Os textos eclesiásticos querem
ser sempre mais pastorais do que acadêmicos e científicos. O mesmo sucede com o
texto/base da CF/2013, com o tema “Juventude”. O presente comentário sobre este
texto quer ser, simplesmente, um “alerta” para três aspectos do texto lançado
pela Conferência dos Bispos do Brasil.
O texto em questão, embora de um
jeito que poderia ser outro, segue o tradicional “Ver-Julgar-Agir”. Afirmo “outro”
porque carregado de uma leitura funcionalista da realidade e, também, da
juventude. Tudo começa com o “Ver”, falando da mudança de época com seus
impactos e da vida negada e ameaçada, destacando igualmente a “afetividade
autônoma” e narcisista. A realidade descrita refere-se à cultura midiática e ao
fenômeno juvenil. Embora se diga que a melhor forma de nos entendermos é a
presencial, a insistência é na ambiência midiática. Só existe quem aparece ou é
mostrado (a grande realidade vivida pela juventude). Na prática não só
midiática, contudo, além de excluir, há tapumes e muralhas que escondem.
Além de não ficar claro o que o
texto entende por “juventude”, confunde-se “juventude” e “adolescência”. Aliás,
quase não se fala de “adolescente” quando a realidade da maioria dos grupos das
pastorais e movimentos é de adolescentes. Seria muito exagero dizer, por outro
lado, que a igreja já perdeu a juventude?
O primeiro “alerta” refere-se,
por isso, ao paradigma que o texto
segue, mesmo que inconscientemente: o paradigma do jovem como problema. O
problema não é a sociedade, mas a juventude. Todos querem ser jovens, mas a
juventude é a culpada dos eventos ruins da sociedade. Ao mesmo tempo em que são
modelos, são os culpados. Isso fica claro e até mais grave quando, no final
dessa parte, falando da falta de acompanhamento, o culpado dessa falta não é
nem a sociedade nem a Igreja, mas os próprios jovens (nº 121). O mais perigoso
e perverso, portanto, é que, mesmo descrevendo a realidade, esta realidade, de
fato, não é considerada. Jon Sobrino
fala do “povo crucificado” que o Primeiro Mundo não quer ver, mas oculta ou
dissimula. O mesmo sucede com a juventude.
A “cultura midiática”, sem negar
a sua riqueza não deixa de ocultar também uma “batalha da imagem”, onde a
realidade que se mostra, também a da juventude, não é a realidade. A realidade
que mais chega ao coração de Deus (o mundo dos pobres), é a que menos existe
nesta cultura midiática. O texto/base escapa disso? Contudo, como dizia Karl
Rahner, “a realidade quer tomar a palavra”. Podemos dizer, também, com Jon
Sobrino, que nas igrejas de hoje, há excesso de triunfalismo e entusiasmo, de
infantilização e de credulidade. As três realidades, os três substantivos se
encontram... Assim, o paradigma ao qual o texto obedece é o da juventude como
um problema, caindo igualmente nos excessos que Sobrino aponta. Falta realismo;
falta referência a experiências concretas; falta rigor científico e vontade de
estudar juventude; falta história; não
se sabe o que se entende por acompanhamento. Não se entra no econômico.
É dentro deste alerta sobre a
realidade que está, também, o segundo alerta: a importância que se dá, na
análise do fenômeno juvenil, à cultura
midiática. Claro que há aspectos importantes que o texto aponta, mas o
alerta deve estar antenado com o tipo de leitura que se faz da realidade
juvenil (= adolescente). Aliás, a Pastoral do Adolescente não aparece ou, se aparece, não é quase
percebida. A realidade é o que a mídia mostra. Fica-se no que interessa; fica-se
na aparência; certas coisas são faladas só para falar. É o massivo que salva. A
Igreja é menos profética porque evita falar do econômico.
Nesse sentido, veja-se o que
acontece na parte do JULGAR. Quem entende um mínimo de exegese e de
interpretação de texto vê que a forma como os jovens apresentados, tanto no
Antigo como no Novo Testamento (também Jesus, também Maria, também os silêncios
p. ex. sobre o “Cântico dos Cânticos”) é um engodo vestido de boa vontade.
Talvez mais triste, ainda, é a apresentação que se faz dos jovens na história
da Igreja. De nove jovens, cinco são da Itália... Por que não se fala de
Francisco de Assis, de Joana d´Arc e de tantos jovens, com nomes, da América
Latina? Por que valem só os indivíduos e não os movimentos juvenis? É que a
salvação e a santidade só contempla o individual.
Claro que o grande discurso do
texto e do momento é o do seguimento, do modelo, do discipulado, do Caminho, da
Verdade e da Vida. Mostra-se (ou se tenta mostrar) que o jovem mora no coração
da Igreja, que o jovem é um lugar teológico (nº 189), mas o texto não sabe ser
claro sobre a opção pelos pobres e jovens em Puebla, nem recorda que, em Santo
Domingo, foi afirmado que a opção pela juventude precisa ser afetiva e efetiva.
Por outro lado, o texto fala, de forma genérica do “espaços eclesiais” que a
juventude tem, e da falta da necessidade de assessoria adulta. Veja-se como
fala de forma ligeira e, até, historicamente errada, da presença da juventude
na Igreja do Brasil e não, como diz o título, “da presença da Igreja do Brasil”
(um pormenor que comprova que se fala por falar...). Quer-se enterrar a
história de certos movimentos juvenis.
Por outro lado, o texto procura
arrancar de não se sabe de onde e para quê, todo um parágrafo (n° 216 a 237)
sobre o protagonismo dos jovens. Lendo-se, no entanto, estas páginas, qual o
conceito que se tem de “protagonismo”? Bem longe, em todo o caso, a concepção
do protagonismo como um instrumento pedagógico, fundamental no amadurecimento da
concepção e da vivência do poder, através de uma boa organização. Um
protagonismo (no texto) para agradar ou enganar? Pode-se falar de protagonismo
sem falar de autonomia, de poder (serviço), de organização? Está em jogo, evidentemente,
o que se entende, na conjuntura atual, sobre o “Setor Juventude” da CNBB e o
significado radical e estratégico de Comissão Episcopal da Pastoral da
Juventude. Fica-se num grande “discurso”; fica-se num controle, querendo
mostrar-se sob a pele do “cuidado”.
O terceiro alerta tem suas raízes
na parte do AGIR, do texto. Essa partida para a ação começa com uma novidade,
como tal: o “converter-se aos jovens”. Repete o que Bento XVI falou de
“conversão pastoral” que não está bem explicada. Fala-se que “a Igreja precisa dos jovens”,
isto é, embora se queira dizer que a juventude é amada pela Igreja, comete-se
uma “errata” afirmando que ela (a Igreja) tem interesse pela juventude, que seu
amor não é gratuito.
Dentro do espírito que supõe acolhida, abertura
da sociedade e reavivamento da utopia, parece que se conclui que é preciso
começar tudo de novo, que a história começa agora, que tudo que se viveu não
importa muito ou nada, e que é preciso RECRIAR.
Além de não falar da história dos
jovens sendo Igreja no Brasil e na América Latina (ignorando não só a história
da Ação Católica, mas 30/40 anos de história sistematizada da Pastoral da
Juventude); além de ignorar aspectos importantes do CELAM com os jovens (opção
preferencial em Puebla, Civilização do
Amor – Tarefa e Esperança); além de não falar de um estribilho que marca a
história latino-americana da juventude – a civilização do amor; além de não
referir-se a nenhum espaço eclesiástico que estuda juventude; além de omitir de
todos os modos em citar a palavra “Pastoral da Juventude” (veja-se a forma como
se cita os documentos 44 e 76 da CNBB), parece que se defende um recomeçar
tudo, isto é, recriar o sentido, a relação com Deu, as relações afetivas, a
mudança de época, a transformação da sociedade, do meio ambiente, da fé e da
ciência como se – na evangelização da juventude – não tivesse nada escrito
sobre isso.
Nas linhas de ação e pistas, o
texto volta a falar - é verdade - de “protagonismo dos jovens” em âmbito
pessoal, eclesial e social, mas basta ler para se verificar que se trata de um
protagonismo espiritualizante, “piedoso” e que procura esconder, de todo jeito,
que se trata de uma postura política e de poder. Tanto assim, que até o Setor
Juventude fica enterrado atrás de medos e superficialidades piedosas. Até
contradiz o próprio lema da Campanha “Envia-me, Senhor” (Is 6,8) onde não temos
o chamado de um rapaz para uma vocação qualquer, mas para uma vocação
profética, de denúncia e perigo. Basta
ler 6, 8-13 (e não só o começo). O que deveria ser profético, virou sem
novidade e sem desafios. Só existe profecia onde se respeita a realidade e o
pobre. E o texto, além de “enfeitar” a realidade não deixa nem dá lugar e
importância aos preferidos de Deus, os pobres. E todos sabemos que fora dessas duas
realidades, não há salvação. O texto traiu e trai a vocação profética da
juventude.
Concluindo, podemos dizer que
para o texto/base da Campanha da Fraternidade de 2013 faltam acentos,
referências, reflexões fundamentais que superem a tendência do discurso bonito
ou do falar por falar. Temos que confessar ou reconhecer que todo instrumento, mesmo
o texto/base que analisamos, mesmo em todas as suas fragilidades, pode ser um
ponto de partida. O que importa é que cresça o conhecimento e o encanto com a
juventude. Se é a esse encanto que o Papa se referia quando falava de
“conversão pastoral” devemos reconhecer que está falando algo muito sério,
reconhecendo uma postura que vê que a
reflexão sobre a juventude deve ser, primeiramente, uma reflexão sobre a sociedade
que recebe e acolhe a juventude. O encanto pela juventude.
Hilário Dick
Um comentário:
Obrigada Hilário, sua reflexão nos coloca em um lugar de desafio. Rever nossas práticas no trabalho com a juventude.
Creio que é isto o convite da CAmpanha da Fraternidade - conversão na direção da juventude empobrecida que está sendo exterminada neste pais.
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