Hilário Dick
Falávamos e falamos de Maio de 1968. Um Maio
memorável, misterioso, difícil de entender. Passaram-se 45 anos e não
conseguimos entende-lo, ainda, e não estamos entendendo, de novo, um junho de
2013. Esta juventude! O motivo mais concreto é o aumento das passagens de
ônibus: as pessoas têm o direito e a necessidade de locomover-se, mas os donos
estão cobrando demais, lucrando demais em cima das necessidades do povo e, de
modo especial, do estudante que se deve locomover em busca de sua profissão, de
sua sabedoria, da sua convivência com os/as outros/as num espaço que se chama
“escola” ou “universidade”, direito de todos.
O que seriam estas movimentações todas, bonitas,
pacíficas, cheias de insatisfações, que certa parte do sistema só sabe definir
como “depredação” e “violência”? A gente parece que não se deu conta que a
panela de pressão arrebentou... É feijão no teto, nas paredes, em todo lado. O
problema está em saber quem deixou a panela de pressão arrebentar. E as ruas do
Brasil viraram uma cozinha enorme com cheiro de feijão que não se aguentou mais
na panela. De quem é a culpa?
Não sejamos cegos dizendo que as multidões que há
tempo ou nunca foram às ruas não tenham motivações em suas cabeças, bolsas,
bocas e cartazes. Se falarem, vai ser uma “explosão” de raivas, de sonhos
pisados, de “bastas”, de indignações ao mesmo tempo claras e indefinidas. É
feijão por todo o lado... E quando o povo vai à rua que não é bem para cantar e
dançar inocências ou safadezas, os escudos, os guinchos de água e os cassetetes
se vão ajeitando às claras e às escondidas, comandados por quem só gosta de
massa e não de povo. Naquela hora deixam de haver inocentes e culpados. Todos
são culpados...
Impossível dizer as razões destas multidões nas ruas,
contudo há aspectos que devem ser tomados em conta:
1.
A manipulação
Há muitos meios de fazer que sejamos
manipulados. Parece que estamos na sociedade da Manipulação. O que manda é a
aparência: somos o que aparentamos. Para isso existe a moda, o consumo, tantas
coisas que os diferentes Meios de Comunicação fazem para que sejamos como eles
dizem que deveríamos ser. Nem vale o sexo; o que vale é o corpo. O outro não
existe; a utopia está no meu umbigo. Se conseguimos conquistar tantos direitos,
onde está a grandeza da pessoa humana? A utopia não é “social”, mas corpórea.
Até na religião vale a aparência. É só dar uma olhada nos costumes “clericais”
e dos próprios “conventos”. O que vale é a aparência; os grandes eventos... As
Jornadas Mundiais de Juventude não estão fora desse enquadramento da aparência
e da manipulação. Manipula-se a própria realidade. Fica sempre mais claro que
as técnicas da comunicação nos apresentam uma realidade que não é a realidade.
Em vista disso e de outros aspectos
fala-se de mudança de paradigmas. Tudo evolui de tal jeito que não se sabe mais
o que é “Estado”, o que é “Família”, o que é “Escola”, o que é “Igreja”, o que
é “Coletividade”, o que é “Solidariedade”... E a panela de pressão explode.
Nunca tivemos uma juventude tão manipulada como hoje. Demora ela dar-se conta,
mas quando acorda vemos o feijão voando para todos os lados.
2.
Corrupção
As técnicas de comunicação e controle
são tantas e tão sofisticadas que fica
sempre mais claro que a corrupção está sendo descoberta como parte ontológica
da pessoa e da sociedade. Estamos muito além dos “mensalões” que para a elite
farisaica e sarcástica parecia o começo dos enganos e dos abusos do dinheiro do
público. Quando se começa a levantar o tapete de tudo que é roubalheira em
todos os sentidos, proíbe-se o Ministério Público investigar. A corrupção é
econômica, é política, é moral, é religiosa; a corrupção parece correr nas
veias da sociedade. Mesmo que já soubéssemos, como foi ruim virem à tona as
corrupções de um lugar sagrado como é o
Vaticano! E não nos enganemos, pensando que não haja outros muitos Vaticanos.
No auge da corrupção do poder romano, o
que valia para conservar a paz no Império, era o “pão” e o “circo”. O que
significa haver bilhões de reais à disposição para construir “circos” para o
povo, quando se diz que não há dinheiro para a saúde, a educação, o transporte,
o lazer etc? Vendo tudo isso, a panela
de pressão não aguenta mais. Contemplando esta realidade e pensando em algo
específico como a Jornada Mundial da Juventude, não haveria nada em comum?
Investimento em marketing; em vez de “cuidado”, o “controle”; em vez de
“processo”, o poder manipulatório de eventos; movimentos de massa abusando do
valor religioso e popular de alguns símbolos, falando de um “Bote Fé”
superficial e festeiro... A panela tem que explodir.
3.
Saturação
Estamos num mundo “saturado”. Não tem
mais lugar para o “eu”; melhor o “eu”
está tão grande que não cabe mais... Tudo é objeto. A encarnação mais descarada
disso são os “shoppings” que, além de saturarem as vistas, os desejos, as
bolsas, carregam no seu bojo algo que não se gosta de dizer: a força da
exclusão. Tudo vem de cima; tudo vem feito. Tudo bonito, perfeito; tudo a ser
feito e a ser consumido. Desde os objetos, até a educação, as decisões, as
religiões. Nas religiões, por exemplo, valem os “catecismos”. Eis aí a solução
para as inseguranças! Ao mesmo tempo, a grande fome que está nas ruas é o
“protagonismo” e a “autonomia”. De jovens e menos jovens; na sociedade e nas
igrejas, nos pátios e nas salas de aula; nos encontros religiosos e “profanos”
o que se vai conquistando e o que vai provocando medos e terrores é a autonomia
e o empoderamento. Também dentro das igrejas. Parece que o desafio da
criatividade desapareceu. Não há lugar para as preciosas pequenas invenções.
Estamos vivendo num mundo “impregnado”.
Vivemos numa sociedade “cheia”, “farta”, “saciada”, “ocupada”. Não há mais lugar
nem para a poesia ou a confissão de bonitas ignorâncias. Somos “informados” de
tudo. Até parece que sabemos de tudo... Não há ilha que escape. Por outro lado,
estamos saturados de enganos, de engodos, de mentiras, de desonestidades, de
desconfianças. “Confiar em quem?” Por ora, é a família que mais inspira
confiança, mas os tipos de famílias se misturam e aumentam em belezas e
excentricidades. Enfim, a panela do feijão vai explodindo...
4.
Desrespeito
Outro motivo da explosão da panela é o
desrespeito. As pesquisas mostram que o “desrespeito” é uma das fontes da
violência dos jovens, quando ela surge da juventude. Os jovens não são violentos porque querem, mas
porque foram violentados... Um dos motivos sérios da explosão da panela de
pressão é o desrespeito que toma muitos aspectos: a construção de
hidro-elétricas; a questão das reservas de terras para os indígenas; o
transporte público; a redução da maioridade penal; o PEC em debate; a falta de
cuidado com os jovens nos espaços de lazer; o desemprego; a questão das cotas
na Universidade e 39 coisas a mais. Quem não se dá conta de que há eventos
horripilantes, junto à periferia dos grandes centros (Goiânia, São José os
Campos, São Paulo, aqui e acolá) que provam que há “mistérios” que pensam e
fazem como que os pobres não deveriam existir? Veja-se a forma como se olha
para a mulher; o significado das marchas das “vadias”, enfim o desrespeito em
muitos aspectos, sem falar do Direito, da Polícia, das diferenças de ricos e
pobres. Assim como não se respeita a criança, não se respeita nem o jovem nem o
idoso... Seria preciso falar do Extermínio
de Jovens? Das injustiças entre brancos e negros? De centros e periferias?
De lucros exorbitantes? O desrespeito dói e ajuda a panela a ela arrebentar.
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