Uma crônica pobre,
mas de assunto bonito
Quando embarcava de volta para casa, em
Goiânia, meu coração estava mexido. Não chorei mais porque as “aduanas”
implicaram com meus suspensórios e eu resisti. Uma emoção forte, vindo de
várias vivências, quiseram explodir em mim e chorei às escondidas. Imaginem um
idoso, de quase 78 anos, chorando em público... Tinha estado em Goiás, rezando
com um grupo, a mística do sabor e da resistência. Inspirados no lugar bíblico
Jerusalém, caminhamos levados pelo
mistério de alguns verbos: ver e olhar, caminhar, falar, sentir e fazer. Em
Goiânia fiquei hospedado com um amigo de muitos anos: Lourival Rodrigues da
Silva, envolvido numa quimioterapia infernal por causa de um câncer. Por vezes
estas e outras dores quase nos derrubam. Isso foi em Goiânia e Goiás onde,
entre outros amigos especiais, estava o Geraldo, a Carmem e o Berg que teve o
azar de torcer o pé querendo ajudar-me no carregamento de minha mala que levava
um monte de coisas inúteis. Goiânia é um lugar onde se ama a juventude e um
lugar em que pessoas de Igreja enxotam juventudes.
Viera de Brasília, onde tinha ido para
não fazer nada com a número 1 de minha vida (Raquel) e o “sapeco” (como diz a
Luana, filha de Joadir e Janete) chamado Joaquim. Em Brasília fui aluno de uma
escola particular de geriatria... É que eu desejava aprender de novo a ser avô.
Como disse, não fiz nada, mas consegui encontrar-me com gente de tempos
passados (agora todos grandes): Adriano (cego que assou churrasco), Alsimar
(além de outras coisas, criando cabras), Janete que recordou muitas coisas
vividas, Sueli (a esposa de Adriano e mãe de Edu), Edgar (que pensa em casar),
Ernani que é de Caxias e há séculos eu não via, Leandro o mesmo de sempre,
trabalhando no Portal da ANEC e não sei quem mais, a não ser a querida Larissa
que achei mais linda ainda.
Antes, eu estivera em Manaus, de 21 a 25
de janeiro, no XI encontro Nacional da Pastoral da Juventude. Fui lá de
enxerido, tendo a passagem custado uma boa briguinha com meu confrade
encarregado das finanças. Encontrei o pessoal todo na manhã do dia 22/1, na oração
da manhã, na qual tive que falar umas poucas coisas, com tempo marcado. Disse que não vinha para falar, mas ver a
rapaziada, ver o horizonte, a utopia e a juventude como realidade teológica.
Depois que voltei para casa, encontrei um papel onde anotara algumas ideias que
deveria dizer, caso me dessem a palavra. Antes da viagem, eu escrevera que “eu
vim para contemplar e ver”.
Queria ver se aí tinha corações grandes
para abraçar o Reino, queria ver se aí tinha gente com vontade de construir
comunidade e se havia coragem e lucidez para enfrentar diversos diabos: o diabo
do egoísmo, do ódio ao pobre, da divisão, da manipulação, da mentira, da
corrupção e outros diabos. Eu anotara também que devia dizer que o testemunho é
que vale; que a galinhagem não leva à nada; que a importância do Projeto de
Vida continua em pé e que não tivessem medo de amar a identidade pejoteira, de
verdade, assim como a Laisa e o Luis Duarte parece que falaram.
Do que eu vi e senti do Encontro
Nacional tentarei dizer pequenas coisas. O Encontro foi uma coisa linda e
significativa: de embevecer e de
assustar. Direi pequenas coisas:
1.
O Encontro foi bom. Foi um verdadeiro banho de poesia,
de mística, de arte, de juventudes, de adolescências, de acolhida para toda a
Pastoral da Juventude do Brasil. Discutiram-se assuntos sérios, alguns de forma
bem provocadora. As juventudes reunidas, vindas de todos os cantos do Brasil
tomaram um banho e deram um banho em Manaus e na Igreja. Encontro bom é onde se
pensa, se ri, se dança, se troca partilhas, se descobre, se aprofunda, se
penetra no horizonte e na utopia. Manaus foi simbólica; o encontro das águas
foi simbólico; a presença desconcertante de algumas autoridades foi simbólica;
ficou claro que o serviço é mais poético que o poder.
2.
Fomos levados a viver, no XI Encontro Nacional da
Pastoral da Juventude, o louco mundo do dionisíaco, com suas seduções onde,
mais do que a razão, a organização, a postura de militantes dos anos oitenta,
foi substituída pelo mundo da arte, da dança, da questão de gênero, do encontro
erótico do encontro das águas do Solimões e do Rio Negro, da mística, da
poesia, mesmo que isso significasse igualmente uma linda caminhada dos
mártires. Mesmo abafada pelos prédios da burguesia, os gritos, os cantos, as
reivindicações da caminhada dos mártires foram aos ares, misturadas de
Pai-Nossos e Ave Marias. Dos prédios altos, quase ninguém quis ver o que
acontecia lá em baixo, na rua.
3. A coisa mais
inesperada do Encontro foi o reconhecimento do trabalho pedagógico e formador
da Pastoral da Juventude. Depois de tantos anos de perseguições, desprezos,
ironias, proibições, negações de verba e tanta coisa, além de ouvir de um dos
bispos da Comissão Episcopal de Pastoral para a Juventude que “a Pastoral da
Juventude é a maior escola de formação de lideranças de Igreja no Brasil”, foi
bom. Maravilhoso, contudo, foi receber uma carta da Papa Francisco dizendo que a Igreja também ama vocês e por
isso lhes peço que não se deixem abater pelas coisas que possam chegar a ouvir
da juventude; em todo tempo histórico se falou pejorativamente dos jovens,
mas também em todo tempo foi essa mesma juventude que dava testemunho de
compromisso, fidelidade e alegria. Nunca percam a esperança e a utopia,
vocês são os profetas da esperança, são o presente da sociedade e da nossa
amada Igreja e sobretudo são os que podem construir uma nova Civilização do
amor. Joguem a vida por grandes ideais. Apostem em grandes ideais, em coisas
grandes; não fomos escolhidos pelo Senhor para coisinhas pequenas, mas
para coisas grandes!
Numa das plenárias ouvi coisas que nunca ouvira ter
sido dito em plenária. Muita coisa se relacionava com a homoafetividade,
completando o cenário que se vivia desde as mais diversas periferias até aquele
local da Ponta Negra onde se realizou a celebração da abertura com cores,
movimentos, sons, mantras, estribilhos, preocupações, amores e raivas que
pareciam brotar do fundo das águas das juventudes.
4. Só quem
acompanhou de perto os milhares de conflitos da Pastoral da Juventude, dentro e
fora da Igreja, pode imaginar o que significaram alguns pronunciamentos num
Encontro Nacional. Claro que ao lado dos que vibraram e vão vibrar, há e haverá
os que rangem os dentes, chegando a dizer que a carta foi forjada, que o Papa,
de novo, falou demais... A alegria de algumas afirmações nos reportava para a
história, quando apareciam documentos como o Marco Referencial da Pastoral da Juventude, o documento fundamental
Evangelização da Juventude, Desafios e
Perspectivas Pastorais ou, então, Civilização
do Amor – Projeto e Missão. Encontrões, marchas, reivindicações, bandeiras
de luta, místicas de fazer as estrelas pularem de alegria, tudo estava lá. O que
importa é que foram palavras confortadoras e de alento para um rebanho jovem
acostumado às chicotadas, mas que sabe do esforço que faz em muitas partes.
5.
Como escrevi numa outra vez, o sabor e a resistência
sempre foram os condimentos da sopa da vida. A sopa, contudo, por vezes, tem
gosto de Belém, de Nazaré, de Cafarnaum, de Betânia, Samaria e dos diferentes
gostos e sabores que têm os momentos que vivemos. Embora os sabores estejam em
cada um dos “momentos” e de nossos “acampamentos” o sabor e a resistência mais
suada, no entanto, situa-se em Jerusalém. O encontro de Manaus foi Belém, foi Cafarnaum,
foi Betânia, foi Genezaré... O encontro de Manaus foi manauara. Foi
reconhecimento. Se os olhos dos/as quase 800 jovens presentes brilharam,
brilharam muito os olhos das dezenas de assessores/as que vinham de muitos
lugares e deixaram um recado forte e juvenil ao clero de todo o Brasil. Entre
outras coisas, eles dizem: Machuca o
coração quando ouvimos de jovens engajados na vida das comunidades, partilhas
que dão conta de revelar as barreiras criadas por presbíteros de nossa Igreja à
caminhada e processo de formação na fé de nossas/os jovens. Sabendo de nossas
limitações e fragilidades no acompanhamento às/aos jovens, com humildade
pedimos perdão por nós e por nossos irmãos presbíteros por tantos espaços
fechados dentro da Igreja.
6.
Em meio ao desencanto e ao
conservadorismo de muitos tipos, o Encontro de Manaus conseguiu encantar.
Bastava ver como os/as adolescentes que ajudavam na infraestrutura pulavam de alegria. Não se negam os conflitos
e as dificuldades, mas o que se via eram sorrisos, belezas, gente descobrindo
que o grupo é o lugar da felicidade do jovem. Apesar das dores, dos extermínios
(em Manaus foram mortos, naqueles dias ao menos dois jovens), apesar da
tendência autoritária, grosseira, violenta, individualista, de desprezo pelos pobres
e até pelo Brasil, Manaus conseguiu ver, nesta semana, uma juventude bonita que
sabe que é mais bonita quando tem causas para se lutar por uma civilização do
amor.
7.
Disseram-me que o pouco que falei
em Manaus teve toada simeônica, isto é,
de Simeão, o velho do Evangelho que, quando viu Jesus, disse que podia partir
em paz (Lucas 2, 29). Sei que sou
indigno da comparação, mas aceito por vir da boca de quem veio. Se os pés estão
pesados, é muito bom saber que em Manaus os sonhos são leves, bonitos,
misturados de águas, índios, horizontes, matas, rezas, esperanças e utopias.
Hilário Dick
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