Introdução
Quando
terminou a Jornada Mundial da Juventude, em Madrid, mal imaginava que eu voltaria à do Rio de Janeiro, e não
só, como me envolveria muito mais. Àquela havia ido com um pé atrás, sem saber
muito do que se tratava, e ia como parte do programa de um encontro de um grupo
no qual participava e participo. Disse, também, depois daquela, ao terminar,
que valia a pena fazer parte disso uma vez na vida, e só. Abrumaram-me lá a
quantidade de gente, a diversidade e a superficialidade.[1]
Pois
fui à do Rio. Tive, antes, a
oportunidade de conhecer a organização da JMJ, participando de uma reunião de
delegados e assim saber quem estava na frente da organização da Jornada no
Brasil, equipe bastante conservadora, diga-se de passagem[2].
Com Dom Orani ao comando, pouquíssimos leigos ou jovens. Tinha, também, a
vantagem de conhecer de alguma maneira o terreno católico brasileiro, melhor
que o espanhol. Mudava bastante meu olhar. Portanto, a esta JMJ, fui sabendo o
que me esperava, e sabendo também dos pontos fracos em termos de logística.
Em ambas as jornadas eu fui com o Magis, encontro organizado pelos
Jesuítas, com alguns dias de missão anterior à JMJ. Uma
tentativa de dar uma cara inaciana à jornada[3].
Missão esta, que em ambos casos ficam como experiências profundas e
significativas de encontro e de reflexão
sobre a realidade do mundo.
Difícil analisar
É um grande desafio tentar traduzir em palavras o
que vai acontecendo durante os dias da Jornada. É mais fácil ter acompanhado a
função toda pela televisão de longe que estando ali no meio. De estar lá ficam
testemunhos pontuais, pessoais, muito difíceis de generalizar, alguns: 1)
recebemos um kit, onde o primeiro item é um manual de bioética, que dúvido que
poucos tenham posto nas malas, na volta; 2) não está incluída para todos,
porém, a programação completa das atividades planejadas no Rio, o que dificulta
saber o que fazer nos dias da Jornada, e a possibilidade de escolher entre as ofertas;
3) no kit vai incluído, também, um vale transporte e um vale alimentação[4].
Chega o povo
Começam a chegar milhares de pessoas e, como
estão uniformizadas, é fácil ir vendo os peregrinos pela cidade. Chegam em
grupos barulhentos e coloridos, como invasores de todos os espaços da cidade:
metrôs, ônibus, restaurantes, ruas e em massa dos lugares turísticos, que se
tornam os lugares a onde todos querem chegar, fim de todas as “peregrinações”
apesar das filas quilométricas. Rapidamente torna-se impossível andar no Rio
sem perceber e sentir os peregrinos[5],
considero em alguns casos a presença é mesmo agressiva com o cotidiano das
pessoas locais. Mesmo assim, a atenção recebida nas ruas para indicações sempre
foi de bom grado
E onde as juventudes?
Todos os personagens centrais da Jornada, pouco
tem a ver com a juventude por proximidade ou afinidade: são os bispos que fazem
a catequese, o arcebispo do Rio que faz a abertura, e o Papa que tenho a
impressão que cumpre o roteiro que lhe está escrito. Há uma distancia entre
eles e os jovens. Mesmo assim, supõe-se que eles devem dizer alguma coisa para
ser ouvida pela juventude que acudiu em massa, nunca ao contrário. Então há discursos,
muitos, e todos incluem em algum lugar a palavra juventude. A Juventude essa
que é tratada como uma coisa sólida, sem nuances, sem adjetivos. Juventude
católica, e só. Toda a Jornada tenta dar a entender isso, aliás, que todos os
que estão ali formam essa juventude católica que é multitudinária e uniforme, arriscaria a dizer que de uma forma algo
prepotente se pretende em boa medida mostrar como são muitos os jovens
católicos, para que “alguém” veja. Mas o que se entende por juventude pouco se
diz. E voz para essa juventude, pouco também. Os jovens dos atos também estão
cumprindo um roteiro, tal como um teatro[6].
Madrid x Rio de Janeiro
Se a
durante os dias da jornada em Madrid ressoava em mim a seguinte frase da oração
do Magis 2011: “ajuda-nos a nos pôr em marcha,
a sair à intempérie” pelo que significava andar por lugares desconhecidos,
someter-se ao sol escaldante, e no ultimo dia a uma tormenta, durante os dias
chuvosos no Rio o que fazia eco era “mas muito
do que vejo é contradição, tanta gente tanta solidão” do hino Magis2013.
Quando se defende uma proposta de Igreja em específico, como é o meu caso,
sempre se anda vendo e ouvindo com muita atenção e sentido critico aguçado,
para mim em Madrid em atitude curiosa e sem vontade de me amedrontar, no Rio
percebendo que por trás de tudo sempre tem muito mais historia do que se
percebe e nem sempre suficientemente clara.
Ruim ver contradições?
Talvez, por isso, fui com vontade de ver as
contradições; ver como esse evento pensado para ser de proporções gigantes
atrapalha na verdadeira evangelização, no verdadeiro acompanhamento, nos
processos de comunidade. Como a figura do Papa toma proporções descomunais ao
ser o centro das atenções de jovens de todos os lugares do Brasil e do mundo.
De Massas de gente em que cada um se perde, e talvez esse seja o atrativo da
Jornadair e saber-se parte de uma massa indefinida de gente, sentir-se no meio
de muitos, mas dificultar diálogos, debates e reflexões profundas que
necessitam de tempo e calma. Nessa pretensão de mostrar uma igreja cheia de
jovens, se passa por cima das diferenças que possa haver ali dentro. Como nas
manifestações de Junho no Brasil, fica sempre a dúvida de se quem está do lado
acredita no mesmo que eu acredito. Isso poderia tornar-se debates, porém é
evidente que esse não é o objetivo.
Preocupações
Particularmente, essas multidões me assustam um
pouco, sinto que a qualquer momento pelo efeito “maria vai com as outras”
estamos todos repetindo frases que pouco fazem sentido. Penso em meu papel como
jovem dentro dessa “juventude”, e primeiro não consigo me ver como a juventude
do Papa, me produz certa alergia essa frase, sim sou jovem católica, e
militante, mas a juventude será minha e eu escolho com ela construir no meu
papel de jovem na sociedade um caminho de seguimento a Jesus. Ao extremo não
diria nem mesmo “juventude de Cristo” em nome da liberdade que ele dá a cada um
para segui-lo ou não. Me pergunto: o que querem dizer quando cantam essa frase?.
Outra questão é quando vejo que tratam a juventude como esse sinónimo piegas de
futuro, “Juventude, esperança do amanhecer” diz o hino da JMJ, o que significa
isso em um mundo em que os jovens pouca oportunidade tem de falar, de dizer e
de construir? Também não consigo me encaixar ai.
Outras manifestações
No meio de tudo, para quem quiser perceber as
diferenciações presentes não é tão difícil assim. E falo por mim, mas esses
olhos críticos vi em mais de uma ocasião, e em outras tantas um certo
sentimento de decepção, em diversos momentos. Levo uns colombianos (do Magis) à
Paroquia Santa Bernadete onde acontece a Tenda das Juventudes, com uma
programação (que não esta acessível para os que não tem o livro aquele) de
painéis sobre temas que os jovens devem saber e falar, inclusive para ser
construtores desse futuro que não sai por um truque de magia, mas sim de muito
estudo, reflexão e posta em prática. E os colombianos ficam admirados que essa
Tenda fique “tão longe e tão escondida”. É então notável como sim, as
centralidades da jornada têm uma intencionalidade específica, decidida pela
organização, de um projeto de igreja particular, e que não admite participações.
Está definido assim de antemão, não importa nem mesmo quem seja o Papa.
Também com a Pastoral da Juventude (organizadora
da Tenda) acompanhei a marcha contra extermínio de jovens. O
vermelho e preto, os cantos, destoavam um pouco do verde-amarelo da JMJ. Aqui
também levei uma colombiana. Estava impressionada que jovens católicos saíssem
a gritar contra o extermínio de jovens, de uma forma tão política e tao
decidida. Dizia que ela costumava acompanhar manifestações diversas em Bogotá
mas tinha dificuldade em colocar sua identidade católica ali.
Guaratiba
O tempo do Rio, que acabou impedindo a realização
da vigília em Guaratiba, creio que acabou por ser de grande ajuda. O Campus Fidei, que até nome ganhou,
prometia ser uma roubada desde o começo. Porém foi grande irresponsabilidade
fazer uma mudança dessas em 3 dias. Irresponsabilidade com os habitantes de
Guaratiba que se haviam preparado, e com os peregrinos, porque era realmente
difícil montar uma infraestrutura para mais de 2 milhões de pessoas se
acomodarem na praia por dois dias em tão pouco tempo. Recebi a noticia com
alivio, mas com revolta também. Considero que, no fim das
contas, as coisas saíram melhor do que podia ter sido.
O Papa
Por último, as palavras do Papa Francisco, foram
cativantes, é verdade, e no seu sotaque argentino, bastante soltas e diretas.
Disse aos argentinos que deviam fazer “badernas” mesmo apesar dos bispos; disse
que o campo da fé era cada um de nós; disse que devíamos ir, sem medo, para
servir; pediu para respondermos no coração. Tudo isso portanto, não se faz
dentro de um evento como a JMJ, ou se faz apesar dela. Percebo, nas reflexões
dos que andavam ao meu redor, das perguntas que surgiram, da incomodidade que
não poucas vezes gerava estar ali no meio daquilo, que evangelizar, fazer
discípulos, servir, são coisas que não precisam de JMJs. Tinha a esperança que
o Papa Francisco anunciasse no fim que não haveria mais jornadas, ou pelo menos
não nesses modelos. Considero produtiva, sim a troca de experiências, o
conhecimento de outras realidades distantes ou mesmo próximas, , mas não aposto
nesta maneira. Acho que o que fica de mais importante são os poucos diálogos
estabelecidos, as perguntas, os questionamentos, enfim, as miudezas no meio do
gigante.
Conclusão
A JMJ não é definitivamente o campo da fé. O
campo da fé é a vida diária, com as cruzes para carregar, com próximos para
atender. Sei que muitos dos que estão lá vivem isso nas suas comunidades. Mas
para outros a JMJ tem-se tornado um objetivo, e como objetivo parece que carece
de sentido.
[1] Desconfiança, não sabendo o que
seria e, depois, certa decepção considerando a superficialidade, a diversidade
e a quantidade de gente. Uma experiência só uma vez na vida...
[2] Na JMJ do Rio, conhece mais a infraestrutura, com suas fraquezas, e a
ideologia que ia por detrás, bastante conservadora. Foi sabendo.
[3] Vai como membro participante dos jovens-alunos dos colégios dos
jesuítas, organizados com o nome “Magis”, que não é movimento, mas um grupo
formado em vista de um evento de massa, do qual desejam participar e do qual
aproveitam o momento, com programação anterior independente da JMJ como tal.
[5] A presença dos peregrinos na cidade, com suas características visuais e
seus comportamentos: barulhentos e coloridos.
[6] Avaliação crítica: a) os personagens centrais
nada a ver com juventude. Estão longe da juventude, mesmo procurados para serem
ouvidos. b) A juventude é vista como
“uma coisa sólida, sem nuances, sem adjetivos. Juventude católica, e
só”: multitudinária e uniforme. c) Não se diz o que se entende por juventude;
d) a juventude não tem voz.e) Os jovens dos atos também estão cumprindo um
roteiro, tal como um teatro.
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