O FAZER EVANGELIZADOR
(reflexões a partir de uma reflexão do P. Jorge
Boran)
Temos que ser bons técnicos se não, não marcamos
gol.
A Pastoral da Juventude não tem mais hegemonia
do espaço eclesial como no passado.
Há outros
atores. Temos concorrentes.
Portanto, temos que ser competentes. Isso faz bem. (P. Jorge
Boran)
Hilário Dick
Pensando em “Fazer Evangelizador”[1], recebi a resposta da
provocação que fiz a um de meus irmãos de muitas lutas – P. Jorge Boran – perguntando-o
pelo silêncio em que ele parecia estar, neste momento, frente à situação da
evangelização da juventude no Brasil, não só da Pastoral da Juventude. Eu
perguntava: quem
anda desaparecido sou ou és tu? Com todas estas coisas acontecendo no Setor
Juventude da Conferência dos Bispos,, com a Pastoral da Juventude, o Boran quieto... É estratégia? É não querer
incômodo? Enfim, seria muito bom ter uma conversa contigo. Somos amigos há anos, nos entendemos bem, junto com muitos/as outros/as
procuramos ser fazedores de boas notícias para as juventudes, mas somos
diferentes. Demorou em responder porque, como ele diz, estive
sem tempo e senti que não dava para responder às suas perguntas com algumas
frases curtas. Mandou, por isso, uma bonita reflexão que desejo acolher e
comentar.
1. A Pastoral da Juventude está
enfrentando um momento muito complexo, onde há desafios e oportunidades de
crescimento. Boran não encara
a evangelização da juventude, de forma ampla, mais vai logo ao campo delimitado
da Pastoral da Juventude. O momento
complexo é para todos, mas parece valer mais para os que mais gritam e mais
sentem o desacompanhamento: a Pastoral da Juventude. Repito: a afirmação pode deixar a entender
que, em outros “campos”, o momento é menos complexo – o que é uma tendência que
se verifica, atualmente, nos discursos eclesiásticos. Fazendo esta reflexão,
não se trata de pensar nós somos os bons
os outros são os maus, ou vice-versa. Até pode ser que alguns pensem assim
(de ambos os lados), mas há necessidade
de fazer uma análise mais complexa. Como diz Boran, há portas que se fecham e outras que se abrem. Verdade. Contudo, não
significa que isso tem o mesmo sentido para todos. Se nos pusermos, por
exemplo, na perspectiva do uso do poder – mesmo falando de evangelização da
juventude - acontecem coisas semelhantes ao que vimos acontecer nas possíveis
motivações que houve na renúncia de um Papa e a escolha de outro. O que se
fecha? O que se abre?
2. O P. Jorge traz uma comparação interessante: É como no jogo de futebol. Um técnico que
não consegue motivar seus jogadores para fazer uma leitura correta do jogo não
marca gol, não ganha o campeonato e corre o risco de ser relegado à segunda
divisão. Ou pior! E ele tem razão; é o que acontece. É preciso ter
pedagogia, é preciso ter ginga, é preciso engolir sapos, é preciso saber
motivar, é preciso ser como o “servo sofredor”. No entanto, o que e quem nos
vai dizer se devemos falar ou calar? D. Romero falou e foi calado; D. Helder
falou e foi calado; D. Luciano falou, mas houve “Cúrias” que não gostavam
dele... Estamos enganados se falamos que a vivência cristã é essencialmente
conflituosa? Por que se calam teólogos, se calam agentes de pastoral, se fecham
instituições que formam pessoas para trabalhar com os jovens? Por que as
pastorais sociais estão sendo postas no exílio? Qual a dificuldade da Teologia
da Libertação? Por causa dessas e de outras perguntas devemos pensar numa outra
personalidade que surge no cenário do jogo de futebol: o juiz. Ele intervém;
pode expulsar os melhores jogadores; pode deixar-se levar por razões que não
sejam somente a competição; pode mandar o técnico para fora do campo; até
inventa “catecismos” e “diretrizes”, etc. Mesmo olhando para a nossa Mãe
Igreja, para nossas Congregações, para os nossos cleros e pastores... A Igreja
sabe lidar com o poder? Há “técnicos”
que são expulsos, que são calados, que são proibidos, que são espoliados de
seus instrumentos e há “times” que são favorecidos... Tratar-se-ia, simplesmente, de motivação? Mais adiante o P. Jorge fala dos padres que
querem aproximar-se, novamente, da juventude, mas percebe, igualmente, que lhes
falta capacitação para trabalhar com ela. Por que, então, se desrespeitam
cursos que atendem a esta necessidade? Investe-se nesta capacitação, por
exemplo, na formação seminarística? Enfim, o que significa ser técnico, o que
significa fazer gol?
3. Segue, depois, uma postura típica na reflexão de Boran. Prudente: Diz ele: A gente faz a leitura da realidade eclesial e social a partir de onde estão fincados nossos pés. Por isso faço uma leitura mais positiva da atual conjuntura eclesial, sem abandonar também uma consciência crítica. Há portas que se abrem que a gente tem que aproveitar se queremos evangelizar os jovens. Acho que é um bom momento para evangelizar os jovens, só que temos que pegar o jeito.
Claro que é um atrevimento, de minha
parte, mas gostaria de perguntar várias coisas ao amigo Boran: 1) Trata-se de
uma leitura positiva ou mais positiva? Se é mais
positiva, a comparação é com quem? Ficaria subentendido, acaso, que ter
consciência crítica é ter uma atitude negativa, assim como podemos perceber ao
nosso redor, em cristãos adultos, no clero e no episcopado? 2) Com o que se vê acontecendo, praticamente em todas as regiões do Brasil, no
tratamento que lideranças (especialmente da Pastoral da Juventude) recebem em
bastantes dioceses e paróquias, podemos crer – realmente – que vivemos um
momento bom para a evangelização da juventude? É bom por que todos falam de juventude? Bom por
que a JMJ vai ser um espetáculo? Bom por que se investe com os eventos juvenis?
3) Por outro lado, pode-se perguntar: por que falar de posturas grosseiras,
descaridosas, antipedagógicas, ignorantes, de pessoas da Igreja, de gente que
não estuda juventude e outras agressões que se veem, são atitudes que passam em
silêncio, enquanto outras que, não são de ovelhas submissas, são criminalizadas?
A hegemonia não é só questão de maioria ou minoria; é questão de caridade, de
exercício de poder, de respeito ao protagonismo juvenil, de uma postura de
honestidade. Mesmo que tenha havido erros no passado, não pode ser motivo de
vingança.
4. Todos nos alegramos e queremos alegrar-nos com
as coisas boas que estão acontecendo na evangelização da juventude. Entre as
muitas coisas, citaria a nova versão latino-americana de Civilização do Amor – Projeto e Missão; o documento Evangelização da Juventude – Desafios e
Perspectivas Pastorais. Mas serve, também, o que o P. Boran faz em São
Paulo, no Brasil, na América Latina e no mundo com seus cursos, palestras e
escritos. Muitas iniciativas boas acontecem Brasil afora. Negá-las seria, até,
insensatez. Não deixa de ser insensatez,
contudo, dizer que tudo que “mexe” com a juventude é coisa de Deus. Bonito de
ler, por isso, os exemplos que o Boran apresenta porque sabemos que, além de
tudo, ali está uma pedagogia e uma teologia que nasce das atitudes de Jesus de
Nazaré. Na sua simplicidade e espírito intuitivo, Boran acrescenta: Meu silencio é resultado em parte do meu tipo de personalidade. Ainda continuo a pensar, querido P.
Jorge, que isso não significa não se manifestar em certos momentos e achar que
é melhor não se “queimar”. Mas o P. Jorge contra-argumenta: Para avançar uma pastoral comprometida vejo
o enfrentamento como a última opção. A experiência tem me mostrado que,
dialogando, se abrem mais portas. Duvido que Boran julgue que haja
tanta vontade de diálogo ou negue a vontade que houve, em poucos anos passados,
da vontade de diálogo por parte das Pastorais da Juventude. Por que a situação
mudou? Somente por causa da hegemonia de um cenário de Igreja?
5. Concordamos com o P. Jorge dizendo que está angustiado com o esvaziamento do projeto da Pastoral da Juventude em muitas paróquias e dioceses. Claro que há dificuldades que vêm de fora. Porém, há desafios internos que precisamos enfrentar: o vanguardismo, a necessidade de voltar às bases. Há necessidade de voltar à pedagogia da Pastoral da Juventude que corremos o perigo de abandonar. Em alguns lugares a Pastoral da Juventude está reduzida à organização de eventos e há um abandono de acompanhamento sistemático de processos grupais. Em alguns lugares há a perda do foco de evangelização. Claro que a evangelização também tem uma dimensão social. A Pastoral da Juventude existe para evangelizar; quando perde este enfoque perde a identidade e morre. Precisamos continuar apostando na pedagogia de Jesus caminhando com os discípulos de Emaús, usando o método Ver Julgar Agir codificado por Cardijn e a Ação Católica Especializada, do trabalho com eventos e ao mesmo tempo o acompanhamento sistemático de pessoas e seu grupo de base.
Surgem várias perguntas: 1) por que o P. Jorge fica só nos desafios
internos? 2) a pedagogia da Pastoral da Juventude não está no documento 85? Quem
está esquecendo este documento? 3) A pedagogia que está expressa neste
documento é incentivada, realmente, nas dioceses? Vai-se além da sugestão do
Setor que virou cavalo de batalha? As dificuldades que o P. Jorge aponta há
muito vem sendo discutidas e enfrentadas. Até poderíamos acrescentar a falta de
assessores/as, por parte do clero e dos/as religiosos/as; a falta de
capacitação; o não estudo da realidade juvenil; as mil dificuldades que o
cenário hegemônico de Igreja apresenta; a falta de recursos humanos e
financeiros; os milhares de preconceitos provindos de várias partes, a linha
alienada e neo-liberal de algumas iniciativas com relação à juventude; a força
dos Meios de Comunicação Social e a forma como a própria Igreja usa as mídias;
a criminalização de uns e a sacralização de outros; as diferenças de tratamento
que explodem, por exemplo, no documento 103; o fechamento não justificado de
estruturas de apoio, e tantas outras realidades. Isso não é motivo de angústia?
Meu amigo P. Jorge faz como outros agentes de pastoral que conheço: prefere
ficar não comentar estas coisas porque seria enfrentamento... Não deixo de
perguntar, contudo: quem sofre com estes silêncios ou estes discursos? Os que
falam certas coisas ou as juventudes que procuram ser protagonistas e não marionetes
de uma Igreja que, por vezes, se esquece de amar, de fato, a juventude?
Volto a repetir as frases de Jorge Boran: Temos que ser bons técnicos se não, não marcamos gol. O que é, de
fato, marcar gol? A Pastoral da Juventude não tem mais hegemonia do espaço eclesial como
no passado. Isso não significa a necessidade de enfrentamento, ou as mudanças
dependem do acaso? Há outros atores. Temos concorrentes.
Portanto, temos que ser competentes. Isso faz bem. É verdade. Refletir tudo
isso é ser fazedor de boas notícias, também pelo testemunho, também pelo
discurso.
Um forte abraço,
P. Hilário Dick S.J.
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