Antonio
Frutuoso
Rede
Globo, programa Fantástico, dia 16 de setembro. Uma das notícias mostra a
chacina de 6 jovens, moradores da favela da Chatuba, Baixada Fluminense, Rio de
Janeiro, encontrados mortos na segunda, dia 10 de setembro. No mesmo programa é
lançado o Clipe/Hino Oficial da Jornada Mundial da Juventude. Entre os dois
fatos uma enorme e abissal diferença que nos faz lembrar o slogan do programa:
isso é fantástico!
Uma
das acepções da palavra “fantástico” é a de que se trata de algo que foge da
normalidade, fora do comum e, em certo sentido, é inverossímil. De um lado, jovens de periferia, pobres,
todos negros, que são mortos no Rio de Janeiro, estado onde acontecerá a JMJ.
De outro lado, jovens brancos, turistas, comportadamente vestidos e bem
nutridos, vem ao Rio para participar da JMJ. A música, como os melhores hits,
feita para grudar, cantada pelos stars católicos, em nada faz lembrar o
samba, o maracatu, o forró, sons genuinamente brasileiros, afinal tudo é
fantástico, tudo soa falso, pois, como na música panis et circenses dos
mutantes, “as pessoas na sala de jantar estão ocupadas em nascer e morrer”.
As
duas reportagens despertam para a seguinte questão: quem é o/a jovem para o
qual a Jornada quer e deve falar. Seriam os/as brancos/as caucasianos/as ou
pretos/as e pardos/as - maioria da população brasileira? Seriam os/as jovens
confortavelmente instalados/as em pousadas ou escolas católicas ou os/as jovens
moradores de casebres que se amontoam em favelas no entorno das cidades? Seriam
os/as jovens bem nutridos/as e civilizados/as, ou os/as jovens que vivem com
menos do suportável e se reúnem em gangs para reivindicar, de uma forma
por vezes enviesada, maior condição de vida? Enfim, falar a quem, ao jovem que
tem condições de ter uma vida relativamente segura, que pode pagar um Salário
Minimo para participar de uma semana da Jornada, ou aqueles que vivem abaixo da
linha da pobreza, os que vivem com menos
de R$ 70,00 por mês, que no Brasil são em torno de 16 milhões de pessoas, ou
ainda aqueles que vivem de Salário Minimo, que chegam a 60% da população
brasileira?
Uma
resposta simplista à questão diria que deve-se falar aos dois grupos, pois
ambos necessitam serem evangelizados. Uma resposta evangélica diria que devemos
falar aos mais pobres e necessitados, estes que são os bem-aventurados, o sal e
a luz do mundo (Mt 5,13) e deles virão a redenção e a conversão de todos nós. O
caminho da Jornada é o caminho do Jesus pobre, humano e convicto que a vida é
revelada aos mais humildes e simples (Lc 10, 21).
Num
dos primeiros dias de inscrição da Jornada houve 4.000 inscritos. Façamos uma
conta simples, se cada inscrito pagar 600,00, chegaremos a quantia expressiva,
em um único dia, de R$ 2.400.000,00. Alguém sabe me dizer qual é o orçamento
anual da Pastoral da Juventude? Por certo não chega nem perto desse montante. E
quem evangeliza mais: uma jornada, evento pontual, massivo ou a Pastoral da
Juventude com seus milhares de grupos que sistematicamente se organizam e se
encontram semana a semana, mês a mês? De novo não tenho dúvidas de dizer que é a
Pastoral.
O
hino da JMJ inicia falando que somos marcados desde sempre com o sinal do
Redentor. “Redentor” é uma palavra interessante, pois de imediato nos liga à
ideia de um salvador, aquele que veio remir a humanidade, livrar a humanidade
de qualquer forma de opressão, inclusive das formas religiosas alienantes, como
eram a que se apresentava no tempo de Jesus. O hino termina falando da
necessidade de nos tornarmos novos homens. A resposta de Jesus a Nicodemos é
clara: tem que nascer do espírito (Jo 3, 5). Exige transformação profunda. Trata-se
de um novo nascimento. O novo homem não nasce a partir de estruturas de
opressão, acumulação, do ter muito e ter mais, do consumismo... É preciso outro
mundo. Ao dizer a Nicodemos que se tem que nascer de novo, Ele faz ver que não
há como construir o novo a partir de estruturas desiguais, que é necessário por
o vinho novo em barris novos (Mc 2,22). O novo homem é processo e produto de
uma nova sociedade, de uma nova Civilização – a Civilização do Amor, que é para
nós tarefa e esperança.
Não se trata de um sonho adiável para o futuro,
nem de um desafio que se pode realizar num só dia ou numa só geração. Não se
trata, igualmente, de gestos heróicos nem de ações isoladas ou voluntariosas. É
tarefa diária. É paciente construção de dinamismos que motivam opções,
compromissos e projetos que vão transformando, lenta mas radicalmente, a
realidade. É tempo de semeadura e de esperança permanente, em que os passos
dados e as conquistas alcançadas convidam a prosseguir. (CELAM: Civilização do Amor:
Tarefa e Esperança. Orientações para a pastoral da juventude latino-americana.
Paulinas, SP, 1997, p. 152).
Ao
dizer que o seu Reino não é segundo este mundo (Jo 18,36), Jesus deixa claro
que o seu Reino não pode ser o mesmo de Roma que subjugava a Palestina em seu
tempo e que uma religião alienante produz sujeitos dóceis e conformistas que
aceitam todos os sacrifícios como condição da vida eterna.
O
Dia Nacional da Juventude deste ano nos convida à reflexão de “que vida merece
ser vivida?”. O apelo de Jesus presente em Jo 10,10 e Jo 14,6 evidencia que a
vida em abundância é fundamento para se estar no caminho com Jesus. O termo “abundância”
não deixa dúvidas; não é pouca vida, mas vida que sobra, como vazante em rio
que se espalha e inunda as margens. A ordem de Cristo é clara: é a ordem da
VIDA (Lc 7, 14). É firme o propósito da PJ ao afirmar que a vida é para ser
vivida e não ser ceifada ou destruída antes de se cumprir o seu tempo. No
Brasil de 2010, 8.600 jovens morreram vitimas de homicídios; morreram sem ter
direito a viver a vida.
No
show da vida, numa noite de domingo, pudemos ver 6 jovens pobres não encontrando
redenção; não havendo amanhecer nem esperança. No show da vida, vemos que uma
Rio de Janeiro ensolarada, como a mostrada no clipe, esconde os noturnos de
nossas desgraças e mazelas. No show da vida os star católicos estavam
mais preocupados em cantar a vinda do Papa do que cantar a morte dos filhos e
filhas das viúvas de Naim que partiram da vida sem ter vivido da vida.
E
nós queremos o show da vida, de uma jornada, ou a VIDA que é caminho, em todas as suas dimensões,
contradições, lutas, resistência e limites, mas que nos conduz ao verdadeiro show
que é Jesus?
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