que vale, não é o “cuidar” porque quem “cuida” respeita a autonomia, o protagonismo, a personalidade de cada um. Uma mãe que “cuida”, não “abafa” o/a filho/a. Fazemos essas considerações porque há uma tendência de resvalar do “cuidar” para o “controlar”. Quem controla, não confia; quem controla deseja que o/a outro/a seja como nós e não como ele. Assim como a família, assim a escola, assim muitas instituições, também de Igreja; em vez de “cuidar”, “controlam”. A Igreja, a Teologia, a Pedagogia, a Evangelização etc. em vez de “cuidar”, “controlam” ou querem controlar. O controle não é da pedagogia de Deus.
Apesar de atrás de um “clericalismo” poder ocultar-se a falta de confiança, isto é, a disfarçada vontade de controlar, um verbo, uma atitude, um modo de educar que está surgindo com vigor, na Igreja, na evangelização da juventude, na educação em geral, é “acompanhar”. Até se começa a ouvir falar de Deus como “acompanhante” - e tem muito sentido. 
No relato da criação lemos que Adão e Eva ouviram Javé Deus passeando no jardim à brisa do dia (Gen. 3, 8), isto é, “acompanhando-os”. Cansaríamos se quiséssemos descobrir quantas vezes, nas Escrituras, Deus afirma que está com a pessoa, o povo, os chefes etc. Estive com você em toda parte por onde você andava (2 Sam. 7, 1-10), diz Deus para Davi. Significativo o modo como o livro do Êxodo nos conta que Javé ia na frente do povo: de dia numa coluna de nuvem, para guiá-lo; de noite, numa coluna de fogo, para iluminá-lo (Gen. 13, 21).

Um aspecto novo do discurso do Papa Francisco no Rio de Janeiro foi a forma que encontrou para falar de “gerações”. O Papa falou dos avós: Como os avós são importantes na vida da família, para comunicar o patrimônio de humanidade e de fé que é essencial para qualquer sociedade! E como é importante o encontro e o diálogo entre as gerações, principalmente dentro da família. O Documento de Aparecida nos recorda que crianças e anciãos constroem o futuro dos povos; as crianças porque levarão por adiante a história, os anciãos porque transmitem a experiência e a sabedoria de suas vidas (DAp 447). Esta relação, este diálogo entre as gerações é um tesouro que deve ser conservado e alimentado! Nesta Jornada Mundial da Juventude, os jovens querem saudar os avós. Eles saúdam os seus avós com muito carinho. Saudamos aos avós e lhes agradecemos pelo testemunho de sabedoria que nos oferecem continuamente. E agora, nesta praça, nas ruas adjacentes, nas casas que acompanham conosco este momento de oração, sintamo-nos como uma única grande família e nos dirijamos a Maria para que guarde as nossas famílias, faça delas lares de fé e de amor, onde se sinta a presença do seu Filho Jesus.
Podemos dizer que os avós não controlam, mas cuidam; e se há um fenômeno que, infelizmente, se viu e vê  reforçando em nossa Igreja, na relação com a juventude, é “comandar”, “controlar” verbos que, além de não serem os mais indicados para quem deseja caminhar com a juventude, são uma prova de que o clericalismo é, ainda, uma doença em nossa Igreja. O jovem quer ser acompanhado e não comandado ou controlado. Ele percebe, até, quando o fazemos de forma disfarçada. Está diante da evangelização da juventude o desafio de não ter medo de cuidar.
4. Respeito à juventude

Outro ângulo que a JMJ do Rio de Janeiro desperta e faz considerar é o respeito que se tem ou se deve ter à juventude. O “extermínio da juventude” e as grandes inquietações juvenis atuais devem ter lugar em todas as Jornadas Mundiais, de forma sempre mais expressiva. O que chama a atenção, na história da juventude, é a forma como ela foi manipulada através dos tempos, também nas igrejas. Quando ela foi despertando e tendo condições de manifestar-se mais significativamente, no século 18, oficializou-se a “moratória social”: a sociedade dando certas chances de ela (ao menos parte da juventude) ser ela, mesmo que sob o controle disfarçado dos “adultos”. Sem negar que, por detrás da “moratória social” haja certo reconhecimento do segmento juvenil, esta medida não era e não é muito mais do que uma forma de controlar “essa juventude efervescente”.

Na história, encontramos a manipulação juvenil de muitas formas. A expressão mais chocante, contudo, foi no começo do século XX, com manifestações como as da juventude nazista, da juventude fascista, da juventude falangista e muitas outras formas. Dentro da própria Igreja Católica, foi nesses anos que a juventude começou a ter “personalidade” na Igreja. Podemos dizer que a juventude começou a “existir”, na Igreja, com a Ação Católica Especializada, somente depois de 1930.

Não é uma leitura enganosa afirmar que, mesmo nas JMJ, existe muita manipulação. Por um lado, sinal da força da Igreja institucional e, por outro, fraqueza de uma juventude não organizada, dentro da Igreja. Estamos frente a duas tarefas: a dos adultos, da Instituição, com todo o poder comunicativo e de convencimento que pode ter, e a da própria juventude, aprendendo a fazer do evento, um evento que seja dela e não para ela. Esta é uma das questões centrais das JMJ.
Estamos no capítulo do desrespeito. O fracasso do “Campus Fidei” para onde a juventude estava preparada para se dirigir, acampar etc. não se coloca também no campo do desrespeito? Não é por nada que o Papa recordou a vivência trágica que o mundo viveu com o incêndio de uma boite, com mais de 240 jovens mortos, em Santa Maria (RS). O Papa toca nessa questão quando fala do descarte de jovens e idosos. Afirma ele que os extremos são mal atendidos, não são cuidados e são descartados. Vimos muito claramente como os idosos são descartados. Não servem, não produzem. Os jovens também não produzem muito. É uma ponta em vias de ser descartada. É impressionante o alto percentual de desemprego entre os jovens na Europa. A experiência mostra que quando o jovem é respeitado, ele sabe respeitar. Sentir-se, contudo, como descartável, como alguém que sobra, é um dos grandes medos da juventude em todos os continentes.
5. Conhecer a realidade juvenil
É preciso partir da realidade. Só ama quem conhece. A encarnação de Jesus de Nazaré é uma das grandes aulas de pedagogia que Deus nos deu e dá. Isso vale de modo especial para quem trabalha com a juventude e, até, para a juventude. Para um evento tão importante, como é a JMJ, não se pode ir somente, com dinheiro, no peito e na raça. É preciso cultivar o conhecimento da realidade juvenil. Coisas vistas, coisas lidas, coisas estudadas; coisas pesquisadas. Passou o tempo em que bastava ser do clero para se entender de juventude... O sair de si mesmo para  ver “outros mundos” nem sempre é tão fácil. Ser jovem é viver a epopeia do êxodo. O Papa disse que é hora de sair da sacristia e ir para a rua.  Em termos teológicos, é o nascimento da vocação missionária que vive em cada jovem. Por isso que se fala de “conhecer” e “tornar-se conhecido”. Não se imagina uma juventude adormecida, sem querer ver a realidade que a rodeia. A JMJ deveria ser um momento privilegiado de as juventudes se encontrarem, não como massa de manobra, mas como “povo” que carrega em si novidades para toda a sociedade. Não basta saber falar de Deus, da Igreja, dos sacramentos etc. É preciso comungar com a realidade juvenil, o que significa mais do que marcar presença.
Preocupam dois fatos: ver que, nas pessoas da Igreja, o conhecimento da juventude parece ser uma espécie de “ciência infusa”: a gente sabe o que é juventude, não é preciso estudar; segundo, ao mesmo tempo em que em muitas partes a juventude é levada mais a sério, com cursos, pós-graduações, pesquisas, publicações... no espaço da Igreja se dá um estranho abandono desse campo: ao mesmo tempo em que o clero (em geral) se afasta mais dos jovens, a dedicação ao estudo da evangelização da juventude (com tudo o que isso significa) também vai decrescendo e, até, é mal vista.
6. Novos sonhos
Um grande evento, carregado de emoções e ideias, faz e deve fazer brotar utopias.  Jovem que não sonha, é velho. Pessoas que trabalham com jovens e não veem neles/as, sonhadores/as, está no lugar errado. Adultos que não se animam a sonhar junto com os/as jovens não estão vivendo a opção pela juventude. Uma sociedade que acha que “já chegou”, não gosta de quem sonha. Bonito ler o profeta Joel dizendo que “entre vocês, os velhos terão sonhos e os jovens terão visões” (Jl 3,1) porque todos conhecerão o projeto de Deus.
O Papa disse, no Rio de Janeiro, que não saberia dizer o que os jovens queriam dizer com as manifestações que houve em muitas cidades do Brasil (assim como também houve fatos semelhantes na Turquia, na Espanha, no Chile...) mas afirmou: “Com toda franqueza lhes digo: não sei bem porque os jovens estão protestando...  Um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruim. A utopia é respirar e olhar pra frente. O jovem é mais espontâneo, não tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia”. Utopia e sonho se encontram; utopia e jovem são irmãos; a utopia faz sempre nascer o novo.

Sonho tem muito a ver com “análise de conjuntura”, também da realidade juvenil; sonho tem muito a ver com profecia. Será que milhões de jovens, trazendo na mala as diferentes realidades de seus países, conversando sobre elas, partilhando o que passa no mundo das juventudes, não poderiam transformar as JMJ num grande grito de profecia? Se as JMJ não servirem para fazer novos sonhos, se elas não insistirem em novos sonhos, deveriam ser riscadas do mapa. O “novo céu e a nova terra” (Apc 21,1) precisam da juventude porque ela, de forma muito especial, sabe que o universo sonha ser “a tenda de Deus com os homens”, onde “as coisas antigas têm que desaparecer”. O sonho, contudo precisa da realidade e de referências.
7. As cruzes dos jovens
A Cruz é o símbolo das Jornadas Mundiais da Juventude desde 1985. A Cruz é simples. Já exibe as marcas das muitas viagens percorridas. Falar de “Cruz”, para o cristão, é falar de um dos símbolos mais profundos e emocionantes. Ela está unida, essencialmente, à ressurreição, assim como a morte vai unida à vida. A “Cruz” se torna dramática quando se torna mais importante que a ressurreição. Na visita que o Papa Francisco fez à favela da Varginha, pensando em juventude, ele afirmou: Queria dizer uma última coisa. Uma última coisa! Aqui, como em todo o Brasil, há muitos jovens. Vocês, queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício. Também para vocês e para todas as pessoas repito: nunca desanimem, não percam a confiança, não deixem que se apague a esperança. A realidade pode mudar, o homem pode mudar. Procurem ser vocês os primeiros a praticar o bem, a não se acostumarem ao mal, mas a vencê-lo com o bem.
Precisamos conscientizar-nos de que é  mais importante falar das cruzes dos jovens, do que fazer que os jovens carreguem outra cruz pelas estradas de nossas dioceses. Na mala de nossos sonhos precisamos carregar as cruzes dos jovens brasileiros, latino-americanos e de todo mundo. O documento de Aparecida fala de 11 delas: 1) as sequelas da pobreza; 2) a socialização de valores com forte carga de alienação; 3) a permeabilidade às novas formas de expressões culturais, afetando a identidade pessoal e social do jovem; 4) o fato de os/as jovens serem presa fácil das novas propostas religiosas; 5) as crises da família provocando, na juventude, profundas carências afetivas e conflitos emocionais ; 6) a repercussão de uma educação de baixa qualidade;  7) a ausência de jovens na esfera política devido à desconfiança que geram as situações de corrupção, o desprestígio dos políticos e a procura de interesses pessoais frente ao bem comum;  8) o suicídio de jovens; 9) a impossibilidade de estudar e trabalhar; 10) o fato de os/as jovens terem que deixar seus países dando ao fenômeno da migração um rosto juvenil”; 11) o uso indiscriminado e abusivo da comunicação virtual. Sabemos que há outras cruzes como a baixa autoestima, o medo de morrer, o medo de sobrar, o medo de “ficar por fora”, o medo da AIDS etc. São cruzes de todo dia e cruzes que não se dizem.
O Papa Francisco, com palavras que ecoaram por toda a praia de Copacabana, falando de cruz e das atitudes diante da cruz, interpelou os jovens por outro ângulo. Ele perguntou: Vocês querem ser como quem? Digam-me: vocês são daqueles que lavam as mãos, fingem não ver e olham para o lado, ou são como o Cireneu, que ajuda Jesus a levar aquele pesado madeiro, como Maria e as outras mulheres, que não têm medo de acompanhar Jesus até o final, com amor, com ternura? Por fim, disse:  Jesus está olhando para você agora e lhe diz: você quer me ajudar a carregar a cruz? Irmão, irmã, com toda a sua força jovem, o que você lhe responde?
8. Reforçar o encanto pela juventude
A Igreja vê, na juventude, a constante renovação da vida da humanidade, descobrindo, nela, um sinal de Si mesma. A juventude é convidada, por isso, a trazer uma revitalização para a sociedade e a Igreja, mantendo uma fé na vida e conservando sua faculdade de alegrar-se com tudo o que começa. A juventude é o símbolo da Igreja, chamada a uma constante renovação de si mesma. A Igreja deseja ter uma atitude de diálogo com a juventude, reconhecendo seu papel cada vez mais insubstituível na missão profética que ela tem. Por isso ela quer desenvolver, dentro da pastoral de conjunto, uma autêntica pastoral de juventude, educando os jovens a partir de sua vida, permitindo-lhes plena participação na comunidade eclesial.
Algo grave, no entanto, aconteceu e está acontecendo nos últimos tempos: o desencanto não só da sociedade em geral, mas do clero e dos/as religiosos/as pela juventude. Em muitos lugares a ausência ou a presença clerical apressada, são um fato. D. José Mauro Bastos, referencial da juventude junto aos bispos do Brasil em 2006 e 2007, dizia – quando se preparava o documento 85 sobre Evangelização da Juventude que “está na hora de a sociedade toda, também a Igreja, se reencantar pela juventude”.  Por isso é com muito sentido que o Papa Francisco, na missa celebrada em Copacabana em 28/7/2013 tenha dito para os sacerdotes: Vocês vieram acompanhando seus jovens, e é uma coisa boa partilhar esta experiência de fé. Mas esta é uma etapa do caminho. Continuem acompanhando os jovens com generosidade e alegria, ajudem-lhes a se comprometer ativamente na Igreja; que eles nunca se sintam sozinhos.
Ser encantado pela juventude é amá-la, estar perto dela, ser curioso com o que sucede com ela, estudá-la, dar a vida por ela, escutá-la. É ser apaixonado por ela. Comer com ela do mesmo pão... No mesmo sermão de Copacabana o Papa dizia: Não tenham medo de ir e levar Cristo para todos os ambientes, até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente.  Estamos falando de um compromisso com a vida da juventude. Compromisso que passa por uma pastoral de processo, pelo cuidado com os/as jovens, pelo respeito à juventude, pelo conhecer a realidade juvenil, pelos sonhos jovens (sonhos de Deus), pela opção de conhecer e carregar com os/as jovens suas cruzes e pelo encanto por ela.
É muito bonito, igualmente, ouvir o Papa Francisco falando aos voluntários da JMJ 2013, no dia 28 de julho, desafiando-os a serem revolucionários:  Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, que vão contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, que não são capazes de amar de verdade. Eu tenho confiança em vocês, jovens, e rezo por vocês. Tenham a coragem de “ir contra a corrente”. Tenham a coragem de ser felizes!
Conclusão
Pensando em juventude, em evangelização da juventude, em evento de massa juvenil que marcou o mundo no Rio de Janeiro, não deixando de lado tudo que houve de bonito e pensando em experiências semelhantes que a Igreja ainda pensa em realizar, há outros aspectos que os pastoralistas e amantes da juventude não podemos deixar de lado. Sem pensar necessariamente em culpados houve, na JMJ do Rio de Janeiro, algumas ausências. Uma vivência tão enorme, tão massiva, tão bonita, tão significativa não nos pode deixar de sonhar. O sonho é sempre uma ausência.

É verdade que houve a “Marcha Internacional contra o Extermínio da Juventude”; a recordação da Chacina da Candelária de 20 anos atrás; a ida do Papa para uma favela e outras coisas que nem se chega a saber, mas não é demais dizer que a JMJ, novamente, chegou só à juventude envolvida no uso da droga (não o tráfico); que a mudança do “Campo da Fé” não foi só desorganização mas um desrespeito à juventude onde a juventude deu uma demonstração da beleza e de utopia acomodando-se, de forma criativa, nas praias compridas de Leblon, Ipanema e Copacabana. A beleza de um gesto juvenil desse tamanho não nos pode fazer esquecer, contudo, que mais uma vez, a juventude foi desrespeitada pela sociedade e pela Igreja. Houve falta de carinho com a juventude. Não entrar no coração do extermínio de jovens onde a grande maioria é de jovens pobres e negros é não chegar a um mundo onde se pode dizer que a juventude nos encanta.

Outra ausência – e esta foi dramática – foi a ausência de protagonismo juvenil. Com isso não se consideram vários espaços, como por exemplo, as “Tendas” de diversos tipos, as palestras, os muitos voluntários com sua generosidade, e muitas outras coisas, mas protagonismo juvenil num evento desses é outra coisa. Quem estava no palco da JMJ não foi a juventude; só se o palco forem as massas infindas caminhando nas ruas e amontoando-se nas praias e nos espaços que a paisagem oferecia... Fora alguns gestos do Papa e fora algum acontecimento perdido, que quase ninguém viu, não erramos se dissermos que na JMJ do Rio de Janeiro prevaleceu o espetáculo é não a profecia. Ou a profecia estaria na massa de jovens rezando, fazendo festa, fazendo que a noite fosse o grande “salão de louvores” onde não morreu ninguém, ninguém foi pisoteado e não foi necessário o uso de cassetetes para manter um mínimo de ordem? Fica uma dúvida muito cruel: será que as Jornadas Mundiais estão destinadas a serem o que são, ou que vimos até agora, e não podem ser uma reflexão enorme, global, continental sobre a realidade juvenil? Seria errado dizer que muita juventude voltou para casa emocionada, mas carregando, no íntimo dela, esta decepção da falta de gestos proféticos que não mereceram os cuidados devidos ou, talvez, nem eram desejados pelos responsáveis? A profecia não pode ser dos bispos e do Papa; deve ser de toda a Igreja, especialmente de uma juventude que ainda sabe sonhar novidades de raiz.
 Hilário Dick

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