Uma questão central
Hilário Dick
Lendo a história no viés juvenil e no viés da construção do protagonismo juvenil através do tempo, vamos encontrar coisas fantásticas no mundo hebreu (José do Egito), no mundo grego (Antígone), no mundo romano (Ministério da Juventude), nos primeiros séculos do cristianismo (jovens dando a vida pela “castidade”), no mundo da Idade Média (Francisco de Assis e Joana d´Arc), nos séculos XVI e XVII (pícaros), na revolução industrial (com a necessidade de inventarem a moratória social), nos tempos dos totalitarismos (nazismo, fascismo e tempo da psicologia dos adolescentes nos Estados Unidos), na revolução de maio de 1968 e na revolução européia de 2005. Entra em jogo, contudo, o paradigma que assumirmos para a leitura da realidade dos jovens, tanto como pais ou mães, como professores, agentes sociais, professores de universidade, atividades políticas etc.
Um dos princípios norteadores de quem deseja construir-se e de quem trabalha com jovens e que vai caracterizar nossa relação com o mundo juvenil é a postura que tivermos frente ao que entendemos e vivenciamos como protagonismo vivido como processo. Ser professor/a, ser educador/a é essencialmente um processo de relacionamento. Quando falamos de “protagonismo” falamos de um processo pedagógico no qual acreditamos (ou não), que incentivamos (ou não) e que pomos em prática (ou não), isto é um processo que decide nosso modo de ser. Este princípio vale para jovens e adultos e precisa ser vivido pelas duas “gerações”. É a raiz mais profunda do que se deveria entender quando falamos de “conflito de gerações”. Este “protagonismo”, isto é, este “processo pedagógico” pode ser mal interpretado, pode ser rejeitado ou pode ser posto em prática. No mundo educacional e eclesial é uma das realidades de fundo que decide a educação e a formação que se deseja cultivar. Quando falamos de “protagonismo juvenil” estamos falando de um processo pedagógico a ser vivido pela juventude e junto com a juventude; se falamos de “protagonismo dos leigos” estamos falando de um processo pedagógico-teológico a ser vivido pelas pessoas que se assumem como “leigos” etc. e de uma igreja que precisa posicionar-se ante “fiéis” que buscam a sua maturidade.
Se falamos de “protagonismo” ou, então, “protagonismo juvenil”, queremos referir-nos a dois aspectos importantes para o jovem: tanto a construção de sua identidade como a sua (a do jovem) inserção na sociedade como sujeito da história. Estudar ou, então, fomentar, por isso, o protagonismo significa, primeiramente, tratar da identidade em seus diferentes níveis (pessoal, grupal, institucional); significa falar, em segundo lugar, em inserção na história (fazendo do protagonista alguém que sabe intervir na marcha da história); significa falar em engajamento concreto, isto é, da identidade que vai inserir-se nalgum espaço definido para intervir nele. Estamos falando, fundamentalmente, de exercício de poder.
Alguém vai-se tornando protagonista quando vai construindo sua identidade, isto é, as diferentes dimensões que resultam no que podemos chamar de “personalidade integral”, construindo-se e fazendo construir a dimensão personalizante, a dimensão socializante, a dimensão teológico-teologal, a dimensão vocacional, a dimensão política e a dimensão de agente social tecnicamente preparado.
Uma entidade ou instituição vai-se tornando protagonista quando favorece a criação de personalidades cultivadas em todas as suas dimensões, como sujeito de sua caminhada e não se aceitando como mero objeto das decisões dos outros. Entra em questão, nesse caso, o exercício de poder porque tudo na vida se realiza na dimensão das relações. O poder é a vivência concreta de como encaramos as relações das pessoas e das instituições. Não podemos viver sem essas relações. Um adulto não pode viver sem relacionar-se com o jovem; o jovem não pode viver sem relacionar-se com o adulto. Uma relação sadia é a do respeito sadio do protagonismo de cada qual. Assim como o filho, o pai vive sua vocação de protagonista: protagonismo de filho e protagonismo de pai... O mesmo podemos dizer do relacionamento professor e aluno. Não se trata só de “ensinar”; trata-se de “aprender” junto.
Quando falamos de protagonismo juvenil, portanto, estamos falando do exercício de um processo pedagógico que leva o jovem a assumir a sua identidade e a inserir-se na história social como sujeito e não mero cumpridor de ordens de outros. É o segundo elemento importante com relação ao “protagonismo”. Precisamos ter presente, no entanto, que não somos sujeitos da história de forma genérica; somos sujeitos em lutas concretas e em espaços onde somos “autoridade”, isto é sujeitos de transformação, professor e aluno, fiel e clero, pai e filho/a, cidadão coletivo ou individualista. Ninguém pode ser sujeito de transformação em espaços indefinidos. Por isso, para o protagonismo não tornar sendo mera teoria, a importância,por exemplo, da “inserção nos organismos intermediários da sociedade civil” (organismos de organização do mundo estudantil, do mundo operário, do mundo universitário, do mundo rural, do mundo eclesial ou comunitário). Falamos, então, na inserção no movimento estudantil (com suas traduções), no movimento operário (com suas traduções), no movimento universitário (com suas traduções), no movimento rural (com suas traduções), no movimento sindical e no movimento eclesial (com suas traduções).
É na inserção dentro desses diferentes espaços onde se esconde a riqueza da “protagonismo” vivido como processo pedagógico porque o “protagonismo” só deixa de ser idéia quando houver compromisso com alguma organização. Fora dessa inserção não tem sentido debater “protagonismo” ou “empoderamento juvenil”.
A transformação da sociedade e a construção da personalidade não acontecem de outra forma. Afirmar o “protagonismo” juvenil significa carregar no bojo de nossa proposta a necessidade do compromisso com realidades concretas. Realidades que possibilitem a vivência do “protagonismo” como um processo educativo de afirmação das personalidades movendo-se em espaços diferenciados. Estamos afirmando, com isso, que toda a educação de jovens, se quiser colaborar na construção de personalidades que queiram ser sujeitos da história deve ter um compromisso muito definido com um espaço social que possibilite a vivência do processo pedagógico que batizamos de “protagonismo juvenil”.
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